Fenômeno com tal intensidade não ocorre desde 2015/2016. Dívidas chegam a R$ 56 bilhões
Com os juros altos por tanto tempo e a demanda fraca, as empresas varejistas seguem com dificuldades para honrar os compromissos com seus credores. O setor varejista busca renegociar cerca de R$ 56 bilhões em dívidas, o que corresponde a algo em torno de 30% do total de crédito concedido ao setor, segundo informações divulgadas nesta quinta-feira (18) pelo Valor Econômico, com base em cálculos feitos pela consultoria especializada em reestruturação Virtus.
Os juros mais baixos refletem na melhora das condições financeiras de empresas, já que as despesas com os juros diminuem, aliviando não somente o fluxo de caixa, mas também permitindo que as companhias possam substituir dívidas antigas e caras por contas novas com custos menores.
A taxa básica de juros básica da economia (Selic), após ter ficado fixada por 12 meses em 13,75%, começou a ser reduzida pelo Banco Central (BC) em agosto de 2023. Porém, as empresas varejistas, que seguiram com o peso do pico da taxa nominal em seus balanços em boa parte do ano passado, pouco sentiram os efeitos da redução a conta-gotas da Selic, que está desde maio estacionada em 10,5% ao ano – com a decisão do Copom de paralisar os cortes da taxa base no mês passado.
Com a minguada redução na taxa nominal, entre agosto até maio, o juro real (quando se desconta a inflação) pouco perdeu força, mantendo-se acima dos 6% ao ano – a segunda maior do mundo, algo⁵ altamente lesivo para a economia que precisa crescer, por restringir a oferta de crédito e consumo de bens e serviços no país.
Outros cálculos da Virtus apontam que em relação ao prazo de vencimento, 45% do volume total em renegociação das empresas listadas (ou com potencial de renegociação) têm vencimento de curto prazo de até um ano.
“A equação de juros altos e menor consumo explicam esse movimento”, afirma o sócio da Virtus, Douglas Bassi”, ao ressaltar que essas situações são responsáveis pela crise vivida pelo varejo no último período, que tem enfrentado a torneira de crédito mais escassa, tornando mais difícil a busca por capital de giro.
Os analistas alertam para o volume alto de grandes empresas com dificuldades financeiras.
“Desde a última recessão no varejo, entre 2015 e 2016, não se via, em um único ano, tantos grupos de grande porte recorrendo à proteção judicial ou abrindo acordos para alongar prazos de pagamento. Desde janeiro, as redes Dia, Polishop, Artex, M.Martan e Casa Moysés (essas três últimas, do grupo Coteminas) entraram com pedidos na Justiça…. De um ano para cá, também entraram em recuperação judicial e extrajudicial, o grupo M5, dono da M.Officer, Amaro e Ri Happy”, cita a reportagem do Valor.
A sondagem da Virtus não considera os passivos da Casas Bahia (em recuperação extrajudicial e da Americanas (em recuperação judicial), para não distorcer os números da pesquisa.
Segundo dados da Serasa Experian, em maio deste ano, o número de pedidos de recuperações judiciais (RJs) pelo varejo chegou a 139 casos, sendo uma alta de 72% frente ao mesmo mês do ano passado.
O economista e professor da Faculdade do Comércio de São Paulo, Denis Medina, explica que “uma característica desse setor são as margens baixas, e isso se vê em empresas de todos os portes. Então, quando há um impacto financeiro pesado, como juro alto por tanto tempo, não tem como não afetar o resultado final”, afirmou.
Em abril de 2024, ao todo 6,7 milhões de empresas estavam inadimplentes, segundo a Serasa Experian. No mesmo mês de 2023, eram 6,5 milhões de empresas nesta situação. Quando o BC deu início ao novo ciclo de alta da Selic, em março de 2021 (avançou de 2% para 13,5% em agosto de 2022), o número de empresas inadimplentes estava em 5,9 milhões.
Os números apresentados pela consultoria especializada em reestruturação Virtus, a pedido do Valor Econômico, consideram a soma das dívidas já em renegociação ou com alto potencial de seguir esse caminho. A pesquisa tem como base dados de crédito ao varejo do Banco Central, de maio de 2024; informações públicas de empresas de capital aberto e, ainda, a sua própria base de dados.
A consultoria informou, ainda, que usou a métrica de alavancagem na relação entre dívida líquida e o valor do Ebitda – que mede lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação. Sendo a partir disso, passou a considerar também as empresas não listadas.