O prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição na disputa pela Prefeitura de SP em outubro, possui um sítio de 4,2 hectares no Parque Internacional, um loteamento irregular em Engenheiro Marsilac, extremo sul de São Paulo, dentro da Área de Proteção Ambiental Capivari-Monos, e outros 9 lotes em nome de outras pessoas no 11º Cartório de Imóveis de São Paulo.
6Na área invadida, Nunes, que acusa seu principal adversário no pleito de incentivar essa prática, também comete outros crimes, como represar água para criação de peixes. A denúncia é do observatório “De Olho nos Ruralistas”.
No local, há um sobrado, que o filho dele, Ricardinho, aluga para eventos. As negociações que permitiram ao prefeito paulistano se apropriar das terras iniciaram-se em 2006, quando ele já integrava o MDB, mas ainda não era vereador. Sem pagar impostos, Nunes foi abocanhando áreas e áreas e hoje têm em seu nome pelo menos 4,2 hectares. A região tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da capital paulista.
Em 2012, quando se candidatou pela primeira vez à Câmara Municipal, ele declarou à Justiça Eleitoral 4 lotes em Parelheiros e uma casa com sobrado. Os lotes foram adquiridos em 2006 por cerca de R$ 40 mil. O portal apurou que os bens declarados à Justiça estavam incompletos e que o prefeito chegou a declarar parte do terreno como “terra nua” (de pouco valor, sem investimentos). E só informou a totalidade da propriedade em 2021, quando já era o vice do então prefeito Bruno Covas (PSDB).
Entre a primeira declaração de bens, para vereador, e a última, para vice-prefeito (disponibilizada de forma integral apenas em 2021), o valor das terras subiu de R$ 40 mil para R$ 110 mil, de acordo com levantamento do observatório.
O Sítio Vista Verde, onde está o imóvel, fica em uma rua sem placa, em pleno coração da Mata Atlântica, na Área de Proteção Ambiental (APA) do Capivari-Monos, a 23,5 quilômetros das praias de Mongaguá e a 41 quilômetros da Praça da Sé.
A análise dos dados fundiários relacionados à propriedade levantados pelo veículo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e à Receita Federal aponta uma série de irregularidades e inconsistências cadastrais. Ao todo, Ricardo Nunes possui treze lotes no distrito de Engenheiro Marsilac, fracionados em cinco imóveis rurais — divididos em dez matrículas.
Dos treze lotes, apenas quatro indicam, nas matrículas obtidas em cartório, a transferência da titularidade para Nunes, que comprou os terrenos em 7 de julho de 2006. Os lotes números 4, 5, 17 e 18 aparecem nas declarações de bens do prefeito desde 2012.
Perante o Incra e a Receita Federal, porém, essas terras continuam em nome do antigo dono, Paulo Minoru Ikeda. Uma das vizinhas do sítio confirmou à reportagem que as terras eram de Nunes. E conta que foram as últimas a serem adquiridas por ele. A atualização dos dados é de responsabilidade do cartório e está atrasada há catorze anos, desde que a compra foi registrada nas quatro matrículas, em 2010.
De acordo com o De Olho nos Ruralistas, o prefeito, sua família e os funcionários da Nikkey Controle de Pragas – sua maior empresa – frequentaram o local no passado. Atualmente, a gestão do imóvel é feita pelo filho do prefeito, Ricardo Nunes Filho, que aluga o sítio para grupos de até 75 pessoas. Ele também está no comando da Nikkey e de outras empresas do pai desde 2022.
O aluguel do sítio custa R$ 1.000 para um final de semana completo ou R$ 550 para um único dia, conforme anúncio publicado na internet. Em 2012, o lote onde está o imóvel foi declarado como um “sobrado” avaliado em ínfimos R$ 8 mil. A reportagem conta ainda que o anúncio do aluguel do sítio foi retirado do ar na internet na mesma noite em que os jornalistas visitaram o local.
Uma moradora da região afirmou à reportagem que o sítio do prefeito é o “melhor imóvel da região”. O autor da apuração informou que no Sítio Vista Verde há cavalos, piscina, criatório de peixes, ali, no meio da Mata Atlântica, “em área de mananciais e bem longe da Avenida Paulista”, escreveu Alceu Castilho.
INFRAÇÃO AMBIENTAL
Segundo o jornalista, num tanque represado a partir de uma nascente de rio, a família Nunes, à revelia da lei, cria carpas e tilápias. A prática é considerada uma infração ambiental pelo Código Florestal brasileiro.
Relações de compadrio, troca de favores, indicações para cargos públicos, podem explicar as facilidades com as quais o prefeito se tornou titular das terras invadidas. Um desses terrenos, o lote nº 6, está registrado no cartório em nome de Benjamim Ribeiro da Silva, falecido no ano passado, e Alfonso Boglio Serrano. Muito próximos a Ricardo Nunes, os dois fundaram juntos a Escolinha Pica-Pau Amarelo, que deu origem ao Colégio Albert Einstein, em Interlagos, também na zona Sul da capital. A instituição integra a Rede Anglo e é uma das mais destacadas da região, ofertando ensino desde o berçário ao Ensino Médio, inclusive com educação bilíngue.
“Os dois fizeram campanha para Nunes em 2016. Seus parentes acumulam cargos na Câmara, inclusive no gabinete de Nunes, e na prefeitura. Uma empresa de Benjamim aluga imóveis para creches conveniadas — que contratam os serviços de uma empresa do prefeito, a Nikkey Controle de Pragas”, cita o De Olho nos Ruralistas.
A matrícula do lote 6 do Parque Internacional — um dos treze lotes que compõem o Sítio Vista Verde — foi compromissada a Benjamim Ribeiro e Alfonso Serrano entre os anos 70 e 80, tendo a venda oficializada em cartório em 1988. Benjamin, que foi subprefeito de Santo Amaro, ocupava o imóvel antes, conforme relataram os vizinhos ao site.
Benjamin se destacou entre o empresariado da zona sul e isso o levou a presidir o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieesp), se tornando membro da Associação Empresarial da Região Sul (Aesul), que já foi presidida por Ricardo Nunes.
O empresário e o então prefeito eram membros da maçonaria. Até sua morte, em agosto de 2022, Benjamin foi membro da loja maçônica Fé, Equilíbrio e Luz. Foram os maçons que fundaram a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), uma organização que tem inúmeros contratos com a Prefeitura de SP “em esquema que ficou conhecido na imprensa como ‘máfia das creches’, e possui papel central no que chamaremos de República de Interlagos”, cita o observatório.
Uma das empresas de Benjamin aluga imóveis na zona sul para creches conveniadas e escolas administradas pela Secretaria Municipal de Educação. “Eu tenho vários imóveis, não só alugados para a Sobei, inclusive para escolas particulares. Meu negócio é fazer imóvel para alugar para escola”, disse em uma entrevista à Folha.
Por sua vez, Alfonso Boglio Serrano é ligado ao ex-vereador e ex-deputado Antonio Goulart, pai do vereador Rodrigo Goulart, que diz nas redes sociais realizar “patrulhas” em bairros de São Paulo. Uma dessas “patrulhas” ocorreu justamente na Praça Alfonso Boglio Marti, que homenageia o pai do empresário.
“A família Goulart também faz parte da República de Interlagos e será importante para entendermos como esse grupo político multiplica seu poder — e se territorializa em São Paulo. Alfonso Serrano doou R$ 9.500,00 para a campanha de Antonio Goulart em 2008. Ele era funcionário do gabinete do vereador, depois eleito deputado federal. (Benjamin Ribeiro e o próprio Nunes fizeram doações menores para Goulart nessa mesma campanha.)”, cita a reportagem do De Olho nos Ruralistas. Uma neta de Alfonso, Ana Paula Hessel, de acordo com o site, foi assessora de Ricardo Nunes na Câmara Municipal. Hoje é ligada ao vereador Marcelo Messias, que era chefe de gabinete de Nunes. A esposa atual de Alfonso, Maria Aparecida Pedrozo de Moraes, é funcionária da Secretaria das Subprefeituras, cedida para a Câmara. Seu irmão Antonio e Adriana Pedrozo de Moraes são funcionários de Rodrigo Goulart.
LAZER DA FAMÍLIA
Em nota ao “De Olho nos Ruralistas”, os assessores de Ricardo Nunes alegam que o “imóvel é usado para o lazer de familiares e amigos.“.
Veja abaixo a íntegra da nota:
Os lotes em questão foram adquiridos entre 1997 e 1998 já integralmente construídos e constituídos em sua forma final, portanto, antes da criação da APA Capivari-Monos. Todos os lotes possuem matrícula individualizada no 11º Cartório de Registro de Imóveis. Os imóveis constam da declaração de Imposto de Renda do prefeito Ricardo Nunes, o que reitera o seu compromisso com a legalidade de todo o processo.
Em relação às documentações dos lotes 6,7,8,11,13,14,15 e 16, os lotes encontram-se em processo de regularização nos referidos cartórios de imóveis para apresentação e documentação dos proprietários anteriores.
Já as matrículas dos lotes 4,5,17 e 18 foram transferidas via escritura pública e registradas em cartório em nome do prefeito, sendo, até o presente momento, de desconhecimento deste a necessidade de comunicação a demais órgãos, o que será brevemente realizada, assim como qualquer outra regularização de pendência.
A nascente apontada pela reportagem está dentro de uma área de preservação, com todos os limites respeitados, e o prefeito nega que ela tenha sido canalizada.
O reservatório não ultrapassa o limite previsto na legislação, e não há nenhuma atividade de “pesqueiro’’ ou algo de gênero na propriedade, que possui uma criação de peixes particular. Na data de aquisição dos lotes mencionados ainda não tinha sido constituída a área de preservação, o que somente aconteceu em 2001.
O imóvel é usado para o lazer de familiares e amigos.