LETICIA SARTORI VALOTA
Núcleo de Pesquisa e Divulgação em Evolução Humana
Instituto de Estudos Avançados – USP
O homem de neandertal (ou Homo neanderthalensis) corresponde à primeira espécie extinta da linhagem humana a ser descrita, em 1856, com a descoberta de um crânio no Vale do Neander, Alemanha. Era comumente retratado na mídia como o “homem das cavernas”, nosso ancestral primitivo. Apesar disso, atualmente, sabe-se que os neandertais são, na realidade, nossa espécie irmã, ou seja: nós, Homo sapiens, dividimos um ancestral comum com os neandertais.
Os neandertais surgiram há aproximadamente 300 mil anos na região da Eurásia, durante o período conhecido como Pleistoceno Médio. Este período foi marcado por uma grande instabilidade climática, de tal modo que os neandertais sobreviveram a quatro glaciações. Eles chegaram a conviver diretamente com a nossa espécie após a nossa saída do continente africano, tendo, inclusive, cruzado e gerado descendentes férteis conosco em diversos momentos, o que explica a pequena porcentagem de genes neandertais que possuímos até hoje no nosso genoma. A espécie era dotada de uma capacidade cerebral semelhante a nossa, e possuía uma indústria lítica própria, ou seja, ferramentas de pedra características desses indivíduos, conhecida como Musteriense. Além disso, também apresentavam algumas representações simbólicas e artísticas, como pinturas e objetos esculpidos e talhados. Ainda que tão parecida conosco, a espécie desapareceu completamente do registro fóssil e lítico há cerca de 40 mil anos, originando um dos grandes enigmas da Paleoantropologia: por que os neandertais foram extintos, e nós não?
A primeira hipótese para seu desaparecimento está relacionada a mudanças climáticas. No período em que os neandertais desapareceram, o planeta estava passando por eventos climáticos mais intensos: aquecimento repentino, seguido por uma elevação do nível do mar, e um novo resfriamento intenso. Essa instabilidade climática poderia ter dificultado sua sobrevivência não apenas pelas temperaturas extremas, mas também pelas mudanças causadas na vegetação e na fauna, reduzindo seus recursos. Inclusive, a erupção de um vulcão na Itália há 38 mil anos poderia ter contribuído para este cenário, uma vez que causou poluição atmosférica por cinzas e chuva ácida por anos. Apesar disso, sabe-se que os neandertais passaram por vários momentos de clima extremo, e, ainda assim, prosperaram resilientemente por quase 300 mil anos. Dessa forma, dificilmente apenas o fator climático teria sido a principal causa do seu desaparecimento.
Considerando que os neandertais desapareceram pouco tempo após a nossa chegada ao continente euroasiático, é difícil ignorar que nós, Homo sapiens, provavelmente teríamos um papel na extinção deles. Assim, uma outra possível explicação é atribuída a doenças trazidas por nós, humanos modernos, ao encontrarmos os neandertais na Eurásia. Por terem passado tantos anos isolados, os Homo sapiens e os neandertais teriam um sistema imunológico adaptado a diferentes tipos de patógenos. Com o contato entre as duas espécies, acredita-se que teríamos transmitido para eles algumas doenças que poderiam ter acarretado na sua extinção. Porém, essa hipótese pode ser refutada por duas vias: em primeiro lugar, não existem evidências osteológicas ou genéticas que corroborem essa hipótese. Em segundo lugar, a recíproca é verdadeira, ou seja, os neandertais também poderiam ter transmitido doenças para nós, e isso não causou a nossa extinção.
Outra causa para a extinção dos neandertais também pode ser atribuída à competição por recursos com o Homo sapiens. Durante muitos anos, pensava-se que esse processo teria ocorrido de forma violenta, através de brigas diretas. Entretanto, não existem evidências de violência envolvendo as duas populações no registro fóssil, pelo contrário; como já citado, existem muitas evidências de cruzamentos entre os dois grupos, o que indica uma provável convivência pacífica. Assim, muitos pesquisadores adotam a hipótese de que essa competição teria ocorrido de forma indireta. A nossa espécie possuía desde então uma tendência à expansão, de forma que saímos do continente africano e, em questão de milhares de anos, ocupamos praticamente todo o planeta, formando grupos cada vez maiores e mais diversos genética e culturalmente. A caça e coleta de alimentos em grupos maiores é mais efetiva para a sobrevivência do grupo, já que os indivíduos conseguem se organizar melhor no momento da caça, se proteger em caso de ataques e carregar mais alimentos. Em contraste, os neandertais, além de serem um grupo com uma mobilidade mais restrita, eles viviam, caçavam e buscavam alimento em grupos pequenos, correndo mais riscos e obtendo menos recursos.
Por fim, a última hipótese estaria relacionada a uma possível assimilação genética dos neandertais por nós, humanos modernos. Como mencionado, diferentemente da nossa espécie, os neandertais viviam em grupos pequenos, o que deve ter sido acentuado devido a possível redução populacional relacionada aos eventos climáticos citados anteriormente. Levando isso em consideração, cruzamentos entre parentes próximos, no caso dos neandertais, provavelmente eram comuns. Atualmente, sabe-se que a reprodução entre familiares aumenta a chance de ocorrência de doenças genéticas, visto que familiares dividem muitos genes, ou seja, a variabilidade é pequena. Nesse contexto, a prole de indivíduos neandertais da mesma família teria menos chances de sobreviver e gerar descendentes, o que, ao longo dos anos, reduziria ainda mais o grupo. Somado a isso, considerando o cruzamento entre nós e os neandertais, a chance do indivíduo híbrido resultante cruzar com um Homo sapiens era maior, dada a sua predominância em número, gerando, por fim, outro indivíduo Homo sapiens, porém com alguns genes neandertais. Isso é evidenciado ao observarmos o registro fóssil: praticamente todos os indivíduos de linhagens híbridas encontrados, são Homo sapiens. Um exemplo disso é o fóssil de Pestera cu Oase, na Romênia, uma mandíbula de humano moderno de 40 mil anos cujos genes indicam que o indivíduo teria tido um ancestral neandertal há cerca de 5 gerações. Dessa forma, a nossa espécie, ao longo do tempo, teria substituído os neandertais através de uma constante absorção genética dessa espécie, de maneira que todos nós ainda possuímos de 1-4% de DNA neandertal no nosso genoma.
Considerando as hipóteses citadas, pode-se perceber que elas não são excludentes: os grupos neandertais podem ter reduzido tanto em número quanto em indivíduos, levando em conta os intensos eventos climáticos que estavam ocorrendo há 40 mil anos; a nossa espécie, mais numerosa, poderia ter algumas vantagens em relação à obtenção de recursos, o que não facilitou a vida desses neandertais; e, por fim, a ocorrência de cruzamentos entre indivíduos das duas espécies teria favorecido a espécie mais numerosa, ou seja, a nossa, de forma que os neandertais fossem diminuindo em população até serem completamente assimilados pelos Homo sapiens. Dessa maneira, a extinção dos neandertais pode ter sido o resultado de múltiplos fatores, que fizeram com que essa espécie, que por muitos anos prosperou, não fosse capaz de permanecer no planeta.
Apesar disso, devemos lembrar de dois pontos: em primeiro lugar, os neandertais, de certa forma, permanecem vivos em nós através de seus genes, fazendo diferença nas nossas vidas. Um exemplo disso é um estudo desenvolvido no Instituto Max Planck, na Alemanha, em 2021, que sugeriu que a presença de genes neandertais específicos poderia diminuir a nossa chance de desenvolver a forma grave da doença COVID-19. Em segundo lugar, se nós tivemos um papel importante na extinção de uma espécie tão resiliente e tão similar à nossa, se faz necessário questionar se não seremos capazes de causar a nossa própria extinção. Considerando a intensificação das mudanças climáticas, a nossa constante expansão e exploração dos recursos naturais, e os conflitos envolvendo a divisão e o controle desses recursos, é apenas uma questão de tempo — talvez, com sorte, alguns milhares de anos — até populações humanas atuais sofrerem as consequências que, um dia, os neandertais sofreram. Como legado, os neandertais nos deixaram seus genes; resta saber qual e para quem o nosso será deixado.