Ele já chamou afros de ‘mulambada’
Próxima palestra deve versar sobre o chicote e o trabalho voluntário
Na segunda-feira, em Passo Fundo – onde, em 1894, os legalistas, comandados por Pinheiro Machado, derrotaram os maragatos, na batalha decisiva da revolta federalista no Rio Grande do Sul – o vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, fez outra reunião fechada, com proibição de que a imprensa assistisse.
Segundo um dos presentes, Mourão disse que ele e Bolsonaro querem “autoestradas alemãs, hospitais suíços e escolas americanas”.
As “autoestradas alemãs” já haviam aparecido antes. Fora o fato de que as principais autoestradas alemãs foram construídas por Hitler, não sabemos por que Mourão acha que não podemos ter estradas brasileiras, depois de tantos anos de experiência em construí-las.
Quanto aos “hospitais suíços”, é evidente que ele não tem a menor ideia de como são os hospitais na Suíça. Falou Suíça como poderia dizer Suécia ou Finlândia ou Islândia – ou qualquer país onde as pessoas são supostamente brancas e louras.
[A propósito, a Suíça é um país onde não existe direito à Saúde. As seguradoras, ligadas aos bancos, dominam todo o aparato de Saúde, a um preço alto – em suma, o sistema de Saúde suíço é um sistema de extorsão compulsória do povo.]
Pior ainda é sua referência às “escolas americanas”, pois qualquer sujeito que já viu um seriado norte-americano sabe que o sistema público de ensino nos EUA é uma esculhambação. Lá, para ter boa educação – ou até educação razoável – é preciso ter dinheiro. E a maioria, não tem. Ou é preciso ser um super-atleta – mas, nesse caso, a educação é o que menos importa.
É essa maravilha que Bolsonaro e Mourão querem para o Brasil – um sistema de educação para ricos e um sistema de educação, dos mais vagabundos, para os pobres.
Algum leitor poderá dizer que já temos isso. Exatamente por essa razão é necessário reverter – e não aumentar – a destruição do sistema público de ensino sob o PSDB, PT e PMDB.
Porém, a contraposição feita por Mourão é mais reveladora ainda: “Não queremos padrões africanos aqui no nosso país”.
Como se a África fosse toda ela a mesma coisa, do Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, até o Cabo Branco, na Tunísia. E como se os problemas dos países da África fossem causados por supostos “padrões africanos”.
Mas, deixemos, ainda que somente por um momento, o evidente racismo dessa contraposição – e vamos a uma questão mais simples: por que não podemos ter boas estradas brasileiras, bons hospitais brasileiros e boas escolas brasileiras?
Claro que podemos. Temos bons engenheiros, bons profissionais de Saúde, bons professores – e temos recursos, desde que não permitamos a sua esterilização no rentismo que nada produz.
Mas a fantasia de Mourão é que este país – o nosso – é composto de gente inferior, incapaz, como na sua já notória arenga sobre a malandragem do negro, a indolência do índio e o privilégio e culto à sinecura dos ibéricos (ou seja, dos portugueses que vieram para cá).
Em suma, nosso povo é produto de três raças vadias, inferiores, dadas à vagabundagem, infensas ao trabalho.
Já os alemães, suíços e americanos… isso, sim, é que são povos!
Convenhamos que esse lixo ideológico já estava a caminho do aterro sanitário quando Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda de Campos Salles, falou que não podíamos desenvolver indústrias como os EUA desenvolveram porque “não temos as aptidões superiores de sua raça”.
Isso foi há 120 anos – e Murtinho era o que havia de pior em uma oligarquia corrupta, e, ao fim e ao cabo, antinacional.
Porém, Mourão repetiu semelhante cavalice na última segunda-feira, em Passo Fundo – cidade que já viu passar o Duque de Caxias e Getúlio Vargas.
Por falar em cavalice, alguns bolsonaristas defenderam, nas famigeradas “redes sociais”, que Mourão está certo ao dizer que “o Brasil é um cavalo que precisa de um ginete com mãos de seda, cintura de borracha e pernas de ferro”.
Pouco antes da Revolução Praieira, o poeta Jerônimo Vilela compôs uma famosa quadra: “Quem viver em Pernambuco/ Deve ser desenganado/ Pois há de ser Cavalcanti/ Ou há de ser cavalgado”.
Os Cavalcanti de Albuquerque eram latifundiários que possuíam um terço do atual Estado de Pernambuco.
Os praieiros se revoltaram porque não queriam ser cavalgados – e Pedro Ivo, seu principal comandante, é hoje herói nacional.
Pois, 170 anos depois dos praieiros, apareceram os que querem ser cavalgados, os que acham que o povo brasileiro deve ser cavalgado, e que Bolsonaro e Mourão devem cavalgar o povo e o país.
Na verdade, como esclareceu Mourão com suas loas ao dinheiro estrangeiro, não é ele nem Bolsonaro que vão cavalgar o povo brasileiro, se fossem eleitos. São os maravilhosos parasitas financeiros dos EUA que iriam cavalgar os dois – e mais o país.
Porém, homem diversificado, Mourão acrescentou aos americanos também os suíços e os alemães – e qualquer bandido que seja branco (e, provavelmente, de olhos azuis).
O que ele não suporta são os africanos, essa “mulambada”, como disse há poucos dias (v. Mourão chama africanos e latinos de “mulambada”), cujos descendentes, por sinal, constituem mais da metade da população brasileira.
Porém, voltando à sua filosofia equina.
Quando o último presidente da ditadura, Batista Figueiredo, disse que preferia “o cheirinho de cavalo” ao “cheiro do povo”, houve um escândalo no país – é óbvio que um presidente que prefere os cavalos ao povo, deveria presidir alguma república de equinos, e não o Brasil.
Figueiredo, porém, jamais quis transformar o Brasil – e o povo brasileiro – em cavalo para sua montaria. Ele sabia a diferença entre um cavalo e o país.
Não se pode dizer o mesmo de Mourão.
Aliás, diante de Mourão, Figueiredo até parece, na lembrança dos que viveram aquela época, um Prêmio Nobel de alguma ciência, apesar de outras frases equinas, tipo “mulher é como cavalo, só se conhece quando se monta”.
Mourão atacou outra vez a Constituição – aliás, é evidente qual é o programa de Bolsonaro: rasgar a Constituição.
Para quê?
Para retirar do texto constitucional os direitos conquistados pelo povo com a derrubada da ditadura. Há dias, disse Mourão que o problema é que a atual Constituição já foi muito remendada. Porém, sua proposta é retirar mais direitos – e não devolver os que foram tirados pelos remendos.
Ele, aliás, apesar dessa malandragem (!), não esconde isso.
CARLOS LOPES
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