O ‘Memorando de Entendimentos’ que trata da entrega da Embraer para a multinacional norte-americana Boeing, explicita que na verdade se trata da doação de umas das maiores empresas de aeronáutica do mundo para os americanos.
Pelo acordo entre as empresas, que foi registrado na cidade de Nova Iorque e estava sendo mantido em sigilo, a Embraer entra como sócia minoritária (com apensa 20%) em uma nova empresa, chamada de NewCo, e será montada com toda a operação comercial da brasileira Embraer. Já a Boeing, nada.
O Memorando foi obtido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que busca salvaguardar os direitos dos trabalhadores num eventual acordo entre as empresas. Entretanto, ao analisarmos o Memorando, divulgado pelo procurador Rafael de Araújo Gomes, fica claro que o objetivo dos americanos é de adquirir a Embraer com o único objetivo de eliminar a concorrência da empresa brasileira e fazer da sua estrutura, mais uma montadora de projetos da Boeing.
Pelo acordo, que conta com a chancela do governo Temer, a Boeing se torna sócia majoritária da nova empresa pagando a miséria de US$ 3,8 bilhões.
Atualmente as operações comerciais da Embraer representam 60% de suas receitas. Ou seja, com a venda das operações comerciais para a Boeing, o que restará nas mãos da Embraer são as operações na área de Defesa & Segurança, além da área de jatos executivos, áreas essas de investimento, pesquisa e nem tantos retornos financeiros. As operações comerciais são rentáveis e geram muito dos recursos usados pela empresa para garantir as outras áreas de atuação que são estratégicas para o país.
Segundo o Memorando de Entendimentos fica assegurado à Boeing “o integral controle estratégico e operacional e a administração dos negócios relacionados à aviação comercial da Embraer e sua total integração com a Boeing”.
“Os negócios de aviação comercial da Embraer, operações relacionadas a capacidade de engenharia correlata são transferidos para uma companhia segregada, recém constituída (NewCo), na que a Boeing adquire uma participação acionária de 80%”, diz o memorando.
“A Embraer contrata os negócios da Defesa & Segurança e de jatos executivos, bem como operações relacionadas a capacidade de engenharia correlata, e detém uma participação acionária de 20% no capital da NewCo”, afirma o memorando.
Para piorar o negócio para a empresa brasileira, além de sócia minoritária de si mesma, ainda não terá nenhum poder de decisão no que acontecerá na tal NewCo. “A Boeing teria o controle total operacional e administrativo da NewCo. A NewCo teria um conselho administrativo, cujos membros seriam indicados pela Boeing, e seria administrada por uma diretoria indicada pelo conselho de administração; a Embraer indicaria um membro para atuar como observador (sem direito a voto) junto ao conselho de administração” salienta o memorando.
Ainda segundo o acordo, “os negócios de aviação comercial, com capacidade de desenvolvimento de produtos end-to-end, serão transferidos para NewCo, incluindo todos os aspectos das plataformas de aviação comercial da Embraer (design, fabricação, certificação, teste, venda, entrega, etc), incluindo os modelos ERJ, Ejet e E2 de aeronaves de jato regionais, bem como todas as formas de assistência e outros serviços pós-venda para tais plataformas (modificações, logística, MRO, treinamento, etc.)”.
VALOR
Além do entreguismo puro e sem caráter, não há outra justificativa para que o governo Temer, que detém a chamada golden share – que dá direito a veto nessa transação, e os diretores da Embraer estejam realizando tal negociata. A empresa que, apesar de ter sido privatizada no governo FHC, ainda está nas mãos dos brasileiros, tem um valor estratégico e até mesmo financeiro, muito superior aos US$ 3,8 bilhões, oferecidos pela Boeing.
Para se ter uma ideia, em um único projeto, o do cargueiro KC-390, o governo brasileiro investiu US$ 2 bilhões, além de se comprometer a comprar 28 aeronaves. Nos últimos anos, a Embraer foi uma das principais beneficiadas pelo governo, com financiamentos, benefícios na área da Defesa, e isenção de impostos. Somente o BNDES, financiou entre 2001 a 2016 mais US$ 14 bilhões em exportações de aviões montados no Brasil. A Embraer também tem preferência nas compras de equipamentos de vigilância de fronteira, na construção de satélites e na fabricação e manutenção dos novos caças que estão sendo produzidos em parceira com a sueca Saab-Gripen, com transferência de tecnologia.
SIGILO
No despacho do Ministério Público do Trabalho, que move ação para garantir empregos e produção da Embraer no Brasil, o procurador Rafael de Araújo Gomes conseguiu derrubou o sigilo do “Memorando de Entendimento” por considerar não haver justificativa para o sigilo da negociata de entrega do patrimônio dos brasileiros à Boeing.
Segundo ele a diretoria da Embraer, teria se recusado a enviar cópia integral do memorando, alegando que documento era sigiloso de acordo com regras da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
A Embraer teria tentado, “com acentuada má-fé, induzir em erro o Juiz Federal, e as demais partes da ação popular [movida por deputados contra o negócio], sem dúvida ao manter em segredo a íntegra do Memorando”.
A criação da empresa ainda depende de articulações com o governo brasileiro, que detém a golden share – ação especial que dá poder de veto.
No memorando está indicada a pretensão de conclusão de todos esses processos em 5 de dezembro, já que o governo Temer quer doar a Embraer e os postulantes a Presidência da República nas eleições de outubro, não são todos apoiadores declarados do negócio da china pra Boeing. Melhor em 2018, do que enfrentar possíveis contrariedades no ano que vem.
MAÍRA CAMPOS
Clique e leia o Despacho do Ministério Público do Trabalho
Clique e leia o Memorando de Entendimentos da compra da Embraer pela Boeing