Decisão do desembargador Figueiredo Gonçalves suspende implementação do programa de escolas cívico-militares até julgamento da ação de inconstitucionalidade no STF
O desembargador Figueiredo Gonçalves, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou a suspensão da lei que criou as escolas cívico-militares no Estado. O programa foi criado e sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em maio deste ano, sem passar pelos debates necessários junto à sociedade.
A decisão liminar atende a um pedido do Sindicato dos Professores da Rede Estadual de São Paulo (Apeoesp).
O magistrado, que é relator do caso, determinou que a lei que criou o programa deverá ficar suspensa até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a ação que questiona a constitucionalidade do modelo.
A Secretaria Estadual de Educação afirmou, em nota, que ainda não foi notificada da decisão.
Assim que a lei foi sancionada por Tarcísio, o PSOL ingressou com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF contra o modelo. O partido defende que o programa do governo paulista fere as constituições federal e estadual, além da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
Na decisão proferida nesta terça-feira (6), Gonçalves determinou que a lei fique suspensa até o julgamento no STF. O ministro Gilmar Mendes é o relator da ação.
“Não se cuida, desde já, de se impor a interpretação acerca da inconstitucionalidade da lei estadual que se questiona nesta ADI. Contudo, inegavelmente, há controvérsias sobre o bom direito, que justifica a cautela neste instante, para que se defira a liminar reclamada, até decisão definitiva sobre o tema”, diz o magistrado na decisão.
Ainda de acordo com a decisão, a suspensão é necessária para “evitar eventuais prejuízos pela instituição do programa”.
De acordo com a lei, os PMs aposentados receberiam um adicional de até R$ 6.034 — valor que é 13% superior ao piso salarial dos docentes em São Paulo.
ILEGAL E INCONSTITUCIONAL
Para a Apeoesp, “essa vitória é muito importante”. “O governador deixou a escola precarizada, faltando funcionários, funcionários desvalorizados, faltando professores, professores que não ganham o piso do magistério. E aí, agora, o governador quer colocar policiais aposentados ganhando o dobro de um professor, quatro vezes mais que um funcionário? Não é isso que nós queremos, nós queremos o professor, a escola tem que ter o professor, o aluno, o gestor e o funcionário. Tem que ter valorização e estrutura. Então é isso que ele tem que investir nas escolas”, afirmou o presidente em exercício da Apeoesp, Fabio de Moraes.
O sindicalista ainda destaca que a decisão do TJ é importante pois barra a lei que “é ilegal e inconstitucional. Ela afronta a LDB nos artigos 12, 13, 14, 15, ela afronta, porque a LDB não permite essa fragmentação de escola civil e escola militar. Ela afronta a base comum curricular nacional, porque não é permitido impor pensamento único, padronizado, com valores militares, isso não pode. Ela afronta o artigo 22 da Constituição. Ela é ilegal e inconstitucional, mas acima de tudo ela é imoral, ela é uma agressão pedagógica, uma agressão à comunidade escolar”.
Moraes destaca que o governo precisa “é cumprir o plano estadual da educação, é valorizar e pagar o piso dos profissionais da educação, é garantir o módulo dos funcionários completo, é chamar todas as vagas do concurso”.
MILITARIZAÇÃO AGRAVA PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO
A União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP) também celebrou a decisão da Justiça contra o “projeto criminoso de Tarcísio para a Educação de São Paulo”. Os estudantes convocaram um ato contra o projeto e a ameaça de corte de R$ 10 bilhões no orçamento da Educação por Tarcísio para o próximo dia 14, na Avenida Paulista.
“A militarização das escolas não resolve problemas educacionais, pelo contrário, cria um ambiente de tensão e autoritarismo. É um CRIME contra nossa juventude”, destacou a entidade.
A entidade alerta que a militarização das escolas não possui qualquer justificativa e ressalta que nos locais onde houve esta intervenção, “diversos casos de assédio sexual, violência e agressão por parte de militares foram registrados”.
“Este é o verdadeiro resultado de uma política meramente ideológica que visa implementar o “bolsonarismo” dentro das escolas. Colocar um policial aposentado, que não possui qualquer experiência com educação, coloca nossa juventude em risco”, destacou a UMES.
Desde que o governo Tarcísio iniciou o processo para escolher as primeiras escolas estaduais que adotariam o novo modelo, uma série de polêmicas surgiram.
Em pelo menos duas escolas, os estudantes se mobilizaram para que a adesão ao novo modelo fosse retirada. Isso aconteceu na Escola Estadual Vladimir Herzog, em São Bernardo do Campo, e na Escola Estadual Conceição Neves, em Cotia. Os alunos reclamaram que os diretores mostraram interesse no modelo sem consultar a comunidade escolar.
GOELA A BAIXO
Em São Paulo, um diretor foi afastado após mandar um comunicado aos professores dizendo que eles não deveriam expressar suas opiniões publicamente sobre a adesão ao modelo. No comunicado, a direção da Escola Guiomar Rocha Rinaldi orientava os professores a repassarem apenas as informações oficiais da secretaria.
Professores e especialistas também criticam as regras estabelecidas pela secretaria para a consulta, argumentando que a votação não pode ser auditada. Além disso, afirmam que a maioria dos alunos afetados pelo modelo não terá direito ao voto direto, pois são menores de idade.
Além da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona o modelo cívico-militar em São Paulo, o Supremo Tribunal Federal (STF) também analisa outra ação contra a militarização de escolas públicas no Brasil. Apresentada em 2021 por PT, PSOL e PCdoB, essa ação contesta a legalidade da lei estadual do Paraná que criou essas escolas, e está sem decisão há quase três anos.
A principal crítica é que a militarização de escolas civis não está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) ou em qualquer outra lei federal. Portanto, estados e municípios não teriam autonomia para criar seus próprios modelos.
Os ministros do STF já decidiram que iniciativas locais sobre ensino domiciliar são inconstitucionais, afirmando que a regulamentação desse tipo de ensino é competência exclusiva da União. Dessa forma, propostas municipais e estaduais sobre homeschooling foram barradas.
Outro ponto de questionamento é que o modelo cívico-militar violaria o artigo 206 da Constituição Federal, que garante o ensino com base nos princípios da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
O programa de escolas cívico-militares é uma das estratégias de Tarcísio para manter e aumentar o apoio da base bolsonarista. O governador passou a prometer esse modelo em São Paulo após o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciar o fim do programa nacional de escolas cívico-militares criado por Jair Bolsonaro (PL).