“Num grande erro estratégico de país, nós conseguimos retroceder, regredir, empobrecer, perder protagonismo. Foi tudo isso que nós conseguimos acreditando nessa mentira”, afirmou o diretor da CNI, no painel da 5º Conferência Nacional de CT&I.
Reproduzimos abaixo a intervenção de Rafael Lucchesi, diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), “após cumprimentar todas as excelências aqui reunidas” na 5º Conferência Nacional de CT&I – Nova Indústria, no painel Nova Indústria e Seus Rebatimentos Regionais, promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia no dia 31 de julho.
RAFAEL LUCCHESI
“Para além desta sala, nós temos um debate no Brasil que não é um debate tão honesto. Aqui nós estamos falando para convertidos. Recentemente o Estadão lançou um editorial “O ressentimento da indústria”. Eu não sei qual! Não sei do que eles estão falando. E fazem comparações muito pouco honestas do ponto de vista do debate intelectual que se deve ser travado quando se fala de desenvolvimento.
Se nós pegarmos os últimos 80 anos de Brasil e dividirmos em dois blocos de 40 anos, no primeiro, o Brasil se industrializou, e era o país que mais cresceu no mundo. Saiu de uma condição de uma sociedade rural e agrária para uma sociedade industrial e urbana. Aliás, vamos ser minimamente honestos, tudo o que nós conhecemos de Brasil, as cidades, a riqueza, o desenvolvimento econômico, a classe média, que nós temos e construímos, foi feito por esse processo de industrialização. E nos últimos 40 anos, que nós resolvemos acreditar numa mentira muito vezes repetida, que estava tudo errado, que nosso modelo estava errado, nós nos tornamos o país que mais perdeu complexidade produtiva. Nós somos o maior derrotado.
“Aliás, vamos ser minimamente honestos, tudo o que nós conhecemos de Brasil, as cidades, a riqueza, o desenvolvimento econômico, a classe média, que nós temos e construímos, foi feito por esse processo de industrialização”
Mas, se nós abrirmos as páginas dos jornais e acreditarmos nos editoriais, vamos achar que nós acertamos nos últimos 40 anos. Aliás, nesse mesmo editorial, se fala do PSI, que é um plano de sustentação de investimento, que todos os países estavam fazendo, com políticas fiscais ativas, por conta da crise de 2008 a 2010. Vamos ser minimamente honestos no debate. Mas ninguém fala dos R$ 780 bilhões que nós gastamos na ciranda financeira, como diria Maria da Conceição Tavares, que serve para o lucro dos super-ricos que não pagam tributos no Brasil.
Assista ao debate no painel da 5º Conferência Nacional de CT&I sobre a Nova Indústria Brasil
Por falar em tributos, há muitas coisas a serem ditas, a indústria brasileira paga 38% da carga fiscal, a agricultura paga 0,8%. Esse mesmo editorial diz que a agricultura está pronta para ser competitiva mundialmente e a indústria não, a indústria tem ressentimentos. É muita desonestidade, é muita hipocrisia, ou muitos interesses inconfessáveis
De valor adicionado, a indústria paga de 42 a 45%, é o dobro da média dos emergentes. E a agricultura paga menos de 15. Os investidores vão utilizar a racionalidade econômica.
Aonde eles vão alocar o seu investimento? Aonde é sobre tributado ou aonde é menos tributado. E o Brasil, que tem a maior taxa de juros do planeta, 10,5% – o próprio Banco Central calcula a taxa neutra, que é 4,5%, e diz assim tem um botim de 6% aqui, que tem um pouco de carga fiscal, tem um pouco de inadimplência – também com essa taxa de juros, por óbvio tem que ter inadimplência -, mas tem a concentração bancária que é uma distorção, e ninguém fala sobre isso: o sobre lucro da atividade financeira no Brasil.
“De valor adicionado, a indústria paga de 42 a 45%, é o dobro da média dos emergentes. E a agricultura paga menos de 15. Os investidores vão utilizar a racionalidade econômica”
E é claro, que se você vai fazer investimento produtivo que vai ter um retorno de 15, 20, 25 anos, você sofre muito mais risco associado a essa taxa de juro do que o Plano Safra. Aliás, o próprio editorial, dizendo que a atividade do agro é uma atividade altamente competitiva, tudo bem, então vamos pegar os recursos do Plano Safra e vamos botar no plano mais produção. Eu acho que é um equívoco, acho que deve tem que ser adicionado. Mas, vamos levar a sério o debate, então não precisa atração do Estado, com 19 bilhões de recurso do Tesouro para equalizar a taxa, já não paga nada de tributo, não paga nada de tributo, praticamente.
Nada contra o agro. Acho que o Brasil fez uma escolha de futuro pro agro, que é importante. Mas é da dimensão do que o agro pode carregar para o Brasil. Hoje é 7% do PIB. Todo mundo aqui vai errar, pode ver o IBGE é 7%. Tem um número que é construído de 27% do agronegócio, é 7% de agricultura, aí tem 9% de indústria e 12% de serviço. Meu amigo, Mário Sérgio, de Caratinga, diz que até o barzinho que vende Heineken lá em Caratinga está no agro. É uma forçação de barra.
Se nós aplicamos essa metodologia para todos os setores, para agricultura, comércio e serviço, é a melhor forma de dobrar o PIB brasileiro, vira 200%. Se você aplicar na indústria é 100%. A gente pegou a metodologia da Esalq e aplicou, é 100%, que é só ver quem se relaciona com quem, isso é um produto.
“Nada contra o agro. Acho que o Brasil fez uma escolha de futuro pro agro, que é importante. Mas é da dimensão do que o agro pode carregar para o Brasil. Hoje é 7% do PIB. Todo mundo aqui vai errar, pode ver o IBGE é 7%”
Então, nós temos no Brasil que construir o debate de forma honesta. Recentemente a FGV fez um estudo: como é a divisão capital/trabalho entre indústria e agricultura? Na agricultura é 84% capital e 16% trabalho e na indústria 52 a 48.
Nada contra o agro, mas ele não vai criar empregos informacionais de classe média que impulsiona a economia de serviço e sofistica a economia. Vamos falar a verdade, porque até o progresso técnico, não precisava ter lido Pavet... Mas como chega o progresso técnico na agricultura? Máquinas e equipamentos é o quê? Indústria, defensivos e fertilizantes é indústria, biotecnologia é indústria, agricultura de precisão é indústria, satélite, chip, indústria. O progresso técnico na agricultura é exógeno, depende de indústria.
Não existe essa oposição entre agricultura e indústria. É gente que está querendo manter esse rentismo improdutivo que não gera um prego no país.
Nós precisamos pensar que para ter um círculo virtuoso de desenvolvimento, nós temos que manter todas as conquistas feitas pelo agro, que é importante, já que nós não soubermos manter a nossa capacidade industrial. Sim, porque nos anos 80 a produção industrial brasileira era maior do que a produção chinesa e sul-coreana somadas.
“Não existe essa oposição entre agricultura e indústria. É gente que está querendo manter esse rentismo improdutivo que não gera um prego no país”
Num grande erro estratégico de país, nós conseguimos retroceder, regredir, empobrecer, perder protagonismo. Foi tudo isso que nós conseguimos assumindo esse pacote do neoliberalismo, é importante dizer isso – o cara falou neoliberalismo e nem prestei mais atenção– , porque a gente está ideologizado, porque a gente seguiu lá os conselhos de John Williamson, a que comumente passou a se nominar Consenso de Washington e nós regredimos e atrasamos. Perdemos o bonde da história. Temos que ir em busca de tempo perdido. E nós temos que construir para uma agenda de política industrial, muito bem concertada por esse governo, que está criando um plano de Estado.
Aliás eu vejo muitas citações ao Plano Safra, as LCAs, que foram criadas em 2003 e 2004, quem presidiu o Brasil em 2003 e 2004? Não tem nenhum elogio. Como agora está se criando o Plano Mais Produção e as LCDs, ainda num volume muito insuficiente de recurso. São 458 bi de LCA com isenção fiscal, é competitivo! E precisa de isenção, então? E uma chuva de crítica aos 8 bi de LCD. É muita hipocrisia, é muito pouca honestidade no debate. E mais…
A indústria brasileira gera 10 milhões e meio de empregos, a agricultura e pecuária, 1,5 milhão, é sete vezes mais. Com salários 50% superiores. ´É isso que vai dinamizar a economia de serviço, como já nos disse há muito tempo atrás o Galbraith, a economia pós-industrial. Mas você precisa ter atividade sofisticada que gere emprego de classe média, porque é a classe média que vai gastar com entrega delivery, com streaming, com pizza, com teatro, com cinema, e isso que movimenta a economia de serviço. Nós temos que pensar o Brasil, primeiro, sem sotaque, porque quando a gente pensou o Brasil sem sotaque, com pensamento original, nós lideramos o crescimento mundial enquanto país emergente. E, segundo, pensar uma estratégia moderna e ousada, o Brasil já foi capaz de empreender dessa forma.
“A indústria brasileira gera 10 milhões e meio de empregos, a agricultura e pecuária, 1,5 milhão, é sete vezes mais. Com salários 50% superiores”
A agenda da Nova Indústria Brasil pretende se colocar, e por isso tem todo o apoio da CNI, nós apoiamos fortemente, como uma agenda de Estado, como uma agenda de virada.
Nós vivemos uma situação em que temos três elementos reais que estão transformando o mundo: a quarta revolução industrial, todo mundo aqui é brilhante, não vou explicar, segundo, os extremos climáticos e o terceiro, a geopolítica. Nessas três condições o Brasil tem uma enorme oportunidade de se reindustrializar, algo improvável e que não tem registro na história.
O Papa pode ser argentino, mas Deus de alguma forma é brasileiro. E eu sou ateu. O Brasil pode ser campeão mundial da economia verde, da descarbonização produtiva, mas nós temos que construir um consenso de sociedade. Por isso, cada um de vocês é importante, porque a gente tem que romper essa empulhação dessa hegemonia do rentismo improdutivo que atrasa o Brasil. Muito obrigado.