“Não existe nenhuma evidência empírica sobre a existência de um limite superior da relação dívida pública/PIB, quando a dívida é denominada na moeda que o país emite”, afirmou o economista
O economista e professor da UnB José Luis Oreiro afirmou, nesta segunda-feira (12), em entrevista ao jornalista Cláudio Porto, do programa “Da Prática Política”, que o que aconteceu nos últimos dois meses com o dólar no Brasil foi “pura especulação contra o país”
“O Banco Central errou feio, de forma criminosa, em relação com o que aconteceu com o dólar nos últimos dois meses”, denunciou Oreiro. “O BC simplesmente fez cara de paisagem e deixou o dólar chegar a R$ 5,90. Por que razão? São vários os instrumentos do BC para evitar isso”, disse ele, destacando que “ninguém falou nada, nem os diretores do BC que o Lula nomeou. Eles fizeram cara de paisagem da mesma maneira”, apontou.
O economista afirmou que o debate econômico no país “está muito raso” e que “não há nenhuma crise fiscal no Brasil”. “Não tem essa coisa de crise fiscal, como o ex-ministro Maílson da Nóbrega estava falando. Não temos crise fiscal nenhuma. A relação dívida/PIB já foi muito maior durante a pandemia e não aconteceu nada. Achar que, se passar de 80%, a gente cai num buraco negro, eu lamento informar que a gente já passou de 80%, chegamos até perto de 90%, muita gente na época fazia projeção de que em 2026 estaríamos com 100%, e a gente não está nem perto disso”, afirmou Oreiro.
“Não tem essa coisa de crise fiscal. Não temos crise fiscal nenhuma. A relação dívida/PIB já foi muito maior durante a pandemia e não aconteceu nada. Achar que, se passar de 80%, a gente cai num buraco negro, eu lamento informar que a gente já passou de 80%, chegamos até perto de 90%, muita gente na época fazia projeção de que em 2026 estaríamos com 100%, e a gente não está nem perto disso”, sustentou.
“A mídia da época da pandemia dizia que ia ser o caos. Inclusive isso foi usado como justificativa para interromper o auxílio emergencial, com a não renovação do estado de calamidade em 31 de dezembro de 2020. A expansão fiscal de 2020, na verdade nos livrou de uma verdadeira catástrofe humanitária. O Brasil teve uma queda de PIB de 4%, enquanto EUA e países europeus tiveram queda de PIB de mais de 10%. Mesmo a Alemanha, que não depende muito do turismo, caiu 7%”, apontou o economista.
Oreiro lembrou que a política fiscal de 2020 foi feita à revelia do ministro Paulo Guedes e do Bolsonaro. Porque, disse ele, “na verdade quem aprovou o auxílio emergencial foi o presidente da Câmara na época, o deputado Rodrigo Maia”. Ele destacou que ela “foi extremamente bem-sucedida do ponto de vista econômico. A queda de PIB foi pequena, a economia começa a se recuperar já no final de 2020. Piorou com o fim da ajuda emergencial e, em 2022, ela volta a crescer”.
Assista a entrevista
“Não existe nenhuma evidência empírica sobre a existência de um limite superior da relação dívida pública/PIB, quando a dívida é denominada na moeda que o país emite”, argumentou o professor. “Números cabalísticos, como 80%, vai desabar o mundo. Nada disso. O problema do debate econômico brasileiro, além de ser muito raso, você supõe que o Brasil é um país que está habitando um outro planeta, que não tem vizinhos”, prosseguiu o economista.
Oreiro mostrou um gráfico com o comportamento da relação dívida pública/PIB no Brasil desde 2019. “A gente começa a observar no começo do governo Lula, em janeiro de 2023, a relação dívida/PIB estava em 71,75%. Apesar do resultado primário melhor de 2023 para 2024, a dívida pública foi aumentando e, em junho de 2024, ela chega em 77, 84% do PIB. Isso é fruto da subida dos juros por Campos Neto”, explica.
“Mas veja, é um patamar similar ao de agosto de 2019, no governo Bolsonaro, antes da pandemia. Não tem nenhuma razão para se supor que há um descontrole da relação dívida/PIB. O que houve foi que esse efeito inflacionário, que foi usado e abusado pelo governo Bolsonaro em 2021 e 2022, para reduzir artificialmente a relação dívida/PIB, esse efeito não existe mais no governo Lula. O juro real está em 6%”, prosseguiu.
“Se você olhar para a relação dívida/PIB no mundo inteiro, ela aumentou desde a crise internacional de 2008. Isso ocorreu no mundo inteiro. A Espanha está com uma relação muito maior. Ela tinha uma relação dívida/PIB de 40%, hoje ela está com 120%. Os EUA tinha uma relação dívida/PIB de 90%, hoje está em 140%. O aumento da relação dívida pública/PIB é um fenômeno mundial, não está restrito ao Brasil. E quando você olha a magnitude do aumento no mundo inteiro, o nosso está dentro da média”, prosseguiu o professor da UnB.
“A Espanha está com uma relação muito maior. Ela tinha uma relação dívida/PIB de 40%, hoje ela está com 120%. Os EUA tinha uma relação dívida/PIB de 90%, hoje está em 140%. O aumento da relação dívida pública/PIB é um fenômeno mundial, não está restrito ao Brasil”
Oreiro chamou a atenção de que a dívida aumentou por causa dos juros. “Esse aumento da dívida é fundamentalmente fruto dos juros, gastos com juros”, denunciou. “E é aí que é o ponto. Eu gosto de dizer que é o rabo balançando o cachorro. O déficit nominal em relação ao PIB está entre 7% e 8%. Em 2024, se a gente tiver 7% de déficit nominal, menos de 1% – ou entre 0,5 e 0,75% – vai ser déficit primário, ou ou seja, a diferença entre o que se arrecada e o que se gasta com a sociedade – e 6,5% de gastos com pagamento de juros da dívida pública”, apontou.
“Se esse é o quadro. Pela lógica do setor privado, para resolver, você vai atacar a fonte maior do déficit, que, no caso, é o pagamento de juros. Não é o déficit primário”, observou o economista.
“Eles dizem que você paga 6,5% do PIB de juros porque você tem 0,5% de déficit primário. Isso não faz nenhum sentido. É o rabo balançando o cachorro. Dizem que isso acontece porque a dívida pública é muito alta no Brasil. A Espanha tem o dobro da dívida pública e paga metade de juros. A Espanha não paga 3% do PIB de juros”, prosseguiu Oreiro.
O economista destacou que o crescimento da dívida é causado por um juro real muito mais alto do que a taxa de crescimento.
“Se a taxa de crescimento da economia é maior do que a taxa de juros, a relação dívida/PIB vai cair mesmo que o governo tenha déficit primário”, afirmou. “A taxa Selic está em 10,5%, se a inflação fechar em 4,5%, como se espera, vamos ter uma taxa de juros real de 6%. É uma taxa real de juros que é o dobro da taxa de crescimento. Com isso, realmente você só vai conseguir estabilizar ou impedir esse crescimento da relação dívida/PIB fazendo um superávit primário gigantesco, o que é politicamente não factível”, acrescentou.
“A taxa selic está em 10,5%, se a inflação fechar em 4,5%, como se espera, vamos ter uma taxa de juros real de 6%. É uma taxa real de juros que é o dobro da taxa de crescimento. Com isso, realmente você só vai conseguir estabilizar ou impedir esse crescimento da relação dívida/PIB fazendo um superávit primário gigantesco, o que é politicamente não factível”
Oreiro disse que Bolsonaro fez superávit primário em 2022 confiscando o salário dos servidores federais, não repondo 25% de perdas. “Até o governo Temer a despesa com os servidores federais ativos e inativos era de aproximadamente 4,5% do PIB. O congelamento por quatro anos fez essa despesa cair para 3.2% do PIB no final do governo Bolsonaro. Uma redução dos salários em 1,2% do PIB, basicamente por não reposição das perdas inflacionárias, ocorridas durante seu governo”, denunciou.
Oreiro disse também que o Banco Central foi muito mais leniente com a inflação durante o governo Bolsonaro do que com o governo Lula. “Campos Neto tinha dois figurinos. No governo Bolsonaro ele era chuchuca com a inflação, com o governo Lula, ele virou tigrão. Então, você teve um aumento muito forte na taxa de juros a partir de meados de 2023”, afirmou Oreiro, argumentando que a inflação acabou corroendo os salários não repostos.