A tradição de o Brasil abrir a Assembleia geral da ONU foi iniciada há sete décadas pelo diplomata brasileiro Oswaldo Aranha. Porém, o deprimente espetáculo propiciado por Michel Temer, na terça-feira (25), manchou a imagem do país lá fora.
No discurso, ele emplacou um quadro mentiroso que afronta a realidade e o bom senso. Entre outros devaneios, Temer afirmou que o Brasil está melhor, que seu governo venceu a recessão e que o país voltou a se desenvolver.
Segundo ele, tanto o próximo presidente quanto os próximos parlamentares que serão eleitos em outubro terão, a partir de 2019, “bases consistentes” para trabalhar. Temer fez elogios ao próprio governo, citando o suposto fim da recessão econômica. De acordo com ele, o país que entregará ao fim do mandato é melhor do que o que recebeu.
“Voltamos a crescer e a gerar empregos. Programas sociais antes ameaçados pelo descontrole dos gastos puderam ser salvos e ampliados. Devolvemos o Brasil ao trilho do desenvolvimento”, afirmou. Não satisfeito, continuou: “O país que entregarei a quem o povo brasileiro venha a eleger é melhor do que aquele que recebi. Muito ainda resta por fazer, mas voltamos a ter rumo”.
O “Crescimento” de Temer deve ser um PIB próximo de zero, senão negativo. Segundo o Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) houve recuo de 0,5% no trimestre maio-julho, em relação ao trimestre encerrado em abril. O dado foi divulgado na quarta-feira (19).
Na visão dele, “trilho de desenvolvimento” é aquele em que o país acumula 12,9 milhões de desempregados, 4,8 milhões de desalentados (aqueles desempregados que desistem de procurar emprego porque não conseguem trabalho, ou não têm experiência, ou são muito jovens ou idosos), no trimestre encerrado em julho. Aqui.
Temer propalou que o país conseguiu superar a pior crise econômica da história. “Dissemos não ao populismo e vencemos a pior recessão de nossa História – recessão com severas consequências para a sociedade, sobretudo para os mais pobres. Recolocamos as contas públicas em trajetória responsável e restauramos a credibilidade da economia”, disse.
O número de empresas que deverá registrar recuperação judicial este ano pode chegar a 1.282, segundo estimativas da Corporate Consulting, podendo o país ter o maior volume de falências em uma década. No ano passado, o número de casos foi de 1.195. Aqui. Essa é a recuperação? O fim da recessão? Belo “crescimento” esse.
Dando continuidade ao que Dilma Rousseff começou, o que Temer fez foi colocar o país no trilho da recessão e da estagnação, com a sua lei trabalhista, seu teto de gastos por 20 anos, tentativa de desmontar a Previdência, entrega do petróleo às multinacionais, corte de recursos do Orçamento, arrocho nos salários dos servidores. Para executar tudo isso, “chamou” o Henrique Meirelles, de quem Lula é fã e foi presidente do Banco Central do seu governo.
Em sua fala de 21 minutos, Temer ignorou olimpicamente que seu governo é classificado como ruim ou péssimo por 78% da população. Segundo pesquisa Ibope divulgada dia 18 deste mês, 90% da população também desaprova a maneira como ele governa o país. É o mais impopular de todos os tempos.
Os escândalos de corrupção, esses sim, foram abundantes no pequeno período de governo de Temer. Foi flagrado, gravado por Joesley Batista, dono da JBS, tentando comprar o silêncio de Eduardo Cunha e o doleiro Lúcio Funaro para que não lhe delatassem. “Tem que manter isso, viu”, disse Temer quando Joesley lhe falou que estava dando uma pensão para os dois ficarem calados.
Denunciado por corrupção pela Procuradoria-Geral da República, comprou (duas vezes) os deputados para evitar ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É investigado por editar decreto beneficiando as empresas amigas portuárias em troca de propina. É investigado também pelo “Quadrilhão do MDB” e por receber R$ 10 milhões de propina da Odebrecht.
Seu amigo e assessor, o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, foi filmado pela Polícia Federal (PF) com uma mala correndo nas ruas, assustado, saindo de uma pizzaria, onde foi receber uma parcela da propina (R$ 500 mil) combinada entre Temer e Joesley Batista.
Por fim, não sem motivo que Temer já está sendo adotado pelo candidato a presidente do PSL, Jair Bolsonaro, que também quer mexer nas aposentadorias, com “reforma” na Previdência. O vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, e o seu economista Paulo Guedes almoçaram com o secretário de assunto estratégico do governo Michel Temer, Hussein Kalout, no sábado (22), no Rio de Janeiro, no Gávea Golfe Clube. Após o almoço, o vice de Bolsonaro elogiou o emissário de Temer. “Ele é uma pessoa inteligentíssima, muito preparado”, disse Mourão. Perguntado se Hussein poderia ser incorporado à equipe de um eventual governo Bolsonaro, Mourão respondeu: “Claro. Um dos melhores quadros do governo”.
WALTER FÉLIX
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