Estudo dos raios gama, uma forma de radiação com alta carga energética, no Parque Astronômico do Atacama, coloca Brasil e a América Latina numa posição de “vanguarda global dessa tecnologia”
O Parque Astronômico do Atacama (AAP), no norte do Chile, foi o local definido para instalação do primeiro observatório de raios gama de ultra-alta energia do Hemisfério Sul. Chamado de Southern Wide-field Gamma-Ray Observatory (SWGO, na sigla em inglês; em português, Observatório Austral de Raios-Gama de Amplo Campo de Visão), o objetivo do observatório é estudar o cosmos em raios gama, uma forma de radiação com alta carga energética. O Brasil integra o projeto, estimado em 60 milhões de dólares.
O país, um dos membros fundadores, participa por meio do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) em parceria com o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), de Portugal, tem financiamento do MCTI e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
“A construção do observatório, que deve começar a partir de 2026, prevê comissionamento (componentes testados e aptos a operar) de até cinco mil detectores Cherenkov – tanques de água ultra-limpa equipados com foto-sensores de alta sensibilidade para detectar a luz-Cherenkov produzida pelas partículas geradas quando raios-gama energéticos de origem cósmica interagem com a atmosfera terrestre”, explica nota do SWGO.
A iniciativa eleva o Brasil e a América Latina a um “avanço importante”, na área da pesquisa científica, avalia Márcio Portes de Albuquerque, diretor do CBPF, em entrevista à Hora do Povo. “O projeto SWGO representa um avanço importante para o Brasil e para a América Latina no campo da pesquisa científica, particularmente na área da astrofísica”, destaca.
“Ele proporciona uma oportunidade para a região de aumentar a integração em colaborações internacionais em ciência de ponta, contribuindo para a geração de conhecimento e inovação tecnológica. No caso específico do Brasil, a participação no SWGO fortalece as capacidades científicas, tecnológicas do país e a parceria com empresas visando a inovação”, enfatizou.
PIONEIRISMO E INTEGRAÇÃO REGIONAL
O coordenador do projeto, Ulisses Barres, pesquisador do CBPF, destaca que o observatório coloca a América do Sul numa posição de vanguarda. “O que faz do SWGO particularmente importante cientificamente é que ele será o primeiro observatório desse tipo no Hemisfério Sul, e, portanto, irá observar pela primeira vez uma parte do céu nunca antes estudada nessas energias extremas”.
“Isso significa que com o SWGO abriremos uma nova janela astronômica de observação do cosmos, e por isso esperamos muitas novas descobertas inéditas. Em particular, será a primeira vez que o Centro da Galáxia (que só é visível do Hemisfério Sul) será observado nessas energias”, prosseguiu.
Além disso, “o SWGO será instalado em uma altitude superior a outros instrumentos desse tipo, a 4.770 m de altitude. Isso lhe dará capacidades observacionais únicas, em particular, permitindo que ele observe objetos extremos que estão fora da Galáxia, e outras Galáxias distantes – o que outros observatórios deste tipo não são capazes de fazer com grande sensibilidade”, ressaltou o cientista.
“Com cinco países latino-americanos diretamente envolvidos no planejamento do observatório, o SWGO é um projeto com singular potencial para a cooperação regional latino-americana, com importantes impactos esperados para a pesquisa científica e educação, bem como para a divulgação da ciência em nosso continente”, destaca o cientista. A construção do observatório deve começar a partir de 2026.
POSIÇÃO DE VANGUARDA
“Essa inovação tem sido um sucesso nacional, colocando o Brasil na vanguarda global dessa tecnologia. Esse é um excelente exemplo de como a pesquisa e o desenvolvimento científico podem impactar significativamente a indústria brasileira e posicioná-la na linha de frente internacional”, defendeu o diretor da Rotoplastyc, empresa privada que irá fornecer tecnologia para o projeto.
Sediada em Carazinho (RS), a empresa brasileira atuou na construção dos tanques do Observatório Pierre Auger, Argentina, há 20 anos, com soluções tecnológicas e inovadoras. “Esse foi um enorme desafio para a indústria brasileira na época, no qual conseguimos atender às demandas com qualidade reconhecida internacionalmente, um feito de extrema importância para o desenvolvimento de novas tecnologias de rotomoldagem no país, disse Nelson Formentini, diretor da Rotoplastyc, ao HP.
“Projetos de pesquisa, muitas vezes considerados como ciência básica, têm um impacto significativo no desenvolvimento nacional. Acredito que tenha sido o principal motivo de termos sidos convidados para esse novo desafio”, continuou o empresário.
Para o SWGO, a empresa desenvolveu dois protótipos, “resultando no desenvolvimento de uma nova técnica de fabricação de onde é possível produzir um tanque duplo (um dentro do outro) com o isolamento térmico necessário para manter a temperatura em seu interior bastante estável frente às grandes incursões diárias de temperatura externa”, explica nota do CBPF.
“Apesar de ter sido desenvolvido para um detector de pesquisa de raios cósmicos, essa tecnologia está tendo uma aplicação extraordinária no agronegócio brasileiro, especificamente na inoculação de sementes e conservação de produtos biológicos muito usados no plantio de soja e trigo”, ressaltou Formentini.
“Por isso, a Rotoplastyc apoiou o desenvolvimento tecnológico desde o início, custeando integralmente o desenvolvimento desse novo processo. No entanto, a construção de detectores com essa tecnologia, nos grandes tamanhos desejados, envolve investimentos adicionais”, completou.
Nos dias 30 e 31 de julho, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, recebeu os representantes dos 15 países que integram o SWGO, encontro que resultou na escolha do APP para a instalação do centro de pesquisa.
“A instalação do SWGO no APP, que já abriga uma série de observatórios astronômicos internacionais, possibilitará o aproveitamento da excelente infraestrutura existente no local, reduzindo ao mínimo os riscos associados à construção e operação de um projeto da magnitude do SWGO”, informa nota do SWGO.
JOSI SOUSA