A Polícia Federal (PF) prendeu Pepe Richa, irmão do ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), e mais 14 pessoas na 55ª fase da Operação Lava Jato, nesta quarta-feira (26), em cidades do Paraná, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo.
A ação foi batizada de Operação Integração II e investiga irregularidades nas rodovias privatizadas do Paraná. Além do irmão de Richa, Luiz Abi Antoun, primo do ex-governador tucano, também teve a prisão preventiva decretada, mas ele não foi detido porque viajou para o Líbano. O diretor da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) João Chiminazzo Neto foi alvo de uma ordem preventiva de prisão.
Segundo a Operação Lava Jato o ex-secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná José Richa Filho, o Pepe Richa, candidato a Deputado Federal nas eleições 2018, usou R$ 500 mil de propina para a aquisição de um terreno em Balneário Camboriú (SC). Segundo o Ministério Público Federal, a escritura foi subfaturada e a diferença paga em espécie “por fora”.
“A utilização de dinheiro em espécie para pagar por imóveis que são registrados por um valor inferior ao negociado configura uma forma clássica de lavagem de dinheiro utilizando o mercado imobiliário, e já foi vista inclusive em outros casos na Operação Lava Jato”, aponta o procurador da República Diogo Castor de Mattos.
Segundo a Lava Jato, autoridades do governo paranaense desde 1999 agiam em benefício dos consórcios que administram as rodovias privatizadas e exerciam influência política junto a órgãos técnicos. De acordo com o Ministério Público Federal, Beto Richa seria um dos beneficiários finais do esquema, embora não seja alvo dessa investigação.
O MPF apontou que Beto Richa “teve papel central no esquema de obtenção de vantagens indevidas mediante favorecimento de concessionárias de pedágio, determinando os atos de ofício a serem praticados em favor de diversas empresas, sendo que boa parte dos recursos indevidamente arrecadados eram vertidos para suas campanhas políticas ou em seu benefício pessoal”.
Segundo as investigações, mensalmente, as seis concessionárias do Anel de Integração do Paraná (Econorte, Ecovia, Ecocataratas, Rodonorte, Viapar e Caminhos do Paraná) rateavam um pagamento de R$ 120 mil em propina proporcionalmente ao faturamento de cada uma delas e que foi atualizado de acordo com os reajustes do pedágio, chegando a R$ 240 mil por mês. “Por volta de 2010, esse valor mensal de arrecadação estava próximo a R$ 240.000,00, sendo que houve reclamação das concessionárias a João Chiminazzo”, o operador das concessionárias no esquema.
Os pagamentos ocorreram até janeiro deste ano, segundo aponta a investigação. Os valores eram pagos a agentes públicos do DER-PR (Departamento de Estradas de Rodagem), subordinada à secretaria administrada por Pepe Richa, e, depois de 2011, a funcionários da Agepar (Agência Reguladora do Paraná), que controla serviços públicos concedidos.
Esses pagamentos eram efetuados em dinheiro vivo aconteciam na sede das concessionárias na ABCR (Associação Brasileira de Concessionária de Rodovias) a agentes do DER e da Agepar. “O dinheiro entregue em espécie pelas concessionárias era obtido mediante a produção de caixa dois por parte das empresas concessionárias; a produção de caixa dois ocorria ou por intermédio da celebração de contratos inteiramente fictícios ou através da celebração de contratos verdadeiros, mas com ‘valores inflados’”.
ANTOUN
Segundo o MPF, Luiz Abi Antoun recebia vantagens indevidas do DER e centralizava o “caixa ilícito” de Beto Richa. De acordo com o MPF, desde 1999, operadores financeiros que simulavam a prestação de serviços movimentaram ao menos R$ 130 milhões em faturamento de notas frias para concessionárias.
Segundo o procurador, a fraude em empresas de pedágio mostra “o impacto da corrupção na vida da população, com reflexos no frete de produtos que rodaram nas estradas paranaenses (e ficam mais caros nas prateleiras dos supermercados), nos acidentes causados em rodovias que deveriam ter sido duplicadas, assim como o valor adicional pago nas cancelas do pedágio por quase duas décadas”.
Abi Antoun, primo de Richa, já havia sido foi preso na Operação Rádio Patrulha, que investiga um programa de obras em estradas rurais no Paraná, e consta no rol de denunciados pelo Ministério Público do estado (MP-PR). Ele estava em liberdade por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu as prisões decorrentes da investigação.
EX-GOVERNADORES
O MPF diz que vai aprofundar investigações nas gestões dos últimos três governadores do Paraná (Richa, Jaime Lerner [ex-PFL e atualmente sem partido] e Roberto Requião [MDB]).
Para o procurador Mattos, esse tipo de situação comprova o fato de a Lava Jato ser uma investigação apartidária. “Ultimamente, temos sido acusados de partidarismo, querendo dizer que estamos influenciando os pleitos eleitorais. Temos ciência de que o último governador [Beto Richa] sabia e teria se beneficiado. Em relação a outros governos, a investigação deve ser aprofundada, porque geralmente esses esquemas se estendem da área técnica à política”, diz Mattos.
Requião, que disputa uma vaga ao Senado, afirmou que não houve menção ao nome dele no despacho do juiz e que os corruptos foram presos “antes tarde do que nunca”. “Requião vem denunciando a corrupção no pedágio desde que ele foi criado e tomou as medidas que poderia tomar. Foram movidas cerca de 40 ações judiciais que nunca foram acolhidas pelo Judiciário”, afirmou, por meio de nota enviada por sua assessoria. “Além disso, Requião nunca autorizou reajuste que as concessionárias pediram”, ressaltou.
Já o advogado de Lerner, Cid Campelo Filho, afirmou que os procuradores estão “buscando pelo em ovo, pois não houve corrupção na época do Jaime Lerner”.
Pepe Richa e Beto Richa já haviam sido presos no dia 11 pela Operação Radiopatrulha, do Ministério Público do Paraná, que apura desvios de recursos públicos no Programa Patrulhas do Campo. Três dias depois, Pepe e Richa foram soltos por ordem do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta terça, 25, eles foram denunciados criminalmente pela Promotoria por corrupção e fraude a licitação.
O esquema revelado levanta suspeita de que as descobertas relativas às concessionárias que operavam pedágios em rodovias federais no Paraná possam se estender a outros estados porque muitas das empresas citadas na operação têm atuação nacional.
“Embora Beto Richa e seu irmão tenham renunciado recentemente aos cargos que ocupavam junto ao Poder Executivo estadual, o fizeram para concorrer, respectivamente, aos cargos de Senador da República e de Deputado Federal, conforme declarações do colaborador Nelson Leal, as campanhas dos irmãos Richa ao Senado e à Câmara serão abastecidas com recursos do esquema ilícito aqui investigado”, conclui o despacho do MPF.
Aditivos de contratos
Mesmo diante do pagamento de vantagens indevidas, entre 2000 e 2002 o governo do Paraná firmou aditivos contratuais com as seis concessionárias. Essas modificações nos contratos foram objeto de dezenas de ações judiciais, especialmente porque reduziram investimentos e elevaram tarifas, lesando os usuários. Em 2012, análise de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou diversas irregularidades nesses aditivos.
Segundo o levantamento, embora os investimentos previstos no contrato original tenham sido remanejados para os últimos anos das concessões, os valores originalmente previstos para restauração, recuperação e manutenção dessas obras não executadas permaneceram incorporadas às tarifas de pedágio cobradas dos usuários – portanto os motoristas pagaram por um serviço que não foi executado.
Além disso, o TCU identificou que a alteração do critério de medição dos serviços realizados de “área estimada” para “quantitativo de insumos” tornou a fiscalização menos eficaz e facilitou a utilização de materiais de baixa qualidade, em benefício das concessionárias.
Os fiscais também apontaram que as significativas mudanças nos cenários econômicos não foram consideradas nos ajustes promovidos, de modo a reduzir proporcionalmente as tarifas cobradas dos usuários. Ao contrário, há indícios de que o fluxo de caixa alterou-se em prol das concessionárias mesmo levando-se em conta, na avaliação dos investimentos, o custo de oportunidade da época em que os contratos foram assinados.
Diversos outros atos administrativos e aditivos favoreceram as concessionárias, de acordo com a investigação. Uma alteração feita em 2005, por exemplo, suprimiu mais de 125 quilômetros de duplicações da Ecocataratas, nos trechos entre Cascavel e Matelândia e de Guarapuava a posto Três Pinheiros. Já um ato administrativo de 2011 adiou por sete anos a duplicação de 41 quilômetros entre Piraí do Sul e Jaguariaíva, pela Rodonorte, sem redução tarifária.