Pessoas que o conheceram em Goiânia tentam blindar ex-coach de caso investigado pela PF. Procurado por meio da assessoria, ele não se manifestou
Além de capturar e-mails de vítimas para a quadrilha de furto de contas bancárias desarticulada pela PF (Polícia Federal) em 2005, em Goiânia (GO), o candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), usava na época dos golpes carros cedidos pela organização para passear, segundo a investigação.
Agora, um dos principais integrantes desse grupo — e até uma vítima — tenta blindar Marçal do desgaste eleitoral gerado pela publicidade negativa do caso ocorrido há 19 anos.
O candidato tem mantido a versão de que apenas fazia manutenção em computadores. Na última quarta-feira (21), disse que não obteve nenhuma vantagem no esquema. Procurada para comentar o uso dos veículos mencionado no inquérito, a assessoria de comunicação de Pablo Marçal não se manifestou.
Esse é o resultado pela tática mais que agressiva contra os adversários nos debates até aqui realizados. O candidato gerou repulsa por parte dos adversários, que agora vão para o enfrentamento usando, inclusive, os meios jurídicos.
PF INVESTIGA
Relatórios de segurança de bancos enviados à PF apontam que os valores subtraídos das contas das vítimas variavam entre R$ 95 e R$ 15 mil — corrigidos pela inflação, os montantes equivalem, respectivamente, em torno de R$ 270 e R$ 43 mil.
Os documentos estão armazenados na 11ª Vara da Justiça Federal de Goiânia. Relatório da PF cita nominalmente o hoje candidato do PRTB. Segundo o documento, um dos integrantes da quadrilha pagava os serviços do então jovem Pablo Marçal e permitia que ele usasse os carros do grupo.
Na fase judicial, o juiz do caso perguntou a uma das testemunhas do processo se Marçal estava entre os que usaram dinheiro do esquema para comprar veículos. A testemunha negou e acrescentou: “Não, o Pablo não. O Danilo [um dos líderes da quadrilha] fornecia veículos da organização para ele andar, passear e tal”, disse a testemunha.
“PRINCIPAL CARTÃOZEIRO”
Condenado a 8 anos e 9 meses de prisão no mesmo processo, Ricardo Cozac, hoje com 60 anos, se apresenta como advogado e ainda vive em Goiânia. Ele confirma que estava “no lugar errado, na hora errada e com pessoas erradas”, mas alega ter sofrido injustiça, pois não teria envolvimento com o esquema, versão diferente da apresentada pela polícia e acolhida pela Justiça.
Segundo o relatório da PF, Cozac era o “principal cartãozeiro” do bando, responsável por providenciar o saque do dinheiro retirado das contas bancárias de vítimas. Também comprava e vendia veículos para o grupo e clonava números de telefone.
DEFESA COMPROMETIDA
Localizado na última sexta-feira (23), na capital de Goiás, Cozac saiu em defesa de Marçal. Ignorando os apontamentos da PF e do Ministério Público Federal, disse que tudo o que está sendo dito sobre a participação do agora candidato é fruto de manipulações políticas e da imprensa.
“Naquele grupo em que ele foi condenado, ele não estava no meio, não fazia parte daquilo ali. Eu tava lá [sic], indiretamente eu participei. Eu conhecia uma das pessoas que estava lá dentro. Eu peguei uns carros e botei na minha loja, me pediram”, disse.
Ele afirmou ainda que o episódio o motivou a estudar Direito e hoje vive “100% dentro da lei”. Ricardo Cozac acaba de ser alvo de processo por alugar casa, em Anápolis, que não é dele e sem o conhecimento da proprietária do imóvel. Na ação, estão anexadas mensagens nas quais a dona, que vive no exterior, se surpreende com a existência de inquilina. Procurado novamente, Cozac reiterou que não está envolvido com nada ilícito e pediu que não fosse mais procurado.
Natural de Catalão (GO), Ricardo Cozac afirmou que não tinha e não tem contato com Pablo Marçal, mas acompanha e admira o ex-coach, torce pela vitória dele e diz que considerou procurá-lo para discutir como reagir às “mentiras” sobre o crime de 2005. “Até pensei em falar com ele por causa desse assunto aí, mas pensei: ‘o cara está no meio de uma campanha, cheio de coisa na cabeça’. Eu também estou exposto”, disse.
“O único medo que eu tenho é que cassem a candidatura dele. Não tem lei mais, não tem! Qual explicação para Bolsonaro não ser presidente? A possibilidade [da cassação] é grande porque a ‘petezada’ está vendo que vai perder”, afirmou.
VITIMAS
Foram localizadas 6 vítimas que tiveram valores retirados das respectivas contas pela quadrilha. Quatro não se lembraram do caso ou não quiseram comentar.
O advogado Valdir de Andrade Jobim, do Rio Grande do Sul, lembra do susto que tomou ao ser chamado na agência bancária para os trâmites burocráticos necessários após a fraude. Os criminosos retiraram dele o equivalente a cerca de R$ 17 mil.
“Eu estava descendo a serra de Gramado depois de audiência. Recebi uma ligação do banco dizendo que estavam encerrando a minha conta porque estava havendo um ataque hacker e pedindo para que eu comparecesse à agência. Fui lá no outro dia e tive que falar o que era transação minha e o que não era. Depois o banco me devolveu o dinheiro. Nunca fiquei sabendo quem fez o ataque”, lembrou.
TAREFA DE MARÇAL NA QUADRILHA
À época com 18 anos, Pablo Marçal capturava endereços de e-mail que seriam alvos de programas maliciosos que fisgavam dados bancários.
Ele insiste na versão de que recebia apenas para fazer a manutenção de computadores. Pelos serviços, recebia inicialmente R$ 400 — cerca de R$ 1.150, em valores correntes. “Fui processado durante 13 anos de forma injusta”, afirmou a jornalistas, na última quarta-feira (21), após compromisso de campanha.