Deputado bolsonarista ainda pode recorrer à CCJ antes de a ação ser levada ao plenário da Casa
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados aprovou, por 15 votos a 1 e 1 abstenção, nesta quarta-feira (28), o parecer da deputada Jack Rocha (PT-ES) pela cassação do mandato do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ).
O parlamentar é acusado de ser um dos mandantes da morte da vereadora Marielle Franco (PSol), em 2018. O motorista dela, Anderson Gomes, também, foi morto. Na Câmara, a ação foi protocolada pelo PSol, por quebra de decoro parlamentar.
Chiquinho Brazão pode, ainda, recorrer à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) sobre os procedimentos se avaliar que o processo foi inconstitucional ou antirregimental. O prazo para o colegiado analisar o pedido é de 5 dias. Mas mesmo que recorra à CCJ é pouco provável que o colegiado dê provimento à ação.
Depois, o plenário da Câmara deverá avaliar a decisão do Conselho. Para que o mandato seja cassado, são necessários ao menos 257 votos favoráveis dos deputados. O prazo é de 90 dias úteis, contados desde maio. Desse modo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve convocar sessão para votação do parecer do Conselho de Ética.
INDIGNIDADE NA REPRESENTAÇÃO
A relatora concluiu pela perda do mandato de Brazão com base na conduta de “praticar irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes, que afetem a dignidade da representação popular”, prevista no Código de Ética e Decoro Parlamentar.
A defesa havia pedido a suspensão da análise do caso por pelo menos 6 meses, até que o STF (Supremo Tribunal Federal) conclua o processo de instrução sobre o caso na esfera criminal.
A relatora refutou essa possibilidade ao afirmar que os objetivos do processo no Legislativo e no Judiciário são distintos.
O deputado Gutemberg Reis (MDB-RJ) foi o único a votar contra o relatório de Jack Rocha. Na discussão, deputados do PSol endossaram o parecer.
O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) criticou o que chamou de “ativismo judicial” e afirmou que a prisão de Chiquinho Brazão não seguiu os critérios relacionados a parlamentares. Apesar disso, o deputado declarou que votaria pela cassação do mandato de Brazão.
A reunião desta quarta-feira teve a presença da jornalista Fernanda Chaves, que era assessora de Marielle e estava no mesmo carro que foi atingido por tiros em 2018.
PARECER DA RELATORA
No parecer, a relatora Jack Rocha destacou que a atuação dos parlamentares deve ser guiada pelo Código de Ética e afirmou ser “imperativo que todos atuem com a máxima responsabilidade conscientes de que suas ações refletem sobre o coletivo e a própria democracia”.
Ela também mencionou o envolvimento de Brazão com esquemas de grilagem e com organizações criminosas e milícias ao relatar as imputações da PGR (Procuradoria-Geral da República).
A deputada destacou que a trajetória política de Marielle sempre esteve vinculada a questões sociais, de direitos humanos e cidadania, com “carreira política promissora” interrompida pelo assassinato, aos 38 anos de idade.
Ela afirmou ainda que a morte da vereadora foi “ato de brutalidade” e “exemplo devastador de violência política de gênero”. Segundo ela, o assassinato foi “tentativa de silenciar uma mulher que estava quebrando barreiras e desafiando estruturas de poder”.
Nesse sentido, declarou que o caso “exige uma resposta firme do Estado”.
DEFESA
Após a leitura do parecer, o deputado e a defesa dele tiveram prazo para se pronunciar. Por videoconferência, Brazão disse que é “totalmente inocente” e alegou que Marielle era “amiga”.
O advogado Cleber Lopes argumentou que a morte de Marielle foi anterior ao mandato de Chiquinho Brazão na Câmara dos Deputados.
Ele mencionou casos anteriores no Conselho de Ética para justificar que, por ser anterior ao mandato, o fato não poderia ser considerado quebra de decoro parlamentar. “É preciso que a Câmara seja fiel à sua jurisprudência”, defendeu.
Cleber Lopes também criticou a delação premiada de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle. Segundo ele, a delação é “irresponsabilidade” e “versão fraudulenta”.
TERGIVERSAÇÃO
O advogado argumentou ainda que o deputado não foi oficialmente denunciado por obstruir a investigação com uso do mandato.
“Ele não está denunciado pela tal obstrução de Justiça que supostamente teria sido praticada no exercício do mandato de deputado federal, ou seja, não há como incluir no libelo, na representação, essa imputação”, disse Lopes.
O advogado também relatou “prejuízo substancial” pela ausência de testemunhas que não foram ouvidas pelo Conselho. Ele pediu a suspensão do processo no Conselho por 6 meses, até que o STF conclua a instrução do processo.
A ação no colegiado foi instaurada em maio. A relatoria foi sorteada mais de uma vez, pois os primeiros sorteados rejeitaram a função.
DEPOIMENTOS
Preso desde março, Brazão participou na terça-feira (27) do 12º dia de audiência sobre o caso no Supremo. No mesmo dia, o ex-policial Ronnie Lessa prestou depoimento.
Foi a primeira vez em que Lessa falou sobre o caso após apontar os mandantes do crime em delação premiada. Lessa vai retomar o depoimento no STF nesta quarta-feira.
Também são alvos de investigações Domingos Brazão, irmão de Chiquinho, e conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro), e Rivaldo Barbosa, delegado da Polícia Civil do Rio.
No Conselho de Ética, Chiquinho Brazão prestou depoimento em julho, por videoconferência. Ele afirmou, na ocasião, que tinha relação “maravilhosa” com Marielle. Também declarou ser “vítima” de Ronnie Lessa e negou ter tido contato com ele.
CONSPIRAÇÃO
O crime brutal ocorreu na noite de 14 de março de 2018, no centro do Rio de Janeiro (RJ). Ela voltava de carro para casa, no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio, depois de participar de uma reunião com mulheres negras na Lapa.
A vereadora tinha 38 anos e estava acompanhada pelo motorista Anderson Gomes, de 39, e pela assessora parlamentar Fernanda Chaves, de 43.
Na altura da Praça da Bandeira, na rua Joaquim Palhares, um Chevrolet Cobalt prata emparelhou à direita do veículo no qual estava Marielle. Um dos ocupantes disparou 9 vezes contra a parlamentar, atingindo o vidro e parte da porta traseira direita do veículo.
O carro andou mais alguns metros e os assassinos fugiram. Marielle foi atingida por 3 tiros na cabeça e 1 no pescoço, enquanto Gomes foi alvejado 3 vezes nas costas. Ambos morreram no local. A assessora foi ferida por estilhaços.