Ao indicar os nomes para compor o novo conselho de administração da Sabesp, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) manteve o de Karla Bertocco entre seus representantes. Bertocco é a atual presidente do conselho da companhia de saneamento, cargo que passou a ocupar em dezembro do ano passado. Até então, a executiva integrava o conselho da Equatorial, onde recebia cerca de R$ 1,02 milhão por ano, relataram à “Folha de São Paulo” executivos que acompanharam a privatização da Sabesp. Na então estatal, o salário médio de um conselheiro fica perto dos R$ 160 mil anuais.
A Equatorial, considerada a pior empresa de energia do país segundo ranking da Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica], foi a única a apresentar proposta para virar acionista de referência da Sabesp. Outro fato que chama atenção nesse arranjo é a troca de emprego da executiva justamente quando a Assembleia Legislativa de SP [ALESP] acabara de aprovar o projeto de privatização da estatal.
Outra questão levantada pelos especialistas é a influência que Bertocco teria tido na modelagem da privatização da companhia. O Governo de SP nega a participação do conselho da Sabesp nas decisões, mas Karla era convidada das reuniões do CDPED (Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização), onde ocorria a tomada de decisões, de acordo com a Folha.
O processo de compra das ações da Sabesp na Bolsa de Valores também suscita dúvidas, como bem aponta Amauri Pollachi, especialista em recursos hídricos e presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp [APU]. “O processo em si foi bastante suspeito porque, as empresas foram desistindo, a coisa foi afunilando de tal forma que só restou a Equatorial, [até] porque as condições do processo também foram sempre restringidas a cada passo”, explica.
“E o pior, o preço de referência por ação, que é o referencial de venda definido pelo Estado não foi divulgado”, apontou Amauri na ocasião. “Foi divulgado”, ressalva, “numa reunião do Conselho de Desestatização do Estado, [quando] foi definido isso e muitas pessoas que estavam presentes nessa reunião têm interesse com a própria Equatorial”, continua o engenheiro, que também é conselheiro do Ondas [Observatório Nacional das Águas], em entrevista ao HP.
A explicação oficial que teria afastado outros compradores seriam as regras estabelecidas pelo governo e limitações impostas ao papel de sócio estratégico que teriam afastado, passo a passo, interessados ao longo do processo.
O Sintaema [Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio ambiente do Estado de São Paulo] também critica o nome da representante da Equatorial no conselho da Sabesp. “Mais um fato escandaloso no processo de privatização da Sabesp. Karla Bertocco, presidente do Conselho de Administração da Sabesp, ocupou até dezembro de 2023 um cargo no Conselho da Equatorial, única empresa interessada na privatização da Sabesp”. “São inúmeros os escândalos promovidos pela gestão Tarcísio neste processo de desmonte da Sabesp. Como garantir que a Equatorial não obteve informação privilegiada em relação à Sabesp?”, aponta a diretoria do Sintaema.
PROCESSO IRREGULAR
O plano de privatização da Companhia de Saneamento, Água e Esgoto do Estado de SP, foi recheado de irregularidades do início ao fim. Ao começar pelo estudo de viabilidade, realizado por uma empresa credora da Sabespe que teve os ganhos escandalosamente aumentados para dar parecer favorável. Por exemplo, o contrato de Tarcísio com a International Finance Corporation previa pagamento de R$ 8 milhões caso o estudo fosse contrário à privatização, mas, como a empresa foi favorável, o pagamento foi de R$ 45 milhões.
“Esse contrato chamou muito a nossa atenção, primeiro porque foi feito sem licitação, foi uma contratação direta com essa consultoria que, aliás, também é a consultoria responsável por outros estudos, como o da concessão do transporte sobre trilhos”, denunciou à Hora do Povo o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP).
Tramitando em regime de urgência, o PL da Sabesp nem sequer passou pela análise de importantes comissões da Alesp. A votação, ocorrida em 7 de dezembro de 2023, se deu sob um forte aparato policial, com os manifestantes contrários à privatização impedidos de acompanhar a sessão, alguns sendo espancados ou presos. O projeto foi aprovado com 62 votos a favor e apenas um voto contrário. A Oposição não participou da farsa, se retirando da sessão.
No Legislativo municipal, a situação foi ainda pior. Durante a passagem do projeto encaminhado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), foram atropeladas as audiências públicas que discutiriam a proposta; decisões judiciais foram descumpridas pelos vereadores da base de apoio a Nunes, capitaneados pelo presidente da Câmara, vereador Milton Leite [União]. Inclusive as determinações da Justiça paulista para que fossem cumpridas as audiências com a sociedade.
A luta contra o que é considerado um crime contra a população de SP, a privatização da Sabesp, segue na esfera judicial. “Nossa luta contra a privatização continua, estamos denunciando a inconstitucionalidade que foi a votação na Câmara Municipal e vamos lançar mão de todos os recursos possíveis para impedir que esse crime contra a população de São Paulo e contra as futuras gerações aconteça”, afirmou o vereador Hélio Rodrigues (PT). “Vamos usar todas as ferramentas jurídicas possíveis para lutar contra essa privatização que só trará prejuízos à população de São Paulo”, assegurou Hélio.
“Agora é luta para fazer com que as irregularidades que temos denunciado sejam validadas pela Justiça”, defende Amauri Pollachi.