Os pacientes que realizam tratamento no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) localizado dentro do Hub de Cuidados em Crack e Outras Drogas, no centro da capital, denunciam um desmonte do equipamento. Os usuários do serviço apontam que o lugar e os serviços prestados, como grupos e oficinas, vêm encolhendo e dando prioridade apenas ao encaminhamento para internações, boa parte destas em comunidades terapêuticas.
O Centro de Referência de Álcool Tabaco e Outras Drogas (Cratod) existe desde 2002 e fica localizado na região central da capital paulista, prestando o cuidado em saúde mental usuários de substâncias psicoativas (SPA’s) da região da Cracolândia. O CAPS, por sua vez, que é o espaço destinado ao cuidado continuado de pessoal com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas através de acompanhamento multidisciplinar, grupos terapêuticos, que de acordo com os pacientes vem encolhendo de tamanho, gerando temor de encerramento de atividades.
No primeiro ano da gestão de Tarcísio de Freitas, como forma de tentar transparecer que estava fazendo algo para resolver o problema da drogadição no centro de São Paulo, o governado se reunião com o atual prefeito, Ricardo Nunes, para “pensar” em um projeto para a região. Como fruto, reformaram a estrutura do, até então Cratod, e renomearam para HUB (eixo) de Cuidados em Crack e outras Drogas. Além disso, anunciaram mais vagas em comunidades terapêuticas e hospitais especializados. Desde então, essa área é tocada pelo vice-governador, Felício Ramuth (PSD).
Com a mudança de Cratod para Hub, apesar da promessa de oferecer vários serviços de atendimento psicossocial no mesmo espaço, os grupos estão sendo reduzidos. De acordo com matéria do SPTV, nos últimos meses, o trabalho do CAPS foi fragilizado e pode estar com os dias contados. Isso porque, de acordo com ex-funcionário não identificado na matéria, no início desse mês, os funcionários, inclusive de outras unidades, foram informados sobre o fechamento do CAPS. E que o prazo era de 90 dias para isso ser feito.
A mudança é muito mais do que de nomenclatura, é uma mudança de política de saúde mental. De maneira geral, o objetivo do CAPS, e do Cratod, é prestar o cuidado a partir do acompanhamento multidisciplinar, entendendo o uso de substância como um fenômeno determinado socialmente e que, grosso modo, não é possível o cuidado retirando a pessoa do ambiente que a adoece – por meio da internação –, para o qual retornará posteriormente, sem que haja intervenções no contexto e nas relações sociais, respeitando a autonomia e os direitos da pessoa em tratamento.
A política implementada com a mudança de Cratod para Hub, privilegia o cuidado ambulatorial – e não multidisciplinar – reduzindo dispositivos de cuidado como grupos e oficinas e aumentando significativamente as internações, em especial em comunidades terapêuticas – frequentemente denunciadas por violações de direitos humanos dos internos. “Só que quando ele é encaminhado para a comunidade terapêutica, ele não tem nenhum respaldo médico. Não existe psiquiatra nas comunidades terapêuticas. E quando o usuário retorna, ele não tem uma retaguarda. Ele volta para a rua, ele volta para o uso, ele volta para o vício”, disse o ex-funcionário ao SPTV.
Para o sindicato dos médicos avalia com preocupação as mudanças, uma vez que o modelo de internação não só viola os princípios do cuidado em liberdade, como também pode ser porta para situações de violência.
Em cinco meses, o Hub de Cuidados com Crack e Outras Drogas atendeu a 7.450 pacientes, sendo 72% dos atendidos pessoas em situação de rua e 59% frequentam a cena de uso aberta de drogas. Desse total, o Hub fez 4.497 encaminhamentos para outros serviços neste período, sendo 2.440 para hospitais especializados, 1.624 para comunidades terapêuticas e 433 para hospitais gerais, de emergência ou Unidades Básicas de Saúde (UBS).
A Secretaria Estadual de Saúde tem convênio com 12 comunidades terapêuticas, que totalizam 640 vagas, com tempo de acolhimento máximo de seis meses, podendo ser prolongado por mais três meses (totalizando nove meses). Esses espaços, contudo, são frequentemente denunciados por violações de direitos humanos, falta de estrutura e mesmo trabalho escravo.
O relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas do Conselho Federal de Psicologia (CFP), apontou para a presença de violações que vão desde a interceptação e violação de correspondência a violência física, castigos e mesmo tortura nas chamadas comunidades terapêuticas.
A psiquiatra Isabela Paixão, pediu as contas por perceber o processo de sucateamento e mudança de política de atenção à saúde mental do serviço. “Um serviço que a gente já teve muita potência de construir, de ajudar na construção de histórias muito bacanas, agora a gente está fazendo o que a gente pode”, disse ao SPTV.
A interrupção do acompanhamento multidisciplinar, privilegiando apenas o atendimento médico ambulatorial, desconsidera a dimensão social do uso abusivo de substâncias psicoativas, partindo do pressuposto que o recurso da medicação é o essencial e não a promoção de autonomia e construção de repertório para que as pessoas atendidas com a possibilidade para que estas mudem suas relações sociais, com a inserção no mercado de trabalho, moradia, por exemplo.
Por fim, um agravante nesse processo foi a demissão de 110 funcionários públicos que atuavam na área há décadas e conheciam bem a realidade da região e os usuários. O problema dessas demissões é que, além de ter que repor pessoal, a quebra de vínculo com os usuários do serviço e a falta de conhecimento sobre a dinâmica da região, quebra os vínculos já estabelecidos e dificultam o contato e manejo com as pessoas que fazem tratamento.
“Ele [novo técnico] teria que saber sobre minha vida e isso ia ser muito desgastante para mim. Trazer toda essa memória antiga de volta, que são memórias que não quero mais para mim”, disse Graciele, usuária entrevistada pelo SPTV.
Em nota, o governo do Estado admitiu que os pacientes que recebiam atendimento no CAPS do HUB estão sendo redirecionados para outras unidades do CAPS. Segundo o governo, o objetivo é melhorar a capacidade de atendimento em casos de urgência.