900 policiais foram lançados contra os manifestantes nesta quarta-feira em Buenos Aires, deixando mais de 50 feridos, entre elas duas crianças. Ao coro de “filhos da puta”, aposentados e pensionistas rechaçaram a política de arrocho do presidente, avalizada pelos deputados
Por somente sete votos, a oposição argentina não alcançou os 2/3 necessários na Câmara dos Deputados para derrubar o veto que mantém o arrocho imposto por Milei às aposentadorias. Foram 153 votos contrários e 87 a favor da excrescência, garantindo ao presidente a manutenção da lógica de espremer pensões e aposentadorias em nome do “ajuste fiscal”, fazendo caixa para banqueiros e especuladores.
O projeto oposicionista previa uma atualização mensal das aposentadorias baseada no Índice de Preços ao Consumidor (IPC), além da incorporação de uma quantia extra de 8,1% para compensar a perda obtida nos quatro primeiro meses do mandato.
Se no lado de dentro da Casa a situação estava tensa, envolvendo escandalosas negociatas, do lado de fora Milei mobilizou oficialmente um batalhão de 900 policiais – entre a divisão de choque dos esquadrões Federal, Infantaria, Prefeitura e Gendarmaria, além de infiltrados – para distribuir cacetadas, gás pimenta nos olhos e tiros de borracha dos manifestantes. O resultado foi mais de 50 feridos, entre eles duas crianças – uma de 11 e uma de nove anos -, uma pensionista atropelada por um policial motorizado por levantar um cartaz contrário ao arrocho e até mesmo um bebê. “Estávamos vindo do médico, passamos para chegar ao hotel e eles dispararam gás”, explicou a mãe. Nas imagens é possível ver a criança visivelmente afetada após respirar os gases atirados pelas tropas.
Entre os efeitos nocivos dos gases, “transformados em instrumentos de tortura”, explicaram as organizações de Direitos Humanos, esses gases causam lesões graves dependendo da parte do corpo afetada. “No nível pulmonar, causa broncoespasmo e crises de asma em pessoas sem histórico de patologia do trato respiratório; causa irritação na pele, sensação de queimação e queimaduras químicas de primeiro grau a nível ocular; provoca inflamação da córnea e cegueira temporária”.
Convertendo a Argentina em um Estado policialesco, a ministra da (In)Segurança Patricia Bullrich mandou “identificar” os membros da oposição e não economizar na barbárie, enquanto qualificava a mãe das crianças de “irresponsável e violenta”. Nenhuma palavra sobre a mãe do bebê. A declaração de Bulrich foi em resposta a um pronunciamento da Anistia Internacional de que “as crianças não podem ser alvo de impactos de gás e balas”.
O ar da Praça do Congresso se encheu de gases lacrimogêneo e pimenta assim que foi divulgado o resultado da votação, para o qual foi fundamental a “traição” dos deputados da União Cívica Radical (UCR), que capitularam para os neoliberais.
O REPÚDIO NAS RUAS
O coro de “filhos da puta, filhos da puta!” e o som das panelas tomou conta das ruas, expressando a unanimidade dos manifestantes com a polícia tornando o ar irrespirável e as cacetadas e as balas de borracha multiplicando feridas. Conforme o apurado pela Comissão Provincial pela Memória, pelo menos cinco dezenas de pessoas foram covardemente alvejadas, independentemente da idade. Segundo o governo, foi por “resistência à autoridade”.
O secretário-geral da Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE), filial de Chubut, Guillermo Quiroga, declarou ao jornal Página/12 “ter estado quase meia hora cego”. “Quando voltávamos pela avenida Callao, presos entre dois cordões de efetivos militares, vi uma menina muito jovem jogada no chão, espancada. Me aproximei e gritei para o policial que tentava prendê-la para a deixar em paz e, naquele momento, ele literalmente esvaziou a lata de spray de pimenta na minha cara. E isso que a rua já estava vazia”, contou.
Os testemunhos dos aposentados e pensionistas que sobrevivem com as poucas economias que ainda dispõem são ilustrativos do grau de decomposição dos seus ganhos. O que ganha Oscar, de 77 anos, não é suficiente sequer para pagar o aluguel, sendo ajudado pelos filhos. “Estou me rebentando com a poupança do que ainda sobrou de uma caminhonete que vendi no ano passado”, explicou.
Os idosos e os doentes crônicos estão entre os que mais sofrem com a política de “ajuste” de Milei, que também deu carta branca aos aumentos indiscriminados dos preços dos medicamentos e seguros de saúde, e comprometeu todo orçamento. “Antes eu encontrava meus amigos para tomar um café ou fazer um churrasco. Paramos de fazer isso. A churrasqueira que meus filhos me deram está enferrujada por estar sem uso”, desabafou Carlos Daulovski, 75 anos. Ex-carteiro dos Correios viu dois de seus quatro filhos deixarem a Argentina em busca de uma vida melhor no exterior e não quer que os netos também se vão. “Estou aqui pelo seu futuro. E olha, se reprimirem eu estarei lá porque já me bateram muito antes”, protestou.
Rodolfo, de 78 anos, diz que não perde uma única marcha e anuncia que podem contar com ele, até a derrota deste governo; traz sempre uma espécie de megafone, que ele mesmo montou com uma garrafa de plástico, para chamar Milei “pelo nome”: “Lixo” (Basura!).