Presidente equatoriano alega que, sem a entrega desse que é aspecto central da soberania nacional, país não terá como combater o narcotráfico. Oposição acusa de pretexto para a submissão
O presidente do Equador, Daniel Noboa, anunciou que irá propor uma emenda constitucional para permitir a instalação de bases militares estrangeiras – notadamente estadunidenses – no país. Conforme o pupilo de Washington, a iniciativa visa alterar o artigo cinco da Constituição que, desde 2008, por iniciativa do governo de Rafael Correa (2007-2017), proibiu sua presença em território nacional.
O pretexto para submeter a soberania nacional ao estrangeiro, de acordo com o documento oficial, seria a resposta à crescente ameaça do crime organizado transnacional. Portanto, alega o governo Noboa, haveria a necessidade de uma “forte resposta nacional e internacional” para combater tamanho desafio.
Era como se o crime organizado já não existisse e como se durante a sua gestão – e a de seus parceiros neocoloniais – não houvesse se infiltrado ainda mais no Estado, nas forças de segurança, nos oficiais superiores, na Polícia Nacional e em tudo o que tenha poder e como se a interevenção norte-americana não tivesse feito se exacerbar a presença do tráfico de drogas onde quer que tenha se instalado nos países da América Latina.
“ASSIM DOLARIZAMOS O EQUADOR”
Em seu livro “Assim dolarizamos o Equador”, o ex-presidente Mahuad explicitou que a partir de seu governo, em 1999, a rendição ocorreu nas mais variadas frentes, algo que chamou cinicamente de “convênio de cooperação” com os EUA.
Ao facilitar a lavagem de dinheiro do narcotráfico, a dolarização enraizou e projetou suas raízes, à custa de vidas. Com a sua implementação, o país deixou de ser o segundo mais pacífico da América do Sul para ser um dos maios violentos do mundo, com taxa de 46 assassinatos para cada 100 mil habitantes em 2023, um aumento superior a 700% nos últimos seis anos.
O projeto de reforma que Noboa cinicamente chama de “seu”, é exatamente made in USA. Específica “eliminar a proibição de estabelecimento de bases militares estrangeiras ou de instalações estrangeiras com propósitos militares” e propõe levantar a restrição sobre a cessão de bases militares equatorianas a forças armadas ou de segurança de outros países. Insolente, agrega que “o Equador é um território de paz”, única citação constitucional que é mantida.
No “Plano Colômbia”, país vizinho, o que se viu foram medidas para dar carta branca aos militares ianques agirem ao lado de soldados, engordando mercenários e narcotraficantes contra os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias (FARC).
COCAÍNA YANKEE
Na década de 80, em sua luta para derrotar os sandinistas na Nicarágua, ficou comprovada a relação entre a CIA e os Contras, e desta ligação com a explosão do crack nos bairros negros dos EUA. Em um depoimento, o chefe da Força-Tarefa Centro-Americana da CIA, Alan Fiers, descreveu a relação entre os Contras e o tráfico de drogas: “Não é um casal de pessoas. É muita gente.” Referindo-se a Edén Pastora, líder de alto perfil dos Contra, Fiers admitiu: “Sabíamos que todos ao redor de Pastora estavam envolvidos com cocaína”.
Ou não é público e notório que em 2022 a produção de ópio despencou 80% após o fim da ocupação dos EUA? A ladainha do ventríloquo de Washington de que seus senhores meteriam o bedelho para limpar terreno “das drogas” beira o cômico, se não fosse trágico.
Como se os EUA não fossem o país responsável pelo vertiginoso crescimento do narcotráfico e da criminalidade, o comunicado de Noboa diz que “desde o governo, temos muito claro qual é o país que queremos”. E se utilizando do controle da mídia vende-pátria para chantagear os parlamentares equatorianos, esbraveja que “é o momento de que a Assembleia Nacional decida de que lado estará”.
Posteriormente, Noboa publicou uma mensagem utilizando o X de Elon Musk desde Manta, cidade portuária da província de Manabi, que serviu de base estadunidense entre 1999 e 2009. Ali reiterou que “em um conflito transnacional necessitamos resposta nacional e internacional”.
A capitulação está marcada na política externa equatoriana e teve início no governo de Jamil Mahuad, em abril de 1999, quando o Equador e os Estados Unidos assinaram um “compromisso provisório”. Em tal “acordo”, o país berço da líder independentista Manuela Sáenz permitia que as forças dos EUA utilizassem as instalações da Força Aérea Equatoriana (FAE) em Manta.
A saída das forças estadunidenses do país reafirmou uma postura regional de maior autonomia quanto a assuntos de defesa. Agora Noboa pretende reverter esta política, retrocedendo avanços já obtidos em relação à soberania nacional e à cooperação militar internacional.
Com eleições marcadas para o dia 9 de fevereiro, Noboa pretende antecipar – e atropelar – o debate, confundindo incautos assustados com o crescente banho de sangue produzido por sua política.
Projetando um outro caminho, o plano de governo da candidata Luisa Gonzalez, do movimento Revolução Cidadã, reafirma textualmente a defesa da Constituição, sublinhando que está em jogo “a defesa da soberania nacional”.
“As estatísticas são contundentes. Esse meninininho é um farsante e está improvisando, enquanto as pessoas morrem”, condenou Rafael Correa, enfatizando o compromisso com a construção de um mundo multipolar, mais justo e democrático.