“Se os movimentos populares não exigirem, não gritarem, as coisas vão ficar ainda mais difíceis”, disse o Papa. Francisco também rejeitou os altos gastos do governo com spray de pimenta em vez de usar tais recursos para atender as demandas por justiça social
Dez anos após sua primeira reunião com os movimentos sociais de todo o mundo, o Papa Francisco dirigiu na sexta-feira (20) o centro das suas críticas aos inúmeros abusos cometidos pelo presidente da Argentina, Javier Milei, contra seu próprio povo.
“Fizeram-me ver uma repressão, há uma semana ou um pouco menos, talvez. Trabalhadores, pessoas pedindo seus direitos nas ruas. E a polícia a rejeitou com uma coisa que é a mais cara que existe, aquele spray de pimenta de primeira qualidade. E eles não tinham o direito de reivindicar o que era deles, porque eram rebeldes, comunistas. Não, não”, repreendeu Francisco.
No encontro com as lideranças populares – entre eles o secretário-geral da União dos Trabalhadores da Economia Popular (UTEP), Alejandro Gramajo e a teóloga argentina, Emilce Cuda, secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, nomeada pelo Papa para o cargo -, Francisco acentuou a crítica sobre o desgoverno, respaldou a luta das organizações por justiça social, denunciou o pedido de suborno feito por um ministro de Milei e criticou os parlamentares que mudam seu voto por conveniências pessoais.
“Se os movimentos populares não exigirem, não gritarem, não brigarem, não conscientizarem, as coisas vão ficar mais difíceis”, destacou o Papa, ratificando o caminho da luta como o apontado por Jesus Cristo.
“SUBORNO, O DIABO ENTRA PELO BOLSO”
“Um empresário internacional me disse que estava fazendo investimentos na Argentina, que funcionam bem e que há um bom acordo, e foi apresentar ao ministro o novo plano. O ministro tratou ele muito bem e lhe disse: ‘deixa comigo, eles vão te ligar’. No dia seguinte a secretária do ministro ligou para ele, disse ‘você pode entrar daqui a dois dias?’, então demos autorização e tudo”, continuou o Papa. “Ele passou, entregou todos os papéis, a assinatura e, quando o empresário ia se levantar, disse: ‘e para nós, quanto?… e para nós, quanto?’ O suborno”, denunciou o Sumo Pontífice. “O Diabo entra pelo bolso, não se esqueça”, alertou.
Em relação à mudança de postura no parlamento, a prática da “coima” também vem sendo utilizada para abrir caminhos ao inominável. Recentemente, por tão somente sete votos, a oposição argentina não alcançou os 2/3 necessários na Câmara dos Deputados para derrubar o veto que mantém o arrocho imposto por Milei às aposentadorias, mantendo assim o “arrocho fiscal”.
“A covardia leva muitos políticos a mudarem as suas convicções por conveniência” porque “passaram pela domesticação dos grandes meios de comunicação, das redes sociais, tiveram medo e cederam”. Depois, diz Francisco, “adotaram posturas servis em relação aos economicamente poderosos”. Assim, protestou, “negar ideais nobres e generosos para servir ao deus do dinheiro é uma grande apostasia”, algo que “não acontece só com os políticos, mas com os atores sociais, os sindicatos, os artistas, os intelectuais, e também com os padres”.
O chefe de Estado do Vaticano reivindicou a “justiça social” negada por Milei, criticou a “meritocracia” e respaldou a luta dos que “não se apequenam e vão em frente”.
Em consonância com o que disse em vários documentos eclesiásticos em que lamenta “as feridas que provoca um sistema econômico que tem o centro no deus dinheiro”, Francisco reiterou que, “enquanto os problemas dos pobres não forem resolvidos radicalmente, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da desigualdade, os problemas do mundo não serão resolvidos”.
O Papa criticou com dureza a subserviência, frisando que “o colonialismo material e o colonialismo ideológico-cultural andam sempre juntos, devorando a riqueza material e imaterial do povo” e acrescentou que pensa “em algumas experiências” na Argentina onde “o colonialismo se chama lítio e explora tantas pessoas”.
Acusando o golpe, o porta-voz de Milei, Manuel Adorno, disse que o presidente reconhece as palavras do Papa, mas que não compartilha.