Atualmente fixada em 10,75% ao ano, a Selic contribui para um cenário de crédito caro e escasso. Cada ponto percentual a mais na Selic representa um aumento de R$ 40 bilhões nas despesas anuais do país com juros, onerando as contas públicas e dificultando a execução de projetos de infraestrutura e inovação.
RAFAEL LUCCHESI*
O Brasil enfrenta uma crise de crédito profunda que afeta diretamente o crescimento econômico e a competitividade de suas empresas, sobretudo no setor industrial. O acesso ao crédito no país é limitado por altas taxas de juros, custos elevados e um mercado bancário altamente concentrado. Esse cenário, alertado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), tem um efeito direto sobre o aumento dos custos de produção e a perda de competitividade das empresas brasileiras.
A taxa básica de juros, a Selic, é um dos principais fatores que agravam essa situação. Atualmente fixada em 10,75% ao ano, a Selic contribui para um cenário de crédito caro e escasso. Cada ponto percentual a mais na Selic representa um aumento de R$ 40 bilhões nas despesas anuais do país com juros, onerando as contas públicas e dificultando a execução de projetos de infraestrutura e inovação. O presidente da CNI, Ricardo Alban, destaca que “não há mais espaço para novos aumentos da Selic”, dada a desaceleração da inflação e o contexto global de cortes nas taxas de juros.
Com uma inflação esperada de 4,08% nos próximos 12 meses, o Brasil mantém uma taxa de juros real de 6,41%, a terceira mais alta do mundo, atrás apenas de Turquia e Rússia. Esse cenário de política monetária contracionista se mostra desproporcional quando comparado a outras economias emergentes, como África do Sul, Índia e China, que operam com taxas de juros reais consideravelmente mais baixas.
Além do custo elevado do crédito, o Brasil enfrenta um dos spreads bancários mais altos do mundo, atingindo 27,4%. A elevada concentração bancária agrava a situação. Em 2021, cinco bancos controlavam cerca de 80% dos ativos bancários no Brasil, limitando a competitividade do setor financeiro e encarecendo o crédito para empresas e consumidores. Pequenas empresas são as mais prejudicadas, enfrentando taxas de financiamento quase duas vezes superiores à média nacional, o que as coloca em uma situação de fragilidade frente à competição global.
Outro fator de preocupação para o cenário econômico brasileiro é o possível fim da deflação exportada pela China. Ao longo dos últimos anos, os produtos chineses, impulsionados por subsídios governamentais e baixos custos de produção, contribuíram para a contenção da inflação mundial. No entanto, com o aumento do protecionismo global e a possível redução dos subsídios chineses, há uma expectativa de que a deflação exportada pelo país asiático diminua ou até desapareça.
Essa mudança pode ter impactos significativos no Brasil, que, historicamente, tem se beneficiado de importações mais baratas da China. Caso o efeito deflacionário diminua, o Brasil precisará enfrentar uma nova pressão inflacionária, o que pode demandar ajustes adicionais na política monetária. A elevação da taxa de juros, nesse cenário, seria uma resposta esperada, mas ao mesmo tempo perigosa, pois pode intensificar ainda mais os problemas de crédito no país e comprometer o crescimento econômico.
No contexto global, o Brasil também corre o risco de se isolar ao manter sua Selic em níveis elevados enquanto outras economias estão em um ciclo de redução de juros. Países como China, México, Reino Unido e Canadá já iniciaram cortes em suas taxas básicas. O Banco Central Europeu (BCE) também anunciou uma redução de 0,25 ponto percentual nas taxas de juros para a zona do euro, estabelecendo uma taxa de depósito em 3,50%. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed) promoveu um corte de 0,5 ponto percentual na taxa de juros, ajustando-a para um intervalo de 4,75% a 5%. Além disso, projeta-se a continuidade dessa política de redução das taxas nas futuras reuniões. Esses movimentos deveriam criar uma oportunidade para o Brasil alinhar sua política monetária ao cenário internacional, mantendo uma diferença competitiva no mercado de capitais e aliviando as pressões cambiais e inflacionárias.
Com uma política fiscal alinhada aos cortes de despesas recentemente anunciados pelo governo federal, o Brasil tem a chance de criar as condições necessárias para uma redução mais acentuada da Selic no curto prazo. Isso abriria uma janela de oportunidade para atrair investimentos produtivos e modernizar o parque industrial brasileiro, preparando o país para o fim da exportação de deflação pela China.
Ao modernizar sua estrutura produtiva e fomentar o crescimento de setores estratégicos, o Brasil poderia reduzir sua dependência das importações chinesas e fortalecer sua posição no mercado global. Além disso, uma política monetária mais alinhada ao cenário internacional ajudaria a evitar a fuga de capitais e a perda de competitividade frente a outras economias emergentes.
No atual cenário econômico, marcado pela contenção de crédito e desafios na competitividade industrial, torna-se imperativo para o Banco Central do Brasil (BCB) reavaliar a taxa Selic. Com a taxa atual em 10,75%, uma redução seria crucial para diminuir os custos financeiros onerosos, promovendo assim um ambiente mais propício ao crédito e à expansão econômica. Uma política de juros neutra e não restritiva, como vem sendo imposta pelo BCB há onze trimestres, seria benéfica para estimular investimentos ampliar emprego e para retomada do crescimento sustentável. Este ajuste não só alinharia o Brasil com a tendência global de flexibilização financeira, como também melhoraria a obtenção de condições para empresas e consumidores, apoiando a recuperação da economia nacional.
Rafael Lucchesi – Diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI e Presidente do Conselho de Administração do BNDES.