Sucumbir a brasileira Embraer à norte-americana Boeing não é mais segredo para ninguém. Depois de vindo a público o conteúdo do “Memorando de Entendimentos” entre as duas empresas, onde a brasileira abre mão de toda sua atividade comercial para a estrangeira, agora está em negociação a transferência da linha de montagem do cargueiro militar KC-390, o principal projeto de Defesa da Embraer, para os Estados Unidos.
De acordo com o tal memorando, registrado na cidade de Nova Iorque, e que expõe a negociação da venda da Embraer para a Boeing por R$ 3,8 bilhões, o restaria nas mãos da brasileira apenas as operações na área de Defesa & Segurança, além da área de jatos executivos, áreas essas de investimento e pesquisa e com menores retornos financeiros, se comparados à área comercial.
Entretanto, o que está em curso é a completa absorção da empresa brasileira pelos norte-americanos. A informação consta em um relatório do Bank of America, assinado por Ronald Epstein, analista do setor aéreo.
Segundo divulgou o jornal “Valor Econômico”, a transferência da linha de montagem do KC-390 para os EUA é dada sob a perspectiva de que “com essa americanização do produto, abrem-se dois novos mercados para o produto da Embraer: 1) o próprio mercado americano, que inclui a força aérea e também outras instâncias como a guarda nacional; 2) nações aliadas dos EUA dentro do programa “Foreign Military Sales” (FMS), que conta com a estrutura diplomática e de financiamento do país para comercialização de produtos americanos”.
Segundo executivos da Embraer, citados pelo “Valor”, a área de produção de aviões militares não será vendida, mas o que se pretende é a criação de uma outra joint venture na área de Defesa para instalação da fábrica do cargueiro nos EUA. O KC-390 “made in USA” seria montado naquele país, a partir das mesmas peças que hoje integram o projeto do cargueiro produzido no Brasil.
O que se sabe é que a Embraer será controladora dessa empresa, com algo em torno de 51% do capital. Vale lembrar que as primeiras notícias sobre a joint venture da Embraer e Boeing também relatavam condições mais favoráveis aos brasileiros. Mas, o que se vê nos entendimentos entre os CEOs das empresas é a brasileira não possuirá qualquer poder de decisão, contentando-se apenas a uma participação de 20% nos lucros das vendas de jatos comerciais.
O KC-390, que está em fase de testes e certificação, é um cargueiro para apoio logístico em missões militares, para ser usado em transporte de cargas, abastecimento, remoção de feridos etc. As peças do KC-390 são fabricadas nas unidades da Embraer de Botucatu e Gavião Peixoto, onde fica também a linha de montagem.
Para desenvolver o projeto KC-390, a Embraer contou com apoio fundamental das Forças Armadas Brasileiras. O governo brasileiro investiu US$ 2 bilhões no projeto, além de se comprometer a comprar as primeiras 28 aeronaves cargueiras da Embraer.
Hoje existem cerca de 3,7 mil cargueiros em operação no mundo, com idade média de 35 anos e isso gera um potencial de mercado de 2 mil cargueiros nos próximos 20 anos, segundo o Valor. Ou seja, o produto da Embraer pretendia disputar esse mercado, mas com as negociatas em andamento quem vai abocanhar esse mercado não será o Brasil, mas sim a Boeing.
A pretensão de conclusão de todos esses processos é em 5 de dezembro, assinatura logo depois do segundo turno da eleição presidencial e a votação em assembleia de acionistas da brasileira em dezembro. Se os prazos forem cumpridos, para 2019, quando toma posse um novo governo no Brasil, restará apenas a apreciação do fato consumado. O governo brasileiro permanece com uma “golden share” da Embraer após a privatização, que lhe dá alguns poderes, como vetar ou não a venda ou associação e, ao que parece, não há qualquer pretensão de uso deste poder.