Laboratório é do primo do ex-secretário de Saúde conhecido como Doutor Luizinho, agora deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados.
A Polícia Federal (PF) vai investigar o caso de seis pacientes no Rio de Janeiro (RJ) que receberam transplante de órgãos contaminados com o vírus HIV. Além da PF, a Polícia Civil, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também investigam o caso.
Os pacientes estavam na fila do transplante da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ). Os órgãos infectados pelo HIV partiram de 2 doadores.
“Esta é uma situação sem precedentes. O serviço de transplantes no Estado do Rio de Janeiro sempre realizou um trabalho de excelência e, desde 2006, salvou as vidas de mais de 16 mil pessoas”, declarou a SES-RJ.
O Ministério da Saúde se manifestou nesta sexta-feira (11) sobre o caso dos pacientes que receberam órgãos contaminados com HIV de dois doadores. De acordo com o governo do estado, o erro ocorreu em dois exames realizados pelo PCS Lab Saleme.
Além de manifestar “irrestrito apoio aos pacientes e suas famílias”, o ministério afirmou que trata o caso com extrema seriedade e estabeleceu medidas imediatas para garantir a segurança e a integridade do sistema nacional de transplantes.
Entre as medidas adotadas, está a retestagem de todas as amostras de doadores de órgãos analisadas pelo Laboratório PCS Saleme, com o objetivo de identificar possíveis novos casos de contaminação. Além disso, as novas testagens voltarão a ser realizadas com exclusividade pelo Hemorio.
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) disse que a empresa teve o serviço suspenso após a ciência do caso e que, desde então, os exames sob responsabilidade do laboratório privado passaram a ser realizados pelo Hemorio. Isso aconteceu em setembro, faltando três meses do contrato de licitação terminar. Segundo o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, a Vigilância Sanitária interditou cautelarmente o laboratório no dia 8 de outubro.
Ainda de acordo com a secretaria, todas as amostras de sangue de doadores armazenadas desde o contrato de licitação de dezembro serão reavaliadas. “Uma comissão multidisciplinar foi criada para acolher os pacientes afetados e, imediatamente, foram tomadas medidas para garantir a segurança dos transplantados”, acrescentou a nota, que chamou a situação de “inadmissível” e “sem precedentes”.
COMO O CASO FOI DESCOBERTO
Em 10 de setembro o caso veio à tona, quando um paciente que havia passado por um transplante foi ao hospital com sintomas neurológicos e foi diagnosticado com HIV, embora não tivesse tido o vírus antes do procedimento. Esse paciente recebeu um transplante de coração no final de janeiro. Após esse caso, as autoridades revisaram todo o processo e identificaram dois exames realizados pelo PCS Lab Saleme.
A primeira coleta de amostras ocorreu em 23 de janeiro deste ano, quando foram doados rins, fígado, coração e córnea. De acordo com o laboratório, todos os testes realizados indicaram resultados negativos para HIV.
Sempre que ocorre uma doação de órgãos, uma amostra é armazenada para possíveis verificações. A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) realizou uma contraprova dessas amostras e confirmou a presença do vírus HIV.
Simultaneamente, a secretaria investigou os outros receptores de órgãos e confirmou que os pacientes que receberam um rim cada também testaram positivo para HIV. No entanto, o receptor da córnea, um tecido com menor vascularização, teve resultado negativo.
Já uma pessoa que recebeu o fígado faleceu pouco tempo depois do transplante, mas devido ao estado crítico de saúde que já apresentou, e sua morte não foi relacionada ao HIV.
Em 3 de outubro, outro paciente transplantado manifestou sintomas neurológicos e também foi diagnosticado com HIV, apesar de não ter o vírus antes da cirurgia. Ao cruzar as informações, as autoridades identificaram um outro exame com resultado errado, relacionado a uma doadora que fez a coleta em 25 de maio deste ano.
LABORATÓRIO DO PRIMO O EX-SECRETÁRIO DE SAÚDE
O laboratório PCS Lab Saleme, responsável pelo exame de sangue dos pacientes e dos doadores, também é investigado. O laboratório é do primo do ex-secretário de Saúde conhecido como Doutor Luizinho, agora deputado federal e líder do PP na Câmara dos Deputados.
Outro sócio do laboratório é Walter Vieira, casado com a tia de Luizinho. Os dois chegaram fazer campanha para Doutor Luizinho em eleições passadas.
O laboratório foi contratado três meses depois da saída de Doutor Luizinho da secretaria. A irmã dele, Débora Lúcia Teixeira, trabalha na Fundação Saúde, empresa pública do estado que assina o contrato com o laboratório.
O deputado foi secretário de Saúde de janeiro a setembro de 2023.
A empresa atuava com o governo a partir de uma licitação de R$ 11,4 milhões e tinha outros dois contratos de prestação que não passaram pelo trâmite. Os três contratos, assinados em 2023, somam mais de R$ 17,5 milhões.
Entre 2022 e 2024, o laboratório recebeu quase R$ 20 milhões em pagamentos, de acordo com dados do Portal da Transparência. Em 2022: R$ 296.895,46. Em 2023: R$ 3.261.726,89. Em 2024: R$ 16.114.183,89, totalizando: R$ 19,6 milhões.
Os primeiros pagamentos para análises laboratoriais em UPAs, como as de Bangu, Campo Grande e Realengo, ocorreram em agosto de 2022. Naquela época, não existia nenhum contrato formalizado. A empresa recebeu Da Fundação Saúde por meio de termos de ajuste de contas (TACs).
De acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o TAC é um instrumento utilizado para garantir a prestação de serviços pela administração pública mesmo sem contrato formal. Essa prática deve ser usada apenas em casos especiais e não pode se tornar comum. Porém, essa orientação foi ignorada pela Fundação Saúde, que já gastou mais de R$ 300 milhões dessa forma.
Após diversos pagamentos sem contrato, em 2023, a empresa passou a ser contratada formalmente, mas sem passar pelo processo de concorrência que é recomendado no setor público. Em fevereiro do ano passado, a Fundação Saúde firmou um contrato com a empresa por meio de dispensa de licitação.
Conforme a Secretaria Estadual de Saúde, o erro do laboratório que ocorreu na infecção de pacientes transplantados ocorreu em uma contratação realizada em dezembro de 2023, com um valor de R$ 11 milhões.
Essa foi a única ocasião em que houve um pregão eletrônico para selecionar uma empresa vencedora. No dia da assinatura do contrato, Doutor Luizinho já não ocupava mais a carga de secretário. O processo de contratação, no entanto, foi arrastado por mais de três anos, período durante o qual o deputado federal esteve à frente da secretaria por boa parte do tempo.
A escolha da empresa no contrato que verificou nenhum erro e na infecção de pacientes com HIV foi contestada. Uma das concorrentes alegou que o PCS não havia apresentado a documentação necessária para comprovar sua capacidade técnica.