Para presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em transportes Marítimos, “só quem vive da especulação é contra a reindustrialização”
Em entrevista exclusiva ao HP, Carlos Müller, presidente de uma das mais poderosas confederações de trabalhadores, a Conttmaf (Confederação Nacional dos Trabalhadores em transportes Marítimos, Aéreos e Fluviais), declarou que “o fortalecimento da indústria nacional gera um aumento no volume de mercadorias a serem transportadas, beneficiando diretamente nossa gente do mar” e que “o setor produtivo e a classe trabalhadora têm se unido em momentos decisivos para buscar o melhor para o Brasil, como ocorre agora na defesa da indústria naval”.
“A desnacionalização da indústria e dos meios de produção resulta em precarização das condições de trabalho”, afirma. Segue abaixo a íntegra da entrevista:
HP – Os marítimos estão dispostos a integrar uma frente Nacional pela reindustrialização do país com os empresários?
Carlos Müller – Com certeza, nossa atuação sindical tem um forte componente no diálogo social. O setor marítimo, em particular, destaca-se por ter a maior cobertura por acordos coletivos, conquistados após intensas negociações entre armadores e trabalhadores. Historicamente, o setor produtivo e a classe trabalhadora têm se unido em momentos decisivos para buscar o melhor para o Brasil, como ocorre agora na defesa da indústria naval.
A desnacionalização da indústria e dos meios de produção resulta em precarização das condições de trabalho e, possivelmente, na extinção do emprego formal. Para o setor produtivo, isso também representa perdas significativas. Por outro lado, o fortalecimento da indústria nacional gera um aumento no volume de mercadorias a serem transportadas, beneficiando diretamente nossa gente do mar, desde que lhe sejam asseguradas oportunidades de emprego na navegação de cabotagem.
Estamos sempre dispostos a trabalhar lado a lado com empresários que se comprometem a dialogar e construir consensos em torno de políticas e estratégias que promovam o bem-estar da sociedade brasileira. Nosso objetivo é um desenvolvimento econômico equilibrado e sustentável, capaz de gerar justiça social e prosperidade para todos.
HP – Quais seriam os objetivos principais dessa frente?
C.M – Acreditamos ser necessário que o Brasil deixe de ser um mero exportador de commodities e passe a agregar valor aos produtos exportados por meio de sua indústria nacional. Além disso, é preciso incentivar o consumo interno, o que pode ser alcançado com a elevação do poder de compra da população, o aumento do salário mínimo e a implementação de uma renda mínima.
Devemos considerar também as questões ambientais e as mudanças climáticas, assegurando que as indústrias brasileiras operem de forma sustentável. Essa sustentabilidade deve incluir, de maneira efetiva, tanto aspectos ambientais quanto sociais, promovendo um equilíbrio que beneficie o país como um todo.
HP – Na sua opinião, quem são os adversários da reindustrialização do Brasil e que setores seriam beneficiados pela política desta frente?
C.M – Há quem se oponha à reindustrialização porque se beneficia diretamente de um modelo econômico baseado no rentismo e no capital improdutivo, sustentado pela especulação. Além disso, há aqueles que defendem os interesses de grandes corporações ou de nações mais desenvolvidas, que não desejam enfrentar concorrência de países atualmente classificados como “em desenvolvimento”.
Promover a reindustrialização do Brasil, com investimentos em educação, estímulo à inovação e desenvolvimento científico, não só impulsiona a recuperação e expansão da base industrial, como também favorece a criação de uma economia mais diversificada, estável e inovadora. Isso traria benefícios amplos, tanto para os setores produtivos quanto para os trabalhadores, direta ou indiretamente, gerando ganhos para a sociedade como um todo.
HP – A Confederação dos marítimos e portuários tem levado uma luta ferrenha em defesa da indústria naval e pela presença de trabalhadores brasileiros os navios que circulam pelo nosso litoral. O senhor poderia me explicar melhor qual a importância desta luta?
C.M – Acreditamos que a soberania de nossa nação depende de uma Marinha Mercante forte e verdadeiramente nacional. Os Estados Unidos, por exemplo, embora amplamente reconhecidos como defensores do liberalismo econômico, mantêm a Jones Act, uma legislação centenária que protege suas empresas locais. Essa lei assegura mais de 650 mil empregos e gera 154 bilhões de dólares por ano em benefícios econômicos através da indústria marítima local. Ao exigir que o transporte de mercadorias ao longo da costa dos EUA seja realizado por navios construídos e reparados em estaleiros americanos, tripulados majoritariamente por marítimos nacionais, a lei protege a capacidade dos Estados Unidos de conduzir seu comércio e manter sua logística interna, sem serem atingidos por interesses estrangeiros.
No Brasil, dada sua extensão territorial e características geográficas, não é aconselhável entregarmos nosso transporte marítimo a armadores internacionais que já lucram substancialmente operando em nossas águas. As entidades sindicais marítimas defendem ajustes na legislação que recentemente alterou os parâmetros da cabotagem no Brasil, o programa BR do Mar, instituído pela Lei nº 14.301/2022.
Propomos que o ordenamento jurídico inclua, de forma clara e objetiva, a obrigatoriedade de que pelo menos 2/3 dos trabalhadores a bordo de navios que operem majoritariamente em águas brasileiras sejam marítimos nacionais, independentemente da bandeira da embarcação. Essa medida seria uma contrapartida justa às significativas vantagens oferecidas pelo Estado aos armadores, além de assegurar a segurança de nossa navegação.
Além disso, defendemos que seja exigido que os armadores possuam embarcações brasileiras para que possam afretar navios estrangeiros de porte equivalente. Isso fortaleceria a indústria naval nacional e garantiria maior controle sobre nossa infraestrutura marítima.
Observe que o dispositivo que previa a contratação de 2/3 de marítimos brasileiros foi vetado na lei pelo governo anterior, sob o argumento de que o custo dos trabalhadores nacionais seria elevado. No entanto, o que realmente onera os salários são os tributos impostos pelo próprio governo, uma vez que a remuneração de nossos marítimos não é maior do que a de trabalhadores de outras nacionalidades.
HP – Algumas centrais sindicais consideram as confederações um movimento de cúpula, autofágico, sem ligação com os trabalhadores. Qual sua opinião?
C.M – As confederações, baseadas no modelo unicista, historicamente refletiram os anseios dos sindicatos e federações de maneira eficaz. A pluralidade disfarçada que existe atualmente, por outro lado, pode ter desencadeado um movimento autofágico em algumas confederações nas últimas três décadas, uma vez que a fragmentação do ambiente sindical ocorreu após o surgimento das centrais sindicais. A Conttmaf não é filiada a qualquer central sindical, mas não se opõe a que entidades do seu plano de representação se filiem.
Longe de serem movimentos de cúpula ou autofágicos, as entidades máximas do sindicalismo previstas na Constituição Federal atuam como pontes entre os trabalhadores e as esferas política e econômica, assegurando que suas demandas sejam ouvidas e atendidas. Sua estrutura organizacional permite a articulação entre diversos setores e categorias profissionais, promovendo a unidade e a força coletiva necessárias para negociações mais eficazes.
Ademais, as confederações mantêm uma forte ligação com os trabalhadores por meio de suas bases sindicais. Dessa forma, elas não apenas os representam, mas também agem em consonância com seus anseios, organizando mobilizações, campanhas e negociações que refletem as demandas reais da classe trabalhadora. Essa conexão direta com as bases garante que as confederações permaneçam fiéis à sua missão principal: lutar por melhores condições de trabalho e por justiça social para todos os trabalhadores.
CARLOS PEREIRA