Governador, prefeito, ministro do TCU e especialistas defendem intervenção. Ministro de Minas e Energia empurra culpa exclusivamente sobre a Aneel e omite a responsabilidade do governo federal sobre o assunto
Mesmo com o país inteiro clamando pela intervenção na empresa italiana, Enel, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, descartou nesta quarta-feira (17) que o governo vá romper o contrato de concessão de energia com a Enel em São Paulo.
A discussão veio à tona após o apagão que atingiu 9 milhões de pessoas por mais de cinco dias. Segundo ele, a medida geraria ônus aos consumidores do estado.
“Todo mundo perguntando, não vai fazer caducidade? Alguém tem dúvida de que se esse fosse o caminho, uma possibilidade real, se pudesse ser feito sem quebra de contrato, sem judicialização, sem aumentar o ônus para o consumidor, o ministro já não teria feito?”, explicou o ministro em coletiva de imprensa. Lembrando que o apagão de agora já é o segundo do ano, causando prejuízos enormes para a população e para as empresas.
Todos os entes envolvidos, da prefeitura da capital ao governo do estado, passando pelo órgão de defesa do consumidor, o Ministério Público do Tribunal de Contas, as entidades de consumidores e os especialistas estão convencidos de que a empresa italiana, que envia sistematicamente seus lucros para o país sede, não está cumprindo suas obrigações contratuais. Se comprometeu, no último apagão, a contratar mais funcionários e não o fez. Contratou menos de 30% do que havia se comprometido.
Só o ministro Alexandre Silveira, que é responsável, em nome da União, pela concessão do serviço de distribuição de energia elétrica, não viu ainda irregularidades nos serviços da Enel. Ele jogou a responsabilidade para a Aneel, agência reguladora, que, como as demais agências reguladoras, criadas na era FHC, está capturada pelas empresas concessionárias e muito pouco faz em defesa dos interesses da sociedade.
“Eu defendo que a Aneel abra um processo rápido, célere, objetivo para apurar se ela descumpriu índices regulatórios, e o TCU disse que ela não descumpriu em 2023, mas se ela descumpriu, que se instaure um processo e apresente as possibilidades para o poder concedente. Quais são as possibilidades? Passagem de controle, intervenção e caducidade”, afirmou Silveira. Não há nenhum brasileiro, principalmente os moradores de São Paulo, que ache que a Enel está cumprindo o contrato de prestação de serviço.
O presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Energia, Água e Meio Ambiente (Fenatema) e do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, Eduardo Annunciato, o Chicão, falou sobre o apagão de São Paulo e denunciou que ele é resultado do sucateamento da distribuição energética no estado, desde a privatização da Eletropaulo.
De acordo com Chicão, desde a privatização não se investiu em quadro mínimo de pessoal, o que reduziu drasticamente a qualidade dos serviços. “Na época, a gente falou que deveria haver o quadro mínimo funcional, mas eles deixaram para o mercado decidir como tocaria a empresa em relação às pessoas. Esse foi um gargalo, um problema muito sério porque o capital especulativo quando entra, ele quer lucro”, completou.
O processo de privatização dos serviços de energia, realizado na década de 1990, prometia redução de tarifas e melhoria dos serviços. Trinta anos depois, ocorreu exatamente o inverso. O Brasil tem hoje tarifas que estão entre as maiores do mundo e o serviço, como é constatado por todos, é de péssima qualidade. Diversos países europeus, entre eles, a Alemanha, após décadas de privatização desses serviços, não renovaram as concessões e encamparam as empresas novamente por conta da piora dos serviços.
O contrato de concessão foi firmado em outubro de 1998, com prazo de 30 anos. O documento prevê uma prorrogação por mais 30 anos, que deve ser decidida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em caso de solicitação da empresa. Apesar de Alexandre Silveira ter negado que o governo esteja negociando uma renovação com a concessionária, há alguns meses ele anunciou que a meta do governo era renovar todas as concessões, inclusive a da Enel. “A Enel está sob a égide de um contrato, que absurdamente expurga do seu índice de medição de qualidade de serviços eventos climáticos severos, porque quando o contrato foi estabelecido em 1998 esses eventos não eram habituais”, disse Silveira.
Esse tipo de contrato, lesivo à sociedade, e a paralisia do governo federal em tomar medidas punitivas contra o descaso da Enel, permite que o presidente da empresa italiana no Brasil, Guilherme Lencastre, zombe da população afirmando, como ele fez esta semana, que nos contratos de concessão não estão previstos desastres climáticos. É como se a culpa fosse sempre de São Pedro. Esse tipo de contrato é o que permite ao dono da Enel, reduzir pessoal e não investir em melhoria de seus equipamentos e nem em manutenção preventiva.
Na terça-feira (15), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) se reuniu com o ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), e com prefeitos da Grande São Paulo e na reunião pediu a intervenção do governo federal na concessionária. Além disso, o governador também solicitou que as contas da empresa sejam abertas para fiscalização do poder público. Nardes afirmou que há elementos para justificar uma intervenção, mas que essa decisão cabe ao Ministério de Minas e Energia.
“A intervenção cabe ao governo federal decidir, mas o tribunal pode encaminhar neste sentido, pelo que estou sentindo o clima. Não há mais clima para a empresa permanecer, mas isso não significa que o governo federal vai aceitar. No caso aqui não está havendo eficiência, não está havendo eficácia. A empresa perdeu a credibilidade por falta de governança. Eu questionei a empresa hoje se tinha regras de governança e avaliação de risco. Senti que houve dúvidas nas colocações para mim. Se uma empresa desse porte não tem a governança estabelecida, significa que não está cumprindo seu dever”, disse o ministro.