Afinal, o investimento gerado pelas estatais, na opinião do chamado mercado, “fragiliza o arcabouço fiscal”
De janeiro a agosto de 2024, o saldo negativo acumulado das empresas estatais federais – excluídos a Caixa, o BNDES e a Petrobrás – atingiu R$ 3,3 bilhões. Esse saldo se deveu aos investimentos levados a cabo pelas empresas. Elas devem fechar o ano de 2024 com déficit de R$ 3,7 bilhões.
A notícia, destacada por setores da mídia e agentes do mercado financeiro como o “maior rombo dos últimos 15 anos”, faz parte da orquestração contra os investimentos públicos e em defesa dos cortes nos gastos do governo. Afinal, o investimento gerado pelas estatais, na opinião do chamado mercado, “fragiliza o arcabouço fiscal”. É necessário, segundo o mundo da finança, uma “política rigorosa de corte de despesas públicas”.
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, repeliu o estardalhaço da mídia e afirmou que o papel das estatais é “gerar qualidade de vida à população”. Segundo ele, R$ 3 bilhões de déficit não é prejuízo”, não é uma uma quantia exorbitante assim, quando comparada aos R$ 855 bilhões de juros da dívida que o governo paga a bancos e demais rentistas encastelados na “Faria Lima”.
“Déficit não é prejuízo. Déficit é quando você gasta mais do que recebe de receita só que várias estatais recebem aporte do governo para fazer investimentos”, disse o economista. “Empresa estatal existe para oferecer para a população um serviço ou até um produto que a população precisa para poder ter qualidade de vida. Não pode maximizar o lucro em vez de maximizar a dignidade das pessoas, e a oferta de serviço público à população faz isso”.
Eduardo Moreira cita, como exemplo, os serviços de água e esgoto e de energia elétrica, que são recursos necessários para garantir a qualidade de vida da população e por isso “muitos países de primeiro mundo estão reestatizando esses serviços” para garantir a qualidade.
O professor de Economia da UnB, José Luis Oreiro, também criticou o “escândalo” criado por parte da imprensa em relação ao déficit de R$ 3,5 bilhões das estatais dependentes do Tesouro entre janeiro e agosto de 2024. “Isso é nada comparado aos R$ 855 bilhões de juros da dívida pública pagos em 12 meses até agosto. No Brasil, o rabo balança o cachorro. Haja picaretagem”, apontou o economista da UnB.
Já o jornalista Luis Nassif afirma em artigo intitulado O terrorismo do Tesouro com as estatais que “A Secretaria do Tesouro Nacional usou um truque engenhoso para apontar prejuízos das estatais”.
“Retirou da conta todas as estatais que vendem serviços ao público. E deixou apenas aqueles que fornecem serviços ao Estado. Tirou os bancos, por serem instituições financeiras, e a Petrobras, por ter governança”, diz Nassif.
“Teria sido mais honesto dizer que tirou todas as que dão lucros e deixou apenas as que prestam serviços”. De acordo com Nassif, “se incluir todas as estatais, o governo recebeu R$ 51,5 bilhões em dividendos no acumulado de 12 meses até agosto de 2024”.
Apresentaram déficits as seguintes estatais (R$ bilhões):
Correios (logística) -R$1,5;
Emgepron (construção naval) -R$ 0,7;
Dataprev (tecnologia da informação) -R$ 0,4;
Serpro (tecnologia da informação) -R$ 0,4;
Hemobrás (farmacêutica) -R$ 0,2;
Infraero (aviação) -R$ 0,2;
ENBPar (energia) R$ 0,4.
Vamos entender o papel de cada uma delas, como destacou Luis Nassif em seu artigo:
A Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais) é uma estatal vinculada ao Ministério da Defesa e atua principalmente no apoio ao desenvolvimento e à gestão de projetos estratégicos da Marinha do Brasil. Sua função principal é fornecer suporte em áreas como construção naval, modernização de embarcações e gerenciamento de projetos navais, além de contribuir para a indústria de defesa nacional. Além de atender às demandas da Marinha, a Emgepron também oferece serviços e produtos para o mercado civil e internacional, o que contribui para a geração de receita. Ela representa um custo, não um prejuízo.
A Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) é uma estatal vinculada ao Ministério da Previdência Social que fornece soluções tecnológicas para a administração pública. A empresa tem um papel essencial na gestão de dados previdenciários e sociais e no suporte à implementação de políticas públicas voltadas para o cidadão. A Dataprev teve papel central na implementação do Auxílio Emergencial durante a pandemia da Covid-19, processando milhões de pedidos e integrando dados de diferentes bases governamentais para evitar fraudes.
O Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) é uma estatal brasileira vinculada ao Ministério da Fazenda, e sua principal função é fornecer soluções de tecnologia da informação e serviços de processamento de dados para órgãos e entidades da administração pública.
A Hemobras (Hemobras – Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia) é uma estatal brasileira vinculada ao Ministério da Saúde. Sua principal função é a produção e distribuição de hemoderivados, que são medicamentos derivados do sangue, essenciais para o tratamento de diversas condições de saúde.
A ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional) é uma estatal brasileira criada em 2021 com a função de administrar e coordenar ativos estratégicos do setor energético, com foco em energia nuclear e projetos binacionais, especialmente a Itaipu Binacional. Sua criação ocorreu como parte da reestruturação do setor energético, com o desmembramento de algumas atividades que eram geridas pela Eletrobras, após a privatização parcial desta empresa.
Sobre o “rombo”, o Ministério da Gestão e Inovação afirmou que parte do déficit primário registrado pelas estatais em 2024 deve-se ao aumento de investimentos pelas empresas públicas. De acordo com o ministério, essas estatais não dependem de recursos do Tesouro para despesas de custeio, como salários e contas.
Em resposta à propaganda contra as estatais, a Dataprev afirmou, em nota, que não teve prejuízo no período acumulado de 2024 e sim obteve um lucro de R$ 384,9 milhões de janeiro a setembro deste ano. Já a Dataprev comunicou que o déficit de R$ 323 milhões, “decorre do maior volume de saídas de caixa acumuladas no período de janeiro a julho de 2024”; e que diz que a empresa responsável por maior base de dados sociais do país não recebe “repasses do Tesouro” e “não gasta mais do que fatura”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por sua vez, usa o noticiário pare defender os seus cortes nos investimentos do governo. Ele disse que “tirar as estatais do arcabouço fiscal, não há hipótese disso acontecer. Não há hipótese. O que existe é que algumas estatais dependentes podem deixar de ser dependentes em um curto espaço de tempo. Então nós estamos explorando a possibilidade de reduzir o aporte federal para essas estatais que têm condição de se emancipar, por assim dizer, do orçamento federal”.