A Procuradoria-Geral da República (PGR) foi contra o pedido feito por José Dirceu para ter suas condenações na Lava Jato anuladas, mas o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou mesmo assim. O órgão está avaliando entrar com um recurso contra a decisão.
A anulação é, na verdade, uma extensão da decisão que anulou a condenação do presidente Lula. A PGR apontou que o processo no qual Dirceu foi condenado por Sérgio Moro não é o mesmo que levou à condenação de Lula.
“As partes e os fundamentos fáticos são visivelmente distintos”, argumentou.
“Não tem sido outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu a improcedência de pedidos de extensão relativos às questões de ordem estritamente pessoal que aproveitaram ao jurisdicionado Luiz Inácio Lula da Silva”, alegou.
“É quanto basta para que se aplique aqui o magistério jurisprudencial de que, não havendo adstringência estrita entre o caso contrastado e o pedido de extensão, este último é descabido e deve ser indeferido”, continuou o órgão em documento enviado para o STF em abril.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Paulo Gonet, procurador-geral da República, está estudando entrar com um recurso contra a decisão de Gilmar Mendes. Neste caso, a decisão será julgada pela Segunda Turma do STF.
Questionado, o ministro Gilmar Mendes defendeu seu direito de “decidir contra os pareceres da Procuradoria”.
“A Procuradoria foi ouvida no que diz respeito à questão do cabimento ou não do pedido de extensão do habeas corpus na questão do presidente Lula sobre a suspensão das ações do [ex-juiz Sérgio] Moro. Ela entendeu que não. É uma possibilidade e um direito da Procuradoria, assim como é um direito nosso decidir contra os pareceres da Procuradoria, apesar das relações muito afáveis, cordiais e fraterna que temos com o atual procurador-geral”, falou Mendes.
Em sua decisão, Gilmar Mendes alegou que Dirceu não teve direito “a um julgamento justo e imparcial” e que a acusação contra o ex-ministro “era um ensaio da denúncia que seria oferecida” contra Lula.
Com a anulação das condenações, José Dirceu deixa de ser “ficha suja” e inelegível.
Segundo matéria do UOL, a nova decisão de Gilmar Mendes está na contramão do que ele mesmo achava anos atrás.
O próprio ministro Gilmar Mendes afirmou, em sentença de 2012 relacionada ao caso do “mensalão”, que José Dirceu “tinha a responsabilidade de coordenação” na compra de votos no Congresso Nacional.
Segundo ele, havia um “entrelace” entre os projetos de governo e partidários praticados por José Dirceu.
“Havia um entrelace entre projetos partidários e de governo, e José Dirceu tinha a responsabilidade de coordenação”, afirmou em plenário.
“Evidentemente que não é ilícito ao ministro-chefe da Casa Civil realizar reuniões, em caráter reservado, ou receber empresários e dirigentes de instituições financeiras. A ilicitude advém do contexto em que os fatos se entrelaçam, na medida em que o chefe da Casa Civil se reúne exatamente com os dirigentes das instituições financeiras que advogam interesses privados alheios a sua competência e que concedem, inclusive com coincidência temporal, os malsinados empréstimos utilizados para irrigar, ao que tudo indica, a corrupção de parlamentares”, argumentou.
Em 2016, quando a então presidente Dilma concedeu indulto para Dirceu em sua condenação pelo chamado “mensalão”, Gilmar Mendes criticou o ministro Luís Roberto Barroso, que assinou a execução do ato, ainda que ele fosse obrigado.
Mendes e Barroso, no ano de 2017, discutiram em uma sessão do Plenário do STF por conta das diversas decisões do primeiro de soltar criminosos investigados pela Lava Jato.
“Nós prendemos, tem gente que solta”, falou Barroso. Gilmar Mendes então acusou Barroso de ter soltado José Dirceu.
Barroso respondeu: “Não transfira para mim essa parceria que Vossa Excelência tem com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”.
“Vossa Excelência vai mudando a jurisprudência de acordo com o réu. Isso não é Estado de Direito, isso é Estado de compadrio. Juiz não pode ter correligionário”, acrescentou.
Ainda em 2016, no governo Dilma Rousseff, Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil e apontou que houve tentativa de fraudar as ações da Lava Jato. “O objetivo da falsidade é claro: impedir o cumprimento de ordem de prisão de juiz de primeira instância. Uma espécie de salvo conduto emitida pela Presidente da República”, escreveu.
A Lava Jato gravou uma conversa de Dilma com Lula na qual trataram do tema. Gilmar Mendes chegou a dizer que aquilo seria “crime de responsabilidade”, que poderia levar ao impeachment da então presidente.
“Se houver avaliação de que se trata de medida para descredenciar a Justiça, obstrução de Justiça certamente está nos tipos de crime de responsabilidade. Pode ter outros dispositivos aplicáveis da legislação penal”, afirmou.
Agora, na decisão que beneficiou José Dirceu, Gilmar Mendes alega que “os membros da força-tarefa da Lava Jato se especializaram na utilização de estratégias midiáticas, baseadas na espetacularização do processo penal, para influenciar a opinião pública contra os investigados e seus defensores”.
Também acusa Sérgio Moro de tentar enfraquecer o PT com suas decisões. “Nestes autos, a defesa de José Dirceu alega que, assim como ocorreu com o paciente, sua investigação, prisão e condenação decorreram de uma estratégia concebida, organizada e executada pela força-tarefa da Lava Jato e pelo ex-Juiz Sérgio Moro para debilitar o partido político criado, em 1980, pelo requerente e pelo atual Presidente da República. Os argumentos da defesa são consistentes”, escreveu Mendes.
E ainda criticou a Lava Jato por vazamentos. “As iniciativas exóticas por ele (Moro) tomadas nesses processos, ao monitorar advogados, vazar ilegalmente conversas telefônicas, divulgar documentos sigilosos na véspera da eleição e atuar proativamente para manter o paciente preso em meio às eleições de 2018, somente se explicam pelo desejo de impulsionar movimentos sociais e forças de oposição ao partido político liderado pelo paciente – forças estas a que ele mesmo, em seguida, viria a aderir, quando aceitou o convite para integrar o governo de Jair Bolsonaro“, escreveu Mendes.
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