Por sua vez, Kamala/Biden sustentam e armam fascistas em Kiev e genocidas em Israel
Uma eleição que é um sinal dos tempos de ordem unipolar em desmanche, no coração do Império. Na última semana antes do desfecho, apertado desfecho segundo as pesquisas, a América vagueia em seu labirinto, com o comício de Trump no Madison Square Garden tendo como cereja do bolo o insulto aos portorriquenhos de que são “lixo”. Para logo em seguida Biden também chamar de “lixo” aos apoiadores do biliardário.
Os States estão ameaçados pelo “fascismo”, todos proclamam, como pode ser percebido quase cada vez que Trump abre a boca para falar sobre os imigrantes – ou sobre os “inimigos internos”.
Ou quando Kamala/Biden sustentam e armam os fascistas em Kiev e em Israel, e se acumpliciam no genocídio dos palestinos vendo na barbaridade um suposto exercício do “direito de defesa”.
Mas segundo Trump, o problema dos EUA são os imigrantes e ele até já propôs expulsar 11 milhões de ilegais caso seja eleito.
Não, não foram as guerras sem fim, não foi a desindustrialização autoimposta para acelerar o cassino global, a metástase do rentismo, não foi o retorno dos EUA à aberrante desigualdade que existia antes do crash de 1929 e segue desembestada desde o crash de 2008 e da recente epidemia o que explica a crise atual dos EUA.
Não. O problema são os imigrantes de genes defeituosos, a falta de muro na fronteira sul, os imigrantes que ‘roubam e comem pets’, que estupram e matam white anglo saxon americans, que foram despejados de penitenciárias e hospícios. Esse o nível do delírio.
Nessa última semana, a campanha assumiu contornos ainda mais grotescos. Trump se fantasiou de fritador de hamburgers em um McDonalds para supostamente ridicularizar a história de Kamala de que teria trabalhado em uma lanchonete da rede quando jovem.
Também se fez filmar no volante de um caminhão de lixo, para dizer que era sua turma que estava sendo vítima do maldizer democrata. Logo ele, famoso por falar dos “países buracos de merda” africanos e latino-americanos.
DEMOCRACIA DE FANCARIA
Esta eleição também está servindo para mostrar a essência da suposta “maior democracia do mundo”, com Kamala alcançando o recorde de captação de dinheiro para a campanha de US$ 1 bilhão, enquanto Trump é ladeado pelo homem mais rico do planeta, que despeja US$ 1 milhão por dia até a eleição na compra de votos.
A “melhor democracia que o dinheiro pode comprar”, alguém já disse. Deputados democratas ficaram sem legenda por repudiarem o genocídio em Gaza, afogados nas primárias pela grana dos arautos da solução final para os palestinos e do espaço vital na Terra Santa.
A Suprema Corte decretou, faz tempo, que o despejo de dinheiro nas campanhas pelos magnatas, ou seja, a compra de votos, faz parte de sua “liberdade de expressão”.
SEM JUSTIÇA ELEITORAL
Um país onde não há uma justiça eleitoral digna desse nome e na qual cada condado, cada biboca, produz sua própria cédula, e quem supervisiona é o partido no poder naquela instância. Garantia de imparcialidade, como visto na mãozinha do irmão Jeb, governador da Flórida, para o mano W. Bush, nos anos 2000.
Eleição em dia útil, na terça-feira. Assombrosamente, somos informados de que caixas de coleta de votos pelo correio, que estavam ao léu em vias públicas, foram incendiadas nesta semana. Imagine-se uma seção eleitoral no Brasil semelhante a isso…
A cada eleição, o cidadão norte-americano precisa se registrar para votar. Nas eleições intermediárias, a abstenção chega a 70%.
Em vigor o sistema de Colégio Eleitoral, excrescência criada no século XVIII para dar uma forcinha aos Estados escravagistas. O voto era censitário, mulher não votava, mas no cálculo do coeficiente do Estado os escravos – que sequer eram considerados seres humanos – eram levados em conta, aumentando, portanto, o peso político dos escravagistas.
FREGUESES NO VOTO POPULAR
Na eleição que venceu a Hillary, Trump ficou atrás dela três milhões de votos. De Biden, ficou 7 milhões de votos atrás. Assim, talvez um dos acontecimentos mais surpreendentes deste ciclo eleitoral seja o quase empate entre Kamala-Trump registrado pelas pesquisas de opinião.
É que, desde o governo Clinton, com exceção da eleição de 2004, no auge da embriaguez com a invasão do Iraque, os republicanos são fregueses no voto popular – e muito fregueses.
Em sua campanha, Kamala jura que a Bidenomics foi um sucesso, e que vai tudo bem, enquanto Trump pergunta ao eleitor se ele acha que está melhor do que estava em 2020, reclama da inflação, especialmente a que atinge os alimentos e o aluguel. Logo ele, o especulador imobiliário.
De certo mesmo, Trump promete mais corte de impostos para ricos e de gastos sociais para o zé povinho, aliado à intensificação da guerra econômica à China, com promessa de sobretarifas que acabarão caindo no lombo de quem mandou dar, como cipó de aroeira.
OS SEM-TETO
Sobre a situação do país, um comentarista europeu recentemente se apercebeu do quanto a descomunal presença de tendas de sem tetos e carros-dormitório no país mais rico do mundo faz lembrar a Grande Depressão.
O recorde por mortes por overdose. A infraestrutura em frangalhos. A primeira geração em que os filhos se vêem diante de uma perspectiva pior do que a dos seus pais. O endividamento recorde no cartão de crédito e no crédito estudantil, outra face do salário mínimo congelado desde Obama e da ubereconomia.
Em superposição, como diriam os físicos, à iminência dos primeiros trilionários do planeta, ao quatrilhão de dólares da alavancagem nos papeis podres, espalhados por toda a parte. E à “doença americana”, o frenesi de morte que não poupa crianças ou mulheres, nem escolas ou igrejas, sem empatia, sem olho no olho, sob uma profusão de armas mais fáceis de obter do que uma latinha de cerveja. E aos ataques aos direitos civis e aos das mulheres, à crise ambiental e à reiteração da xenofobia e do racismo.
GUERRAS SEM FIM
Enquanto os BRICS acendem uma vela à esperança de um mundo mais fraterno, mais desenvolvido e mais justo, como vislumbrado na cúpula de Kazan, pelo lado dos EUA, em sua tentativa de parar a roda da História sob Biden – e Kamala não tem qualquer perspectiva de ser diferente – o império se lançou à guerra em três frentes, duas já quentes, na Ucrânia e Gaza, e outra no Estreito do Mar do Sul da China.
Trump tem dito que Kamala levará o planeta à III Guerra Mundial, mas em seu primeiro mandato, foi seu governo que, como os anteriores, destroçou os tratados estratégicos de segurança com Moscou, rasgou os acordos com o Irã e colocou o mundo de volta ao confronto. Mas promete encerrar a guerra da Ucrânia antes mesmo da posse e até teria segundo relatos aconselhado Israel a parar o genocídio, cuja exposição nas redes está causando um dano estrutural a Israel diante do mundo. Para os russos, seja quem for o inquilino da Casa Branca, a maquinação do Estado Profundo segue no fundamental inalterada.
ESTADOS PÊNDULO
Em última instância, serão nos assim chamados “Estados pêndulo” – que, a cada eleição, oscilam entre o voto democrata e o voto republicano – que a eleição será decidida, por alguns milhares de votos de diferença aqui e ali. Na eleição passada, foi aquele vexame do Trump pedindo a um cupincha “me arranje 11 mil votos” para fraudar a eleição. De novo: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin.
O ESPECTRO DA CHINA
Enquanto os neocons democratas acham que, para deter a China, primeiro é preciso arriar e pilhar a Rússia, seus equivalentes trumpistas acham que não dá mais tempo e tem que partir para cima da China agora.
Quanto a isso, em uma célebre carta a Trump quando este era presidente, agoniado com a ascensão da China, o agora centenário presidente Jimmy Carter explicou a autoproduzida desgraça que atingiu os EUA. Fora ele que, há 40 anos, normalizara as relações com Pequim.
“Desde 1979 [ano da normalização], sabe quantas vezes a China esteve em guerra com alguém? Nenhuma. E nós ficamos em guerra”, disse ele.
Carter afirmou que os EUA são “a nação que mais guerreia da história do mundo” devido ao desejo de impor valores americanos a outros países, enquanto a China priorizou investir seus recursos em projetos como ferrovias de alta velocidade em vez de gastos de defesa.
“Nós desperdiçamos, eu acho, US$ 3 trilhões”, disse Carter, referindo-se aos gastos militares americanos só no Iraque e Afeganistão. “A China não desperdiçou um único centavo com a guerra, e é por isso que eles estão à nossa frente. Em quase todos os aspectos”.
“E eu acho que a diferença é que se você pegar US$ 3 trilhões e colocá-los na infra-estrutura americana, você provavelmente terá US $ 2 trilhões sobrando. Teríamos ferrovia de alta velocidade. Teríamos pontes que não estão em colapso. Teríamos estradas mantidas de forma adequada. Nosso sistema educacional seria tão bom quanto o da Coréia do Sul ou de Hong Kong”.