O sistema de duas escalas de preços, aplicado na URSS entre os anos 30 e 65, permitiu a substituição da apropriação privada dos bens produzidos socialmente pela apropriação coletiva. Em outras palavras, iniciou a substituição histórica da produção de “valores de troca” pela produção de “valores de uso”
A trajetória de nossa espécie – a espécie humana – sobre a Terra é uma acidentada aventura de milhares, dezenas de milhares de anos, talvez mais ainda, se incluirmos os neandertais, denisovanos e outros antecessores ou primos do homo sapiens, desde os tempos remotos dos australopitecos.
A partir destas épocas, em que descemos das árvores, a realidade dos seres humanos é o desenvolvimento de forças produtivas para dominar e transformar a natureza. Mas nós não desenvolvemos forças produtivas individualmente. Este desenvolvimento é sempre social, sempre coletivo. Em outras palavras, para desenvolver forças produtivas, os seres humanos necessitam estabelecer relações entre si – e são essas relações que chamamos de relações sociais de produção.
O conjunto das relações de produção e das forças produtivas constitui um determinado modo de produção. Embora a conhecida progressão dos modos de produção (comunismo primitivo, escravagismo, feudalismo, capitalismo, socialismo/comunismo) tenha como base a Europa Ocidental, podemos estabelecê-la, teoricamente, como um caso mais ou menos geral.
Neste sentido, a passagem de um para outro modo de produção, sempre foi uma passagem revolucionária. No entanto, apesar disso, sempre foi a passagem de uma exploração de classe para outra exploração de classe – ou, mais exato, de uma exploração de classe para a exploração de outra classe.
O caso mais evidente é o da Revolução Burguesa, que deslocou o poder dos senhores feudais e instalou o poder dos burgueses sobre o proletariado.
Mas isso não é verdadeiro na última transição, aquela para o socialismo – que Marx denominou, em Crítica ao Programa de Gotha, “primeira fase do comunismo”. O proletariado, ao contrário das outras classes, é chamado a libertar toda a humanidade – e, portanto, a revolução proletária inicia a transição para a sociedade sem classes, vale dizer, sem exploradores, em que a essência humana prevalece sobre qualquer opressão.
Na História da Humanidade, esse período foi iniciado com a Revolução Russa, em 1917. Neste dia 7 de novembro, este grande acontecimento está fazendo 107 anos. Hoje, depois do que ocorreu na Rússia no início dos anos 90 do século passado, existe quem subestime a Revolução Russa. No entanto, foi ela que abriu o caminho para a espécie humana, em um momento no qual ela parecia, no meio da I Guerra Mundial, chegar próxima da aniquilação. E apenas lembraremos que foram os soviéticos que nos salvaram da segunda tentativa de aniquilação, durante a II Guerra Mundial.
A construção do socialismo na URSS foi, portanto, em termos civilizatórios, a tentativa de colocar a humanidade em outro – e muito superior – patamar. Tentativa, diga-se de passagem, bem sucedida – a derrocada posterior da URSS não foi devida a essa construção, mas, exatamente, aos ataques (inclusive internos) que essa construção sofreu. Aliás, é inútil atribuir a destruição do socialismo na URSS à sua construção – não passaria de um doloroso paradoxo.
O texto que apresentamos nesta página, de autoria de Sérgio Cruz, é sobre essa construção, iniciada em 1917. Ele faz justiça à odisseia que foi a edificação econômica do país dos sovietes e coloca algumas questões essenciais sobre a ação daqueles homens, em particular de seus líderes.
É trabalho para ser lido, estudado e discutido. Sobretudo depois da década de 90 do século XX, precisamos estudar e pesar a experiência passada. Agora, ficou mais difícil nos vender gato por lebre!
Se o capitalismo levou 300 ou 400 anos tentando se firmar frente ao feudalismo, com inúmeros fracassos, o socialismo está com muita vantagem. Afinal, sua primeira experiência começou na segunda década do século XX, apenas há 107 anos, e até hoje essa flamejante incandescência é a luz que ilumina o caminho das outras veredas que correm no mesmo sentido.
É isso o que podemos concluir do texto de Sérgio Cruz.
C.L.
A Revolução de 1917 e a construção do sistema socialista
SÉRGIO CRUZ (*)
A Humanidade vivenciou grandes epopeias ao longo de sua história, e elas se intensificaram no final do século XIX. Os conflitos criados pela exacerbação da ganância do capital em expansão entraram pelo século XX adentro e o mundo assistiu períodos de grandes turbulências sociais. Desde a crise econômica geral de 1873 e a grande depressão que se seguiu, o capitalismo, já em sua fase imperialista, passou a intensificar a exploração dos trabalhadores e dos povos e a dividir o mundo em áreas de dominação.
O controle do planeta pelos monopólios ingleses, que já se impunham na Ásia, Europa e América Latina, ampliou-se na “Conferência de Berlim”, de 1884/85, estendendo seu domínio para o continente africano.
A África foi divida em várias partes que foram “distribuídas” entre as principais potências. Fronteiras artificiais foram criadas rasgando o continente para que suas riquezas fossem extraídas pelas participantes do conluio, principalmente Inglaterra e França. A anfitriã, Alemanha, saiu derrotada da conferência e planejou a vingança num futuro próximo, a guerra de 1914.
Lenin foi o primeiro a caracterizar a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, como um conflito interimperialista, ou seja, uma disputa intensa e violenta pela redivisão do mundo entre os poderosos. De um lado perfilou-se a Alemanha, que se considerou “prejudicada” no butim de 1884, e de outro a Entente, formada pela hegemônica Inglaterra, apoiada pela França, a Rússia e mais tarde os EUA.
GUERRA INTERIMPERIALISTA
A Alemanha foi derrotada na guerra e a Rússia acabou se separando da “Entente”, fruto da revolução russa de 7 de novembro de 1917 (pelo calendário ocidental), liderada por Vladimir Lenin. Era a primeira revolução socialista vitoriosa no mundo. O partido bolchevique, diferente da velha social-democracia, viu na grave crise do imperialismo e na guerra a brecha para a vitória da revolução.
Lenin se firmou como o grande líder do proletariado mundial ao derrotar a agressão das potências imperialistas que, aliadas à reação interna, tentaram esmagar a revolução. Os bolcheviques criaram e consolidaram a primeira pátria socialista da história. Nascia ali, sob o comando de Lenin, o primeiro Estado do proletariado. Era uma nova era que se abria para a Humanidade.
O dirigente maior dos bolcheviques morreu em 1924. Seu legado foi incalculável. Resolveu questões teóricas da maior importância. Soube conduzir o país nos primeiros e difíceis anos da revolução e de uma guerra civil feroz e implacável. Fez todos os movimentos táticos necessários para a vitória contra os inimigos internos e externos, iniciou a socialização dos meios de produção e definiu os rumos para a futura coletivização do campo.
CONSOLIDAÇÃO DO SOCIALISMO
Coube a Josef Stalin completar a tarefa iniciada por Lenin, de industrializar o país, desenvolver uma agricultura pujante e coletiva e avançar na socialização dos meios de produção. Historicamente, Stalin teve pouco tempo para criar uma indústria forte o suficiente para enfrentar a “vingança” do imperialismo, que certamente viria. E ela veio em 1941 com a invasão traiçoeira da URSS pelo fascismo alemão, armado até os dentes e financiado pelos monopólios imperialistas.
O “discípulo de Lenin”, como Stalin gostava de ser chamado, enterrou a maior e mais poderosa máquina de guerra já criada em toda a história humana. O nazifascismo comeu o pó da derrota nas terras do socialismo.
Liderado por Stalin, o partido comandou todo esse processo de consolidação do socialismo na URSS e de derrota do nazifascismo. Mas, para a ex-integrante do PCUS, a engenheira Tatiana Khabarova, teórica marxista russa, mais importante do que a grande façanha já descrita de Stalin e dos bolcheviques foi o fato dele ter conseguido resolver uma questão fundamental para o marxismo, que ainda não havia sido enfrentada na prática pelos revolucionários que o antecederam. A criação efetiva do “sistema econômico do socialismo”.
Ou seja, segundo Tatiana, Stalin conseguiu o feito de descobrir o mecanismo econômico através do qual os novos donos dos meios de produção obteriam a renda criada por eles após a vitória da revolução socialista. A autora chama a atenção para o fato de que essa conquista, da maior importância para a ciência marxista e para o futuro do socialismo, até hoje é bastante subestimada pelos marxistas de todo o mundo. Foram 35 anos em que se viveu a experiência concreta e exitosa do modelo econômico do socialismo e que precisa ser mais estudada.
Ela insiste: “não era a finalidade maior dos revolucionários apenas a conquista da propriedade dos meios de produção em si”. Em sua opinião, os meios de produção por si só não têm qualquer interesse. No entanto, diz ela, “a parte do leão do rendimento criado na produção social pertence a quem os detém”. Em suma, não basta socializar os meios de produção. Há que extrair deles a renda social e conseguir entregá-la a seus novos donos, o proletariado. O socialismo é mais do que a propriedade estatal dos meios de produção.
NOVOS DONOS DOS MEIOS DE PRODUÇÃO
O esforço por se apoderar dos meios de produção tinha como objetivo desenvolver as forças produtivas, criar a renda social e distribuí-la para o proletariado e seus aliados. Era um meio para se atingir um fim. “A forma, ou a maneira pela qual a renda é consolidada no processo de produção e extraída dele é o que vai determinar como ela vai parar nas mãos dos proprietários dos meios de produção”, prossegue Tatiana. Desvendar esse caminho era decisivo para o sucesso do socialismo.
Esta questão tinha sido abordada teoricamente pelos criadores do marxismo, mas ainda não havia sido resolvida do ponto de vista prático. Ou seja, era um caminho que ainda não tinha sido colocado em prática acertadamente. Afinal, onde estaria contida a renda nesta nova relação de produção, na qual o proletariado é o novo dono dos meios de produção? Ela não estava na oficina da máquina e também não cairia do céu. Como localizá-la, extraí-la e distribuí-la? A vida mostrou que ela não poderia ser obtida e distribuída diretamente pelo “comunismo de guerra” e nem pelo imposto em espécie.
O chamado “comunismo de guerra” foi, na verdade, um conjunto de medidas emergenciais – necessárias – tomadas pela revolução num momento grave do confronto com os inimigos do socialismo. Foi decisivo para a vitória da revolução. O imposto em espécie o substituiu quando a guerra civil foi vencida. As medidas emergenciais, entre elas o confisco da produção, viabilizaram a vitória na guerra civil e a continuidade da transição do capitalismo ao socialismo, mas elas definitivamente não eram o mecanismo fundamental de distribuição da renda social.
LUCRO E RENDA SOCIAL
O socialismo é, fundamentalmente, a formação e distribuição do rendimento social para os novos donos dos meios de produção. A distribuição se efetua, no socialismo, segundo o trabalho e não segundo o capital. A “renda social”, assim como o “valor” no capitalismo, se forma no preço final dos produtos. E para que serviam as relações monetárias e mercantis? Serviram, entre outras coisas, para extrair do processo produtivo a renda líquida criada nele (no capitalismo, o lucro). No socialismo, a extração da renda social, ou seja, o excedente da produção.
Sob o capitalismo, o preço de qualquer mercadoria é a expressão do valor agregado ao produto e contém o chamado lucro médio, que é formado proporcionalmente à quantidade de capital investido pelo capitalista. E, naturalmente, essa renda vai parar nas mãos do capitalista que é o proprietário dos meios de produção e das mercadorias. Assim como no feudalismo, a renda da terra se dirigia diretamente para a mão de seus proprietários, o lucro, no capitalismo, vai parar nas mãos dos capitalistas, donos das empresas e dos demais meios de produção.
Foi sob Stalin que se pensou numa nova forma histórica concreta de criação e distribuição da renda para o proletariado em aliança com o campesinato, os novos donos dos meios de produção. Percebeu-se que era necessário, para isso, se utilizar de relações monetárias e da circulação de produtos. Era através da troca de produtos que se obteria e se distribuiria a renda social numa sociedade onde os donos dos meios de produção já não eram os capitalistas e sim o proletariado.
DUAS ESCALAS DE PREÇOS
O modelo econômico pensado e aplicado por Stalin entre os anos 30 e 65 do século XX para eliminar a acumulação privada foi um sistema de preços em duas escalas. Eram dois os principais preços da economia. Os primeiros eram os preços intermediários, ou seja, aqueles ligados ao processo de produção, onde os meios de produção não eram mercadorias, e, portanto, não eram comprados e nem vendidos.
Já a segunda escala era a dos preços praticados na troca regular de produtos para o consumo final da população. Os dois sistemas de preços eram completamente separados sendo que a “economia intermediária”, ligada aos meios de produção, não contava nem mesmo com uma moeda fiduciária. Os equipamentos eram alocados nas empresas diretamente pelo Estado e baseados nas diretrizes do plano econômico.
De que forma o sistema de duas escalas de preços permitia a “transferência” da maior parte do rendimento social precisamente para o bolso do trabalhador comum?
A renda social seria formada no processo de troca, chamado por alguns de “mercado socialista”, existente apenas no setor de consumo da população. Esta renda, obtida com a venda dos produtos finais e o pagamento de um imposto sobre o valor agregado, era totalmente entregue ao Estado. Este passou a transferi-la para os novos donos dos meios de produção através da redução sistemática dos preços do varejo e da criação de um fundo de caráter social para ampliar ininterruptamente o acesso a bens e serviços gratuitos.
A incorporação do imposto sobre transações nos preços de consumo colocava nas mãos do Estado a renda social produzida no país. Somente através do Estado esta centralização da renda social poderia se dar. Era grande a margem de manobra para aplicar com segurança e determinação a política socialista: em primeiro lugar, baratear aqueles produtos que determinam o nível de vida das massas. A redução dos preços era feita em parte à custa do rendimento líquido centralizado do Estado, o qual era entregue à população precisamente através dessa forma específica.
Uma vez que os artigos de amplo consumo não são mais do que meios de reprodução da força de trabalho, destinados a compensar os seus gastos e a garantir o seu desenvolvimento, resultava então que o rendimento social se formava, de fato, “segundo o trabalho”, proporcionalmente à “alocação” verificada à época de gastos de trabalho vivo.
VALORES DE TROCA E VALORES DE USO
Com a queda dos preços, os salários não perdiam, ao contrário, ganhavam poder de compra. Efetuava-se ainda a transferência da renda através da alocação prioritária e não “residual” de recursos do orçamento do Estado para o financiamento crescente das necessidades sociais, em primeiro lugar, da habitação, saúde, educação, transportes, cultura, etc. Lentamente tinha início o processo histórico de substituição da produção de “valores de troca” pela produção de “valores de uso”.
A transformação socialista da lei do valor se deu a partir de um novo tipo de intercâmbio de produtos. Foi encontrado um mecanismo no qual apenas bens de consumo aparecem como se fossem mercadorias. Tatiana argumenta que é neste mecanismo que se dá a formação de renda correspondente ao socialismo. “E o princípio da distribuição da renda líquida agregada entre os trabalhadores se dava pelo fato deles serem proprietários dos meios de produção socializados”, argumenta.
Tudo isso ocorre já na etapa socialista e não deve ser confundido com o período da transição do capitalismo para o socialismo, onde ainda haviam proprietários privados e também proprietários não totalmente estatais, como os kolkozes no campo, e que, portanto, geravam a circulação mercantil na URSS. Muitos confundiram as condições do período de transição do capitalismo ao socialismo – inclusive a NEP (Nova Política Econômica da década de 20) – com as do socialismo avançado e acharam que, por conta da presença de troca regular de produtos, haveria a permanência e até o crescimento do mercado e da troca de mercadorias no período socialista.
O dirigente do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), Cláudio Campos, fundador da Hora do Povo, entrou nessa polêmica na década de 90 do século passado, em seus artigos que compõem o livro “A História Continua”. Cláudio esclareceu que no socialismo já não há a presença do mercado no sentido pleno da palavra. Ele cita Lenin para mostrar que as trocas regulares de produtos, e não de mercadorias, feitas pelas empresas estatais no socialismo – que alguns chamam de mercado socialista – tendem à diminuição sistemática, com o avanço da sociedade em direção ao comunismo.
TROCA REGULAR DE PRODUTOS
Diz Cláudio: “Lenin afirmou que quando a grande indústria socialista estivesse em condições de oferecer seus produtos em troca de todos os excedentes produzidos pelos camponeses, então tanto o imposto em espécie como o seu complemento, a circulação de mercadorias, seria substituída pela troca regular de produtos”. E prossegue: “Notemos que Lenin fala aqui em ‘troca de produtos’ e não troca de ‘mercadorias’. Ele fala em ‘troca socialista’ e não ‘troca de mercadorias’, que ele caracterizou insistentemente como não socialista e sim como capitalista”.
Evidentemente, segundo Cláudio, “por ‘troca socialista regular de produtos’ Lenin não está se referindo a uma circulação mercantil. Não é mercantil, pois é o que ele considera uma ‘troca estatal’, em oposição a uma troca não estatal, capitalista. É uma troca conscientemente regulada pelo Estado socialista, e não anárquica e espontaneamente regulada pelo mercado”.
Cláudio afirma que Lenin defendeu que a “troca de produtos” pode ser considerada uma variante da ‘troca de trabalhos’, a que Marx se refere na Crítica ao Programa de Gotha. Seria como uma característica da primeira fase do socialismo. “Na medida em que os meios de produção fundamentais pertençam ao Estado, tudo o que os camponeses agregarão aos seus produtos será o seu próprio trabalho. E é essa quantidade de trabalho que será levada em conta pelo Estado para fixar as relações de troca entre a indústria e a agricultura”.
“Não nos esqueçamos de que, ao contrário do que afirmam os sofismas hoje em moda, as ‘trocas de trabalho’, no socialismo, na primeira fase da sociedade comunista, segundo Marx, são feitas também pelo princípio do equivalente, isto é, ‘a mesma quantidade de trabalho que (cada trabalhador) deu à sociedade sob uma forma, recebe desta sob uma forma diferente’ (Crítica ao Programa de Gotha)”, diz Lenin.
LEI DO VALOR
“Este é o mesmo princípio da lei do valor, mas não é o valor, porque este, além do princípio da troca pelo equivalente, implica em que o trabalho humano aparece como uma ‘propriedade material atribuída ao produto’”, prossegue Cláudio. Citando Marx: “A mesma quantidade de trabalho que deu à sociedade sob uma forma, recebe-a desta sob uma forma diferente. Aqui impera, evidentemente, o mesmo princípio que regula o intercâmbio de mercadorias, uma vez que este é um intercâmbio de equivalentes. Variaram a forma e o conteúdo, porque sob as novas condições ninguém pode dar senão seu trabalho, e porque, de outra parte, agora nada pode passar a ser propriedade do indivíduo, a não ser os meios individuais de consumo”.
O fato é que, aplicando esses princípios, do avanço sistemático da socialização dos meios de produção, do fim da compra e venda de meios de produção e da força de trabalho, do plano e da distribuição da renda social através das duas escalas de preços e a redução sistemática de preços no varejo e do crescimento do fundo social, Stalin conseguiu construir uma vigorosa economia socialista. As forças produtivas, liberadas pelas novas relações de produção, se desenvolveram aceleradamente. O ódio do imperialismo ao dirigente soviético é proporcional ao tamanho de suas conquistas para o proletariado e para a Humanidade.
A medida de eficiência da economia na URSS no período de Stalin era a redução dos custos de produção pelas empresas estatais pertencentes ao proletariado. Como os produtos intermediários, necessários para a produção social, e a força de trabalho deixaram de ser mercadorias na sociedade socialista, a redução de custos e o ganho de produtividade do trabalho não significavam mais “rentabilidade” isolada para as empresas. Num sistema único de produção, o avanço da produtividade e a redução dos custos de cada empresa eram passados adiante para redundar na redução sistemática dos preços finais.
ENRIQUECIMENTO DA TEORIA MARXISTA
Esta era a forma central de distribuição da renda social e as empresas socialistas tiveram neste período um gigantesco crescimento da produtividade do trabalho. O sistema socialista idealizado por Stalin obteve um grande sucesso. Alguns aspectos deste modelo necessariamente são específicos das condições existentes na URSS, mas vários deles têm um caráter teórico mais geral e abrangente e foram necessários para a construção do socialismo. Essas descobertas de Stalin contribuíram para o enriquecimento da teoria marxista.
Em termos de produto interno bruto total e produção industrial, a URSS em meados da década de 1930 ficou em primeiro lugar na Europa, superando significativamente a Alemanha, Grã-Bretanha e França. Em menos de 3 planos quinquenais, 364 novas cidades foram construídas no país, 9 mil grandes empresas foram construídas e colocadas em operação – um número colossal – 2 grandes empresas por dia!
Foram realizadas oito reduções anuais de preços durante sua direção. No primeiro plano quinquenal (1928-1932), mais de 1500 empresas industriais foram colocadas em operação, no segundo (1933-1937) – mais de 4500. O slogan do primeiro plano quinquenal foi “A tecnologia decide tudo!” A segunda foi “O pessoal decide tudo!”. De acordo com os resultados desses planos quinquenais, a URSS ocupou firmemente o segundo lugar no mundo (depois dos Estados Unidos) na produção industrial.
O terceiro plano quinquenal, interrompido pela guerra, chamado de mobilização militar, foi realizado sob o slogan “Alcance e ultrapasse!”. O quarto, o primeiro do período pós-guerra, foi chamado de restaurador. Seu slogan: “Plano quinquenal em quatro anos!” É digno de nota que os primeiros cinco planos quinquenais foram preparados com a participação ativa de I.V. Stalin. Ele também supervisionou a implementação desses planos (com exceção do quinto, já que sua morte ocorreu no meio de sua implementação).
VENCENDO A GUERRA
O objetivo do terceiro plano quinquenal não era mais a industrialização, mas o fortalecimento da capacidade de defesa do Estado soviético. A implementação do plano quinquenal durou menos de três anos e meio, foi interrompida pela agressão da Alemanha nazista em 22 de junho de 1941. Durante esse tempo, mais de 3.000 empresas industriais foram colocadas em operação. Além disso, nas condições da guerra, uma parte significativa delas foi construída nas regiões orientais do país.
No final de novembro de 1941, mais de 1.500 grandes empresas industriais (de um total de 2.600) e 7,5 milhões de pessoas – trabalhadores, engenheiros, técnicos e outros especialistas – foram realocados para o leste do país. Algumas das empresas realocadas começaram a funcionar antes mesmo do ano novo de 1942. A segunda etapa da evacuação foi em 1942, quando outras 150 empresas foram transferidas. Um feito de enorme envergadura histórica.
E o número total de trabalhadores deslocados junto com as empresas chegou a 10 milhões. No geral, o plano para o desenvolvimento e produção de equipamentos militares em 1942 nas regiões orientais da URSS não foi apenas cumprido, mas em alguns casos até superado. Mesmo nessas condições a redução dos preços seguiu em vigência e a produtividade do trabalho deu saltos impressionantes.
No fim da guerra, o principal objetivo da mobilização era a restauração do país devastado pelas forças nazistas. As perdas diziam respeito tanto à esfera produtiva quanto à social. 27-30 mil empresas foram destruídas; 1.710 cidades e 70 mil vilas e vilarejos arrasados. Uma parte significativa do parque habitacional foi destruída. De acordo com dados oficiais, a União Soviética perdeu cerca de um terço de sua riqueza nacional.
A TERRA É AZUL
Nos últimos dois anos do plano quinquenal, houve um avanço sem precedentes. Em 1950, o nível de produção industrial pré-guerra foi excedido em 1,7 vezes. Durante os anos do quarto plano quinquenal, 6,2 mil empresas industriais foram restauradas e reconstruídas. O número de trabalhadores e empregados aumentou para 40,4 milhões de pessoas. Em 1949, a engenharia soviética quebra o monopólio dos EUA em armas nucleares e, em 1961, Iuri Gagarin, primeiro homem a ira ao espaço, diria: “a terra é azul”
Nos anos do pós-guerra, não só na URSS, mas também em outros países, não havia indicador do PIB (o indicador macroeconômico mais importante era a renda nacional). Historiadores e economistas tentam descrever as economias do passado usando estimativas do indicador do PIB atual. Assim, em 1946-1950, a taxa média anual de crescimento do PIB na URSS foi de 14% e em 1951-1955 foi de 11%. (I. I. Pichurin, Causas da Crise da Economia Socialista da URSS em 1989-1991 // ECONOMIA DA REGIÃO Nº 1/2012).
O quadro se alterou radicalmente (no mau sentido) como resultado da “reforma econômica” de 1965-1967. Mas o problema não esteve apenas no fato de a reforma ter permitido uma “política de aumento do lucro”. O lucro é na sua essência rendimento, e sem rendimento, sem aumento dos resultados da economia em relação aos gastos, nenhuma produção, nem capitalista nem socialista, pode funcionar. O rendimento – na sua forma de rendimento líquido do Estado – era obtido no período de Stalin, no período do sistema de duas escalas de preços, e a sociedade estava igualmente interessada no seu aumento, não na sua diminuição.
A essência do problema era outra. No “socialismo de Stalin” o rendimento social acumulava-se – como citado acima – em proporção direta dos gastos de trabalho social vivo. Era isso que nesta altura tornava a propriedade estatal dos meios de produção autenticamente socialista. No processo da dita “reforma econômica” de 1965, não houve uma “política de aumento da renda”, mas mudou-se o princípio de formação de rendimento, transformando-a em lucro.
O sistema de duas escalas de preços foi rompido, desapareceu a delimitação que lhe era característica entre os preços praticados na troca regular de produtos de consumo e os preços “produtivos”, que eram rigorosamente administrados. O “rendimento” começou a ser formado por toda a parte, à semelhança do “lucro sobre o capital” no capitalismo, extraído proporcionalmente ao valor do capital fixo e dos meios materiais circulantes. Ou seja, no essencial, proporcionalmente ao valor dos gastos materiais e não mais do trabalho.
TRAIÇÃO AO SOCIALISMO
Como resultado, a propriedade estatal socialista dos meios de produção foi então combinada com uma modificação disforme, “pseudocapitalista”, das relações monetárias e mercantis. Para o economista russo Valentin Katasonov, a estrutura híbrida que surgiu afastou-se bruscamente do socialismo em direção ao “capitalismo de Estado”. “Pôs-se fim à construção do socialismo enquanto tal (as premissas para isso formaram-se ainda nos anos 50), iniciou-se uma degeneração gradual e, subsequentemente, o desmantelamento aberto das estruturas socialistas criadas na economia e na política no período de Stalin”.
Na opinião de Tatiana e também de Cláudio Campos, foi precisamente este processo pernicioso e inteiramente regressivo da degeneração da propriedade social socialista, num certo tipo, verdadeiramente bastardo, de propriedade capitalista de Estado, que levou o país primeiro à estagnação e depois à crise contrarrevolucionária mais profunda e perigosa da história da URSS (que se desenrolou sob a bandeira esfarrapada da “perestroika”).
A compreensão mais profunda sobre esses desvios na condução econômica e as traições ideológicas e políticas, ocorridas na segunda metade do século XX, é condição fundamental para que o movimento revolucionário em todo o mundo retome a ofensiva estratégica contra o imperialismo e garanta o retorno à construção do socialismo. É este o objetivo buscado com a elaboração das reflexões contidas neste texto.
(*) Redator Especial da Hora do Povo e membro do Comitê Central do PCdoB