As eleições de 1974, realizadas no dia 15 de novembro daquele ano, foram uma virada na situação política do país. Pela primeira vez, a ditadura – isto é, o seu partido, a Arena – foi derrotada, nas urnas, de Norte a Sul do país.
Nas eleições, em 22 Estados, para o Senado, a oposição venceu em 16: São Paulo, Guanabara, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Ceará, Goiás, Paraíba, Pernambuco, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Sergipe, Acre, Santa Catarina, Amazonas e Rio Grande do Norte.
Na Câmara, a bancada da oposição passou de 87 deputados para 160.
E, mais, a oposição fez maioria nas Assembleias Legislativas de seis Estados: São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazonas e Acre.
A ditadura conseguira manter os governos desses Estados – com exceção de um: o Estado da Guanabara, antiga capital federal, isto é, a cidade do Rio de Janeiro –
O repúdio do povo ao regime jamais ficara tão claro desde as passeatas de 1968 – ano que terminou com a decretação do Ato Institucional nº 5, a 13 de dezembro, inclusive com o fechamento do Congresso.
Seguiu uma intensa e sanguinária repressão – ao mesmo tempo em que a propaganda oficial alardeava o mal chamado “milagre brasileiro”, baseado na concentração de renda, no arrocho salarial, no privilégio às multinacionais, na deformação da economia, tendo como setor principal da indústria a produção de bens de consumo duráveis (sobretudo automóveis), dominado por grandes monopólios estrangeiros.
O desaguadouro dessa situação foi o partido da oposição à ditadura – o MDB, que, naturalmente, nada tem a ver com uma sigla semelhante, que hoje assombra os corredores do Congresso e do Planalto.
Dentro deste partido, formou-se o grupo dos “autênticos”, reunindo os parlamentares mais decididos na luta contra a ditadura. Os “autênticos” reuniam homens como Alencar Furtado, Marcos Freire, Lysâneas Maciel, Francisco Pinto, Marcondes Gadelha, J. G. de Araújo Jorge, Freitas Nobre, Alceu Colares, Pais de Andrade.
No dia 3 de dezembro de 1974, um dos mais eminentes “autênticos”, Alencar Furtado, que depois seria líder da oposição na Câmara – e ficaria na História, também, por ser o último parlamentar cassado pela ditadura, depois de denunciar, pela TV, a tortura nos órgãos de repressão do regime – subiu à tribuna da Câmara para apresentar sua avaliação, que era comum aos demais “autênticos”, do resultado das eleições.
É este o discurso que hoje publicamos, notável, entre outras razões, por denunciar a ligação direta do regime ditatorial com o domínio do capital estrangeiro no Brasil.
Resta dizer que, naquele mesmo ano, com o país crise – o “milagre” durou muito pouco – Geisel iria implementar o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).
A oposição não ignorava essa mudança, que é mencionada explicitamente por Alencar Furtado.
De certa forma, podemos dizer que a vitória nas eleições de 1974 foram o primeiro resultado de uma nova tática na luta contra a ditadura, que iria desembocar em sua derrubada, na Constituinte – na qual Alencar Furtado, e outros seus companheiros do antigo grupo “autêntico”, teriam relevante participação – e na Constituição de 1988.
C.L.
ALENCAR FURTADO
As comportas do civismo nacional se abriram nesse 15 de novembro que passou. Na manifestação das urnas há um complexo de reações populares merecedoras de profundas reflexões. Bem por isto, o momento político eleitoral que vivemos merece não somente uma análise de colorido partidário, porém é o mais propício a uma identidade de comportamento, a fim de que possamos chegar a estuários comuns de brasilidade.
O Brasil precisa de todos nós. O instante nacional requer, sobretudo, patriotismo. O patriota civil e o patriota fardado são homens comuns, e o patriotismo de um não difere do patriotismo de outro.
Urge uma ação comum para alcançarmos os objetivos nacionais, simbolizados pela autodeterminação, justiça social, liberdade, democracia e desenvolvimento.
A nacionalidade não se constrói na grandeza dos sonhos dos seus filhos, com o país crescendo para o desenvolvimento estrangeiro. Um enriquecimento setorial não é brasílico, quando vemos, de um lado, milhões desempregados, esfaimados e doentes, constituindo-se em legiões imensas de desesperados, e, de outro, o enriquecimento, de braços com o progresso econômico de minorias agraciadas.
Agrava-se ainda o quadro bosquejado quando se vê a liberdade arrebatada, como fórmula profícua e eficaz de ação permanente para manutenção de bastardos privilégios. Ontem, em nome da liberdade se negava o pão; hoje, em nome do pão se nega a liberdade. Mas a História ensina que os que prometem pão para só depois conceder a liberdade, têm negado ao povo liberdade e pão – num dizer de um líder civil da Revolução.
Há os que, a pretexto de Segurança, sacrificam a Liberdade, mas Segurança e Liberdade sustentam-se ambivalentemente. Toda vez que a Liberdade é atingida, a Segurança está ameaçada; como sempre que a Segurança é afetada, a Liberdade é atingida. Segurança e Liberdade irmanizam-se numa coexistência necessária. Pátria sem Segurança, baderniza-se; Pátria sem liberdade, vira cadeia.
Não se prestigia a Nação, conduzindo-a por teses condenadas. Assim é que o estímulo irracional ao capital estrangeiro torna-se nocivo, e de tal forma tem sido abrangente que, se não for bridado, afetará até mesmo, a Segurança Nacional.
A cumplicidade dos interesses dominantes com o capitalismo alimenta um controle político cada vez mais autoritário para que o desenvolvimento seja excludente, grupal e antirracional, no que diz respeito à forma de organização econômica.
Esquecem, no seu fisiologismo absorvente e exclusivista, a figura do homem e o peso das estruturas sociais, que jamais suportarão os encargos totais do desenvolvimento, nem se submeterão à tutela permanente dos seus insaciáveis manipuladores.
A nossa ação política investe contra a divisão internacional do trabalho, condena as ditaduras envilecedoras, bem como as suas distorções que imoralizam. Combate o paternalismo do livre-cambismo, o subdesenvolvimento econômico, o imperialismo apátrida e prepotente e a rapinagem dos trustes que se erigem em superpotências dentro dos países, dominando-os política, econômica e militarmente.
O crescimento do PNB [Produto Nacional Bruto] não retrata o desenvolvimento do povo quando este se apresenta paupérrimo em várias regiões e com verticais desníveis de renda; quando a política oferece uma falsa imagem de estabilidade, vez que permanentemente intimidade por atos excepcionais que teriam de ser provisórios por serem eventuais; quando a justiça social não tem império, para que a convivência entre o capital e o trabalho seja exaltada, não apenas no aumento da produtividade, mas no banimento da espoliação do homem que emprega as suas energias criando a riqueza nacional.
O Brasil é fadado a ter uma liderança plasmada em bases mais justas, pela sua posição geográfica, pelas suas potencialidades ou pelo seu crescimento, mas, principalmente, se o Homem, “medida de todas as coisas” , no dizer de Pitágoras, for o objeto principal do Governo, inspirado numa filosofia nacionalista de constante alcance social, sem repúdio à Democracia e aos princípios éticos da vida.
Nacionalismo é razão, símbolo, mística e filosofia que oferece a coesão política mais sã. É a mística da lealdade nacional e a filosofia de um Governo que, se tem a Nação simbolizada na maior projeção da vida, tem no homem a razão de ser da Pátria.
Ser nacionalista é sobrepor os interesses do Brasil acima de quaisquer outros, mesmo os de caráter sentimentais, ideológicos ou materiais. Traduz-se num ideário de sólido lastro para a consecução dos objetivos nacionais permanentes.
O malogrado Presidente John Kennedy dirigiu aos seus concidadãos este apelo:
“Não pergunteis à vossa pátria o que pode ela fazer por vós; perguntai a vós mesmos o que podeis fazer por ela.”
E entre nós, muitos anos antes de Kennedy, o General Manuel Rabelo, com o mesmo pensamento dirigia-se assim aos seus camaradas de armas:
“Quando fordes designados para uma missão não perguntais que vantagens tereis; perguntais que deveres vos incumbe.”
Temos missão e deveres a cumprir.
Os resultados do pleito de novembro pedem análise e meditação. Constituiu-se no episódio cívico mais edificante em termos de manifestação popular e numa grande lição ao Governo, para que, ao invés de reprimir as aspirações populares, as convoque sempre para as tarefas de construção nacional.
O MDB foi porta-voz do trabalhador que, desenvolvendo o Brasil, vive desintegrado do desenvolvimento; do estudante que, oferecendo idealismo e cultura, vive quatro-setesseteado; do mutuário agiotado pelo BNH, abandonando a casa dos seus sonhos ou sendo dela despejado; da pequena e média empresas, absorvidas ou esmagadas na jungle da competitividade; do assalariado que carrega nas costas este País e, num clamor surdo de injustiçado, vive enriquecendo quem já é rico, embora permaneça doente e subnutrido e dessindicalizado, não podendo nem reivindicar; do comércio e da indústria, recordistas em concordatas e falências; dos que percebem salários, vencimentos e soldos erodidos pela inflação que importamos, que exportamos e que fabricamos; do lavrador flagelado pelas pragas e fatores climáticos, e pela ação ministerial comprometedora que avilta o preço da sua produção e favorece grupos econômicos que ganharam bilhões à sua custa; dos que desfizeram orçamentos familiares investindo na Bolsa de Valores sob estímulos do Governo.
E ainda: a correção monetária galopando com a desvalorização da moeda que, este ano, em onze meses, foi dez vezes desvalorizada.
A corrupção, campeando fagueira, numa sem-cerimônia sem tamanho e implantada em organismos oficiais, em compras no exterior, em pontes famosas em trechos pavimentados ou em operações diversas malbaratadoras do dinheiro público.
O descompasso no desenvolvimento entre o Norte e o Sul do País, acentuando progressivamente os desníveis regionais.
A censura desinformando o povo, para que a verdade não seja conhecida; a repressão desvairada empolgando setores de responsabilidade pública, afrontando a intangibilidade dos direitos da pessoa humana, erguendo desnecessárias barreiras de ódio, numa Pátria que só tem irmãos.
A necessidade transformando virgens em prostitutas e a miséria virando criminalidade.
A liberdade, vigiada demais, e o arbítrio, plenipotenciário.
Homens públicos gangrenando de servidão e desamor às instituições, e os magnatas do poder, impondo e dispondo, contrapondo-se e sobrepondo-se às lideranças legítimas e à vontade do povo, num repasto autocrático e egoístico abominável.
E aos açoites dessa tormenta social, econômica e política, o povo compareceu às urnas, lavrando a sentença condenatória inapelável que o voto transformou no grande veredictum.
O SR. MARCONDES GADELHA: Nobre Deputado Alencar Furtado, ou muito me engano ou estamos diante de um dos grandes momentos da vida política nacional. De um lado, o povo desmontou um mito carinhosamente elaborado pelos bem-pensantes de todas as épocas: o de que o povo pobre é incapaz de sustentar os valores democráticos. De outro, o Governo aceita, assegura e garante o resultado adverso, no mesmo passo em que a Oposição, pela sua palavra altaneira, segura, elevada e principalmente serena, mostra-se digna e merecedora dos resultados auferidos. Creio que este é o marco zero, o toque véspera! Do novo modelo político com que sempre sonhamos, plasmando uma sociedade democrática, pluralista e aberta, à altura das mais vivas tradições de nosso povo. E V. Exa. me torna, neste instante, orgulhoso de ser seu companheiro de bancada e seu irmão de pensamento político. Mostra V. Exa. que não somos mais “apenas a meia dúzia de enfants enragés que tudo reclama, que tudo contesta”; que não somos os “revanchistas”, como alguns se acostumaram a nos apodar, mas que somos definitivamente um Partido político profundamente identificado com as necessidades do povo brasileiro e preocupado com o futuro da Nação, à altura, portanto, de participar decisivamente na consecução dos objetivos nacionais. Tem V. Exa. os meus parabéns, e gostaria que acrescentasse às inúmeras explicações para a vitória da Oposição este pequeno subsídio, não à guisa, naturalmente, de explicação, mas talvez como um dos fatores da nossa vitória: é que o MDB, sendo um Partido que basicamente reclama o pluralismo, se comportou como se aceitasse, antes do seu concorrente, a realidade nacional do bipartidarismo, porque procurou arrimar toda a sua linha de campanha basicamente naquilo que é essencial ao bipartidarismo – a opção programática. Defendemos teses, defendemos princípios, pontos de vista, ao passo que o nosso concorrente insistiu em alinhar o eleitorado em torno de lideranças mais ou menos carismáticas, mais ou menos ultrapassadas, não sentindo a avalanche renovadora do nosso tempo. Muito obrigado.
O SR. ALENCAR FURTADO: Eu que agradeço a V. Exa. o aparte, recolhendo-o como subsídio valioso à minha oração, até porque na irmandade do nosso pensamento, o instante nacional exige envergadura de comportamento em termos de responsabilidade. Sei que todos os pares do nosso colegiado emedebista sentem, neste nível, sua responsabilidade maior frente à República.
E foi por isto que a Nação, sofrida e represada nos seus anseios, apoiou aqueles que por ela falavam, identificados com a democracia social, o nacionalismo e a liberdade.
Mas o Governo imprescinde do apoio popular, que neste pleito não recebeu, para enfrentar os gigantescos problemas que atormentam o País.
As poderosas oligarquias, unidas ao capital forâneo, influenciam, doutrinam, controlam e sustentam o regime. Os grandes grupos econômicos multinacionais apropriaram-se dos pontos estratégicos da nossa economia oferecendo riscos à segurança do País e transformando-se, inexoravelmente, na maior força antinacional.
O SR. JG DE ARAÚJO JORGE: Permita-me, nobre companheiro, congratular-me com V. Exa. pelo seu pronunciamento. V. Exa. analisa as projeções dos resultados do último pleito. Acompanhando as ideias que acaba de expender, concluo que o povo brasileiro, a 15 de novembro, não nos elegeu apenas simples Deputados, mas deu-nos, com a força com que se manifestou nas urnas, o direito de nos considerarmos Deputados constituintes. Uma das teses levantadas pelo nosso partido e um dos temas debatidos durante a campanha foi a de que o povo nos desse nesta Casa aquele terço necessário para que tivéssemos condições de apresentar emendas à Constituição e de requerer a constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito, quando houvesse necessidade. E o povo nos ouviu. Devemos concluir, com os resultados das urnas, que para a próxima legislatura, com o MDB amplamente fortalecido, o povo não elegeu apenas Deputados, mas Deputados constituintes, com a função de modificar a própria Constituição, no sentido de torná-la realmente um documento democrático, pleno de conteúdo social, capaz de atender às reivindicações populares e de responder às necessidades reinstitucionalização do País. V. Exa. chamou a atenção para o problema básico de que o Governo colocou o povo como pedinte do estrangeiro. O nobre colega referiu-se também às multinacionais. Disponho de dados que provam que apenas seis grandes firmas estrangeira instaladas no Brasil tiveram um faturamento de 3 bilhões e 300 milhões de cruzeiros no ano de 1973; que apenas 20 firmas estrangeiras têm um faturamento correspondente a 50% das 2.345 principais empresas brasileiras. A posição que o Governo ocupa, de costas para o povo, a solicitar cada vez mais empréstimos ao estrangeiro, a atitude de deixar o País e a população trabalhadora asfixiada com o achatamento salarial, levou-nos à situação de descalabro em que nos encontramos. E como consequência desse quadro tivemos o aumento assustador da mortalidade infantil. Segundo o IBGE, morreram anualmente, nos últimos 10 anos, de 64 para cá, cerca de 500 mil crianças brasileiras de 1 a 5 anos de idade. E desapareceram porque subnutridos, sem condições de sobrevivência. A Comissão de Saúde da OEA, pesquisando em São Paulo, chegou à conclusão de que 69% das mortes das crianças decorriam de seu estado de subnutrição. Todas as consequências sócio-políticas podem ser tiradas do pleito que se realizou, como lições para que o Governo e nós, do MDB, unidos, partamos para uma nova tese, a da anistia, a do perdão, a fim de que todos os brasileiros possam participar da vida política do País. Não nos podemos dar ao luxo de alijar do quadro político da Nação tantos homens sem que se lhes tivesse dado sequer o direito de defesa e a possibilidade de saberem as razões por que foram banidos da vida pública, num ostracismo perpétuo, incompatível com qualquer processo democrático.
O SR. ALENCAR FURTADO: Muito obrigado pelo precioso e oportuno aparte de V. Exa.
Prossigo, Sr. Presidente.
Nesta Pátria que todos estremecemos, um Governo jamais pode ser tido como Comitê Executivo do capitalismo internacional, nem ser concebido como o braço armado das oligarquias.
Urge conter-se o acelerado processo de desnacionalização das nossas riquezas, bem como o clamoroso e preocupador empobrecimento popular.
Nesta década, a tese da concentração de riquezas, para só depois pensar-se em distribuição de renda, transformou-se em filosofia do Governo, condenada pela Oposição. Destacamos, por isso, a nova postura do Governo no II Plano Nacional de Desenvolvimento, repelindo aquela teoria nos termos candentes seguintes:
“… o Governo não aceita a colocação de esperar que o crescimento econômico, por si, resolva o problema da distribuição de renda, ou seja a teoria de ‘esperar o bolo crescer’.
“Há necessidade de, mantendo acelerado o crescimento, realizar políticas redistributivas ‘enquanto o bolo cresce’. A verdade é que, de um lado, o crescimento pode não resolver o problema da adequada distribuição de renda, se deixado à simples evolução dos fatores de mercado. E, de outro lado, a solução através do crescimento, apenas, pode demorar muito mais do que a consciência social admite, em temos de necessidade de melhorar rapidamente o nível de bem-estar de amplas camadas da população.
“A estrutura da distribuição de renda é insatisfatória e com ela a Revolução não se solidariza”.
É o novo pensamento filosófico do Governo que veio, em parte, ao encontro das teses oposicionistas, que sempre pregaram o humanismo do desenvolvimento econômico.
Em verdade, incorporar 80 milhões de brasileiros à sociedade de consumo seria a grande meta de um Governo em termos de valorização do homem e de recuperação do mercado interno.
Desenvolvimento é feito com trabalho e participação e não com trabalho e marginalização.
De 1960 a 1970, a participação dos 50% mais pobres da população caiu para 14% enquanto a dos 5% mais ricos subiu para 36%.
A renda total cresceu 34%, mas já em 1970 os 80% mais pobres ficaram com 8,4% da renda, enquanto 5% mais ricos ficaram com 77,6%. A locupletação nem sóbria é, porém sobeja.
A concentração da renda nacional encontra-se, majoritariamente, em mãos dos grupos econômicos, que nesses dez anos remeteram de lucros para o exterior cerca de três bilhões de dólares, mais do que toda a moeda em circulação neste País.
A distribuição de renda não é problema econômico, mas dependente dele, é problema político e a ele submisso. Stuart Mill já ensinava, em 1848, “que a distribuição das rendas constitui matéria de decisões políticas e não de leis econômicas”.
Os interesses do Brasil não se podem submeter aos donos do poder econômico, educados e conduzidos para a permanente consolidação dos capitalistas internacionalizados.
A ação do Governo é imperiosa e urgente.
Uma política nacionalista fortaleceria o poder econômico nacional, garantido a independência política da Nação, compatibilizando o interesse estrangeiro com o desenvolvimento integrado do homem brasileiro e com a dignidade nacional.
A luta não seria contra país algum, mas contra o atraso nacional e em favor do Brasil.
O nacionalismo que pregamos é protetor da soberania na esfera política e do desenvolvimento no campo econômico
Os grupos dominantes necessitam de matérias-primas da economia dependente, esquivando-se, portanto, de oferecer dinâmica de crescimento a esta. Daí o domínio colonial fascista, impeditório de mudanças sociais, as quais para terem uma economia autônoma necessariamente procurariam liberta-se do jugo colonial locupletador, antiprogressista e absorvente.
Há, assim, um conflito de estruturas: a colonial contra a nacional, fornecendo impasses formidáveis e desvãos terríveis.
A desproteção da estrutura econômica autóctone, subjugada a um sistema político- econômico-militar poderoso, a não ser os surdos clamores dos milhões de desajustados, não haverá reação estrutural, salvo se o patriotismo político-militar vier em seu auxílio.
O SR FREITAS NOBRE: Nobre Deputado, não fala V. Exa. apenas em seu nome, mas no de muitos outros companheiros; fala em nome de muitos se não de todos aqueles eleitores que confiaram o voto aos representes da Oposição. Caberia um longo aparte ao discurso brilhante e dentro da realidade brasileira que V. Exa. pronuncia. Cabe-me no entanto, não interromper a fala inteligente, combativa e real com que V. Exa. coloca esses problemas, lembrando apenas que, quando cuida V. Exa. do crescimento do País, o distingue bem nos dados que traz. Não há desenvolvimento que exclua o homem. Quando o chamado desenvolvimento exclui o homem, não há desenvolvimento: há crescimento, há inchação. Demonstra ainda V. Exa. a realidade de sua análise quando estuda a mensagem presidencial, reconhecendo a necessidade de uma tomada de posição quanto aos aspectos social político e econômico, que se englobam na interpretação que traz V. Exa. neste discurso. Trago o aparte para dizer que V. Exa. não fala só – por muitos, e o Brasil ouve, na sua palavra, a voz de todos aqueles que souberam colocar, a 15 de novembro, as suas esperanças em um outro Brasil.
O SR. ALENCAR FURTADO: Prestigia-nos V. Exa. com a sua solidariedade e o seu aparte.
Continuo.
A nossa economia, portanto, está garroteada e submissa. Os nossos produtos não poderão competir nos mercados mundiais se o cruzeiro não se desvalorizar continuamente. E a cada perda de substância da nossa moeda entregamos mais sacas de café e mais toneladas de minérios, em troca do que precisamos adquirir, a par da erosão salarial interna e dos reflexos psicológicos sobre o custo de vida.
Estamos transferindo para o estrangeiro os benefícios do esforço que fazemos para progredir.
Exportar não está sendo mais do que trabalharmos para dar a outros povos o conforto que a nós mesmos devemos. Compramos lá fora sapatos e veículos fabricados aqui e até o nosso café, a preço menor que o mesmo vendido no Brasil.
O esforço que temos realizado para aumentar as exportações é econômica e socialmente penoso. Exportar é uma imposição, mas não em prejuízo das necessidades internas, pois ensinam os economistas que só se deve vender o que excede do consumo doméstico.
Nem por isso a nossa balança comercial deixa de ser deficitária, e neste exercício o deficit excede de 5 bilhões de dólares, fato de suma gravidade e indicador de maior desequilíbrio financeiro.
Nesse consórcio Governo-grupos multinacionais, povo e Nação se prejudicam e a própria segurança nacional é afrontada.
O Governo exibe índices de crescimento nacional à base de um endividamento de 20 bilhões de dólares, de empréstimos compensatórios onerosos ou de outros impositórios que nos chegam de forma de bens duráveis de interesse dos grupos externos para competirem ou esmagarem a indústria nacional. Indústria nacional que, em verdade, é predominantemente estrangeira, como sejam: a de veículos automotores e seus acessórios, a indústria de minérios, de alta importância militar, que está, preponderantemente, sob o controle de grupos internacionais; a petroquímica, a do vidro, a da soda cáustica, a da construção de máquinas, a naval, a do aço, cimento, metais não ferrosos, potássio, maquinaria leve, farmacêutica, eletrotécnica, química, telecomunicação, borracha, papel e celulose, alimentícia, plástica, securitária, comercial, hoteleira, cinematográfica, armazenagem, exportação de produtos agropecuários, sem falarmos na distribuição de gasolina, na influência no setor financeiro, investimentos e serviços públicos. São ainda favoritos dos financiamentos dos nossos organismos de créditos e manipuladoras da poupança popular.
A nosso ver, a economia nacional sob tal domínio é o maior problema que enfrenta o Brasil.
Num mundo em depressões, crises ou recessões, país em desenvolvimento, como o Brasil, não pode submeter a sua economia ao domínio de outros países, sob pena de padecer guerra psicológica adversa por parte de terroristas do imperialismo, que atam violando fronteiras sem tropas visíveis, mas através do endividamento do país, da opressão econômico-financeira, do controle do comércio exterior, do estrangulamento da indústria nacional, da desnacionalização das riquezas, da remuneração à grande imprensa, da opressão política e da repressão policial. Se tais fatos acontecem, em perigo se encontra a soberania nacional, e não havendo um sentido de libertação contra esse jugo, ficam interditados os caminhos do desenvolvimento, as crises sociais se aprofundam e a mística nacional é destruída.
O SR. LISÂNEAS MACIEL: Nobre Deputado, mesmo não desejando interromper a magnífica análise que V. Exa. está fazendo, desnudando o verdadeiro panorama econômico e seus reflexos político-sociais no País, não me posso furtar, no entanto, de dar uma informação ao ilustre colega. Quando V. Exa. mostra as garras das multinacionais sobre todos os setores da vida nacional, gostaria apenas de lembrar um detalhe da máxima importância. Há pouco tempo, foi realizada, nos Estados Unidos, uma reunião da “American Management Association” ou seja, uma organização que reúne todas as grandes companhias multinacionais, notadamente as norte-americanas. E o Presidente nessa entidade colocou tranquilamente em seu curriculum vitae: formado em Harvard, representante do Grupo ULTRA do Brasil e de outros organismos multinacionais e também – vejam V. Exa. – assessor da CIA norte-americana. E no seu discurso inaugural, proferido na presença de representantes das grandes multinacionais para estudar o ambiente de negócios na América Latina, notadamente no Brasil, o Sr. H. L. Hoffemberg defendeu claramente, na presença do Embaixador brasileiro, do embaixador argentino, de vários representantes diplomáticos, do Sr Daniel Szabo, Subsecretário de Estado e do Secretário de Comércio Norte-americano e até de um observador da União Soviética, o ponto de vista de que, em nível governamental, Washington deveria considerar a hipótese de intervenção militar nesses países, ainda que ainda que mantivessem reputação de nação repressiva, desde que eles conservassem razoável desenvolvimento econômico. Nível governamental… Vejam V. Exas. a gravidade do que foi dito na presença de representantes diplomáticos de diversos países da América Latina e também do representante oficial do Governo norte-americano: intervenção para manter a repressão. E o mais grave, Srs. Deputados, é que aquela reunião foi precedida de ampla distribuição de material sobre a repressão, a tortura, a violação dos direitos humanos no Brasil. Tal distribuição não foi feita pela imprensa socialista ou européia, mas pela imprensa norte-americana, a insuspeita imprensa norte-americana. Aquelas decisões, portanto, que determinaram estarem as autoridades brasileiras submissas aos interesses internacionais, não foram sequer tomadas em nosso País. Foram objeto de discussão num plano quase oficial em outra Nação. Decisões que nos afetaram e nos estão afetando profundamente, ao ponto de vermos, por exemplo, no mesmo dia em que se condecorava o chefe dos bandidos do “Esquadrão da Morte “, o Delegado Fleury, de São Paulo, dar entrada na prisão o Deputado Francisco Pinto.
O SR. ALENCAR FURTADO: O aparte de V. Exa. denuncia uma trama internacional, que deve ser constante contra os países em desenvolvimento. Os grupos econômicos multinacionais que assaltam a economia desses países dominam-nos também politicamente, em regra. Agrava-se e até se qualifica o delito político- econômico, quando sabemos que não têm interesse na preservação dos princípios éticos da vida. Seu Deus e sua pátria é seu lucro. Por isso mesmo, a denúncia que V. Exa traz e apenas a reiteração de um comportamento que tem muito de delinquente no trato desses grupos com os países em desenvolvimento.
Vou concluir, Sr. Presidente.
As Forças Armadas do Brasil têm tradição legalista e formação eminentemente nacionalista. Já se recusaram a servir de capitães-do-mato em defesa do regime escravagista. Não se prestam a pretorianismo meramente policial, até porque sua verdadeira função precípua consiste em serem guardiãs dos interesses nacionais.
Todos contraímos grandes responsabilidades: Partidos, Governos e Forças Armadas. O povo exige mudança de comportamento do Governo, o revolver de estruturas alienadas e uma diretriz filosófica nacionalista.
A Nação é organismo vivo, e nas suas palpitações anseia por segurança voltada para a valorização do homem no processo do desenvolvimento e por Liberdade assegurada pelo Estado de Direito.
O Governo, à sua vez, há de submeter os grupos econômicos multinacionais à vontade e aos interesses do povo brasileiro.
Necessita oxigenar as liberdades, oferecendo inclusive à imprensa carta de alforria, em face do guante da censura prévia.
Precisa palmilhar os caminhos das instituições democráticas, banindo-se tanto a super como a sub-legalidade.
São propósitos, sugestões e análises que patrioticamente oferecemos acordes com as posições com que sempre nos identificamos, demonstrando desarmamento de espírito na disponibilidade em que nos encontramos permanentemente, para servir ao Brasil.
Era o que tinha a dizer. (Palmas.)