Na última sexta-feira (22), o Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou ter ficado “muito feliz” com a atitude dos frigoríficos brasileiros por interromperem o fornecimento de carne à rede de supermercados Carrefour no Brasil.
“As empresas brasileiras que fornecem carne para lá [França] são as mesmas que fornecem aqui. Portanto, foi uma atitude bonita deles. Se eles não podem fornecer para o Carrefour francês, também não vão fornecer ao Carrefour brasileiro”, afirmou.
“Parabenizei e apoiei a atitude deles. O presidente Lula soube da ação e gostou. Trata-se de soberania. Eles se acham a última bolacha do pacote”, continuou.
A França representa 0,5% da proteína animal vendida pelo Brasil no mundo. “Não podem nos tratar como colônia.”
A fala foi realizada por conta de que a indústria brasileira de carnes relatou que grandes companhias do setor iniciaram um processo de interrupção do fornecimento dos seus produtos à rede de supermercados Carrefour e demais empresas do grupo, como o Atacadão, no Brasil.
O movimento foi uma resposta às declarações do CEO global do Carrefour, Alexander Bompard, que anunciou que não iria mais comercializar carnes de países do Mercosul nos supermercados do país europeu, em apoio aos produtores locais, que temem perder competitividade com o acordo Mercosul-União Europeia.
REPÚDIO
Representantes de 42 entidades ligadas ao setor agropecuário brasileiro manifestaram, neste sábado (23), repúdio à decisão do Carrefour na França de suspender a compra de carnes produzidas no Mercosul. Em carta aberta, organizações como OCB, Abiec, Fiesp, Faep, Aprosoja-MT e Aprosoja-MS afirmam que a medida é infundada, desconsidera os princípios do livre mercado e desvaloriza a qualidade e a sustentabilidade das carnes brasileiras.
O texto destaca que o Brasil é líder mundial na exportação de carne bovina e de frango, atendendo a mais de 160 países, incluindo mercados exigentes como União Europeia, Estados Unidos e Japão. A produção nacional, segundo a carta, segue rigorosos controles sanitários e padrões de qualidade reconhecidos globalmente.
As entidades ressaltam os avanços do setor pecuário brasileiro, que aumentou a produtividade em 172% nos últimos 30 anos, enquanto reduziu a área de pastagem em 16%. O compromisso com práticas sustentáveis e a legislação ambiental rigorosa também foram destacados. O documento menciona que as áreas preservadas pela agropecuária brasileira somam 282,8 milhões de hectares, o equivalente a mais de quatro vezes o território da França.
A carta argumenta que a exclusão dos produtos do Mercosul limita o acesso dos consumidores europeus a alimentos de alta qualidade e sustentáveis, além de poder gerar inflação e aumentar as emissões de carbono devido à menor eficiência no transporte de produtos locais.
“Se a carne brasileira não é considerada adequada para abastecer o mercado francês, fica difícil compreender como ela seria adequada para outros mercados”, aponta o texto. As entidades reforçam o compromisso com a produção responsável e cobram transparência e cooperação de empresas globais como o Carrefour, que têm operações significativas no Brasil e dependem da produção nacional para abastecer outros mercados globais.
SUSPENSÃO
Frigoríficos brasileiros pararam de fornecer carnes ao Grupo Carrefour no Brasil, formado por Carrefour, Sam’s Clube e Atacadão, na última quarta-feira (20), após a decisão da rede na França de não vender mais o produto do Mercosul.
A interrupção no fornecimento já atinge 150 lojas da rede no Brasil e a estimativa do mercado é de que em até três dias haja desabastecimento total dos supermercados do grupo, já que se trata de mercadoria resfriada e/ou congelada. Segundo fontes, a decisão da indústria foi endossada pelo governo, que cobrou do setor uma “ação enérgica” contra o boicote da empresa.
Entre os frigoríficos que aderiram à interrupção estão a JBS, a Marfrig e o Masterboi. Somente a Friboi, marca de carnes bovinas da JBS, responde por 80% do volume fornecido ao grupo de origem francesa, sendo que na rede Atacadão o fornecimento da marca é de 100%.
Ainda, a Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp) convocou na última sexta um boicote ao Carrefour. Em nota, a federação disse que o posicionamento da rede de supermercados “é carregado de ideologismo”, pois corrobora com protestos de agricultores franceses que são contra o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
“Somos mais de 500 mil empresas, apenas no Estado de São Paulo, que deixarão de comprar do Carrefour, enquanto insistir desqualificar nossa carne, questionando uma qualidade comprovada globalmente. Solicitamos o engajamento e a adesão das empresas de Hotelaria e de Alimentação neste movimento, até que a varejista volte atrás deste posicionamento errôneo e desrespeitoso”, disse o diretor-executivo da Fhoresp, Edson Pinto.
A declaração de Alexandre Bompard, sobre dizer que os produtos sul-americanos não atendem às exigências e às normas francesas, também foi criticada pela entidade. A Fhoresp afirmou que o juízo de valor quanto a qualidade das carnes brasileiras é “estritamente protecionista e desrespeitosa”, além de “prejudicial a toda a cadeia produtiva nacional”.
“O Carrefour, que se beneficia do mercado brasileiro, operando como a maior rede varejista do país, com mais de 500 lojas, deveria demonstrar mais respeito aos produtos que enriquecem seus acionistas. É inaceitável que uma empresa que prospera em solo brasileiro adote práticas que desconsideram a qualidade e o trabalho árduo dos nossos produtores”, declarou o diretor-executivo da Fhoresp.
A decisão de Bompard afeta exclusivamente a rede de mercados na França. Outros estabelecimentos da marca não vão parar de vender a carne sul-americana.
O boicote é mais uma sinalização de que o acordo Mercosul-União Europeia não deve prosperar. A costura da negociação é extremamente criticada por agricultores europeus, que temem a entrada de produtos sul-americanos mais competitivos no mercado.
COMISSÃO EXTERNA
Lideranças do agronegócio estão indignadas com a decisão do Carrefour de boicotar a carne do Mercosul. Parlamentares do setor já começaram a planejar uma retaliação. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), diretor de Política Agrícola e ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), vocaliza essa insatisfação. Ele afirmou que vai apresentar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um requerimento para instalar uma comissão externa da Casa com o objetivo de “colocar o dedo na ferida” da empresa.
Na justificativa para criar a comissão, Moreira diz que é preciso avaliar a conduta e as denúncias contra o Carrefour no Brasil. O deputado afirma que há antecedentes “graves” da rede de supermercados francesa no país ligados a violações raciais, ambientais e trabalhistas.
“É uma atitude absolutamente irresponsável, falaciosa e discriminatória, em uma clara afronta protecionista ao setor agropecuário brasileiro”, disparou Moreira, ao comentar fala do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, sobre a decisão do Carrefour de deixar de vender carnes dos países que fazem parte do Mercosul. Ele diz também que as declarações do empresário são “extremamente lamentáveis” e ferem os princípios do diálogo e da cooperação internacional.
O deputado argumenta que o Brasil tem uma das legislações mais rigorosas do mundo no que diz respeito ao controle ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Segundo ele, esses padrões certificam a qualidade dos produtos. “Além disso, causa estranheza a despreocupação do Sr. Bompard com as operações da empresa no Brasil, já que 80% do abastecimento interno é realizado por fornecedores brasileiros.”