Perdão “total e incondicional” começa um mês antes do golpe de 2014 em Kiev e inclui qualquer ato que ele tenha cometido até este último domingo. Ele já havia sido julgado por um júri e as sentenças seriam anunciadas nas duas próximas semanas
Joe Biden assinou no domingo (1º) um escandaloso perdão presidencial – aliás “total e incondicional” – para seu filho Hunter que, na verdade, é um perdão extensivo à famiglia.
O que é evidenciado pelo inusitado período que cobre, justo de “1º de janeiro de 2014” – ou seja, pouco mais de um mês anterior ao golpe da CIA que instalou em Kiev um regime pró-nazista e extremamente corrupto e ganancioso, no qual o então vice-presidente jogou um papel essencial – até este domingo, 1º de dezembro de 2024.
Como Biden admitiu, “não havia mais tempo a perder”: é que Hunter já havia sido condenado por júri, sendo que no dia 16 seria a sentença por fraude fiscal e evasão do imposto de renda, passível de até 17 anos de cadeia e quatro dias antes a sentença por porte ilegal de arma como viciado.
Em junho, quando o júri condenou Hunter, Biden jurou que não iria emitir perdão nem comutar sua pena; era antes da eleição e não pegava bem.
Agora, assevera que o problema é para evitar uma “perseguição” ao filho. Apenas dois outros presidentes decretaram antes o perdão de familiares.
Bill Clinton, que perdoou o irmão Roger da acusação de tráfico de drogas, e Donald Trump, que perdoou o pai de seu genro, Charles Kushner, de condenação por fraudes fiscais e adulteração de testemunhas,
É mais comum perdoar os comparsas. Como fez Bush Pai, que perdoou a quadrilha inteira do Irã-Contras, até mesmo seu ex-chefe do Pentágono, Caspar Weinberger. Gerald Ford perdoou o impichado Nixon, pelo Watergate. Também os amigos de negociatas, como feito por Clinton.
Do ponto de vista político, há o problema de que o perdão a Hunter facilita o caminho para o já esboçado perdão de Trump aos arruaceiros da invasão do Capitólio. Trump, que perdoou o pai do genro, agora diz que perdoar Hunter é “um abuso da justiça”.
Hunter não só está perdoado dessas condenações, como da condenação de qualquer ato que eventualmente venha a ser descoberto, referente ao período abrangido.
10% PARA O “BIG GUY”
Desde que seu famoso “laptop do inferno”, esquecido numa oficina eletrônica, se tornou público, detalhes escabrosos – e fotos – de Hunter passaram ao conhecimento público, mas o problema não está em que era viciado em crack, cocaína, bebida e prostitutas, um drama pelo qual famílias às vezes passam, mas sim de que, mesmo nessa condição lastimável, ele acabava sendo instrumento para, digamos, negócios cuja concretização só se explicariam pelo fato de ser filho de quem era.
Se Biden sabia ser o “Big Guy” que receberia 10% sobre a negociata, ou não, há controvérsias. Mas o que Hunter poderia oferecer de vantagem nos seus “empreendimentos”? E, provavelmente, antes de 2014 Hunter sequer saberia apontar no mapa onde a Ucrânia ficava.
Já Biden, há muitos anos é um dos principais operativos do Estado Profundo, desde quando chefiava os acertos em política externa no Senado e o apoio às guerras eternas, no que só se refinou como vice de Barack Obama.
No golpe de 2014 em Kiev, Biden foi um operador decisivo, incumbido de pressionar o então presidente ucraniano Yanukovich para deixar a sopa na praça Maidan engrossar, sem pesar a mão, até a hora da virada de mesa, 22 de fevereiro. Enquanto França, Alemanha e Polônia encenavam que havia um acordo de pacificação e eleições.
DIRETOR DA BURISMA
Dado o golpe, Biden juntou o útil ao agradável, e obteve para o próprio filho, Hunter, uma sinecura numa empresa privada ucraniana de gás, a Burisma, que, por ter vínculos anteriores com a presidência derrubada, andava em busca de “proteção”.
Hunter não entendia nada de gás, nem de coisa nenhuma, e pouco tempo antes havia sido posto para fora da Marinha por ter dado positivo para uso de cocaína.
Hunter entrou na jogada em Kiev em maio de 2014, ganhando US$ 600.000 anuais, o que continuou até 2019. Antes dele, quando o golpe da CIA completava um mês, um sócio de Hunter em um “fundo de investimento”, um certo Devon Archer, havia ingressado no Conselho da Burisma.
Desses anos arrojados, há a famosa história, relatada pelo próprio Joe Biden, como registrado jocosamente em vídeo, em que ele conta como forçou o governo de Kiev a demitir o inconveniente procurador-geral Viktor Shokin, que estava investigando e atrapalhando as negociatas na Burisma, sob ameaça de que um empréstimo de US$ 1 bilhão prometido por Washington não sairia.
A Duma russa acusou o fundo de investimento de Hunter de ter participado nas operações de financiamento da rede de biolaboratórios implantados na Ucrânia pós-Maidan.
Hunter virou um especialista em afanações; surgiram outras acusações de favorecimento, envolvendo Hunter e, às vezes, o tio James, irmão de Joe. Há quem fale em empresas chinesas apelando para os préstimos da rede e de uma jogada envolvendo empresários do Catar. Entre 2015 e 2017, Hunter e dois parceiros de negócios dividiram um pagamento de US$ 3,1 milhões referentes à ajuda a uma empresa romena que enfrentava acusações de suborno no seu país de origem.
Com o ministério que Trump está formando e sua conhecida verve para a “arte dos acordos”, daqui a pouco os malfeitos do clã Biden vão ficar parecendo coisa de amador. Afinal, rei morto, rei posto, que os tempos são de “MAGA [Make America Great Again]”, patológica, evidente.