A Rede Apae Brasil, que reúne a Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Fenapaes), 26 Federações Estaduais e 2.264 unidades municipais, divulgaram nota em repúdio às medidas do pacote de ajuste fiscal apresentado pela equipe econômica do governo que atingem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Conforme a organização, as alterações propostas pelo pacote, inseridas no Projeto de Lei nº 4614/2024, “afrontam diretamente a dignidade da pessoa humana”, impondo novos critérios com o objetivo de limitar o acesso ao benefício, excluindo pessoas idosas e pessoas com deficiência que não têm condições de se sustentar.
RENDA FAMILIAR
Entre essas medidas está a alteração nas regras para a avaliação da concessão, que passará a incluir a renda de cônjuge e companheiro/a que não more na mesma casa, e de irmãos, filhos, enteados, crianças e adolescentes tutelados que morem na mesma casa, considerando ainda outros benefícios sociais, como o Bolsa Família ou mesmo o BPC de outro membro familiar.
“Deste modo, se na família tem uma pessoa que recebe o BPC, passará a impedir que a segunda, mesmo sendo pessoa com deficiência ou idosa, ainda que tenha renda precária, ou nenhuma renda, não poderá mais receber. Na regra atual, é possível que as duas pessoas recebam”.
No caso de uma mãe idosa cuidadora de filho com autismo severo, por exemplo, impossibilitada de trabalhar e em situação de vulnerabilidade, apenas um dos dois poderá ter acesso ao benefício, ainda que ambos se encaixem nos critérios de vulnerabilidade para acesso ao BPC.
O mesmo valerá para o caso de benefício da seguridade. “Nessa perspectiva, supõe-se que o cidadão que contribuiu a vida toda para o INSS, e está aposentado, ou é pensionista, deverá arcar com o seu próprio sustento e com o suprimento integral das necessidades de sobrevivência de seu familiar com deficiência ou idoso, mais uma vez ferindo a Constituição Federal que compartilha responsabilidade do cuidado entre família, sociedade e Estado”.
“BENS”
Outro mudança é a não concessão do benefício caso a pessoa com deficiência possua bens ou direitos que ultrapassem o limite de isenção patrimonial, atualmente em R$ 2.824. Segundo o texto do projeto, “considera-se possuir meios de prover a sua própria manutenção a pessoa que esteja na posse ou tenha a propriedade de bens ou direitos, inclusive de terra nua, que supere o limite de isenção referente ao seu patrimônio, para a apresentação da Declaração de Ajuste Anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física”.
Para a entidade, o projeto desconsidera a realidade brasileira, pois famílias que moram em posse, assentamentos de reforma agrária, pequenas propriedades rurais, “devido à deficiência ou idade, não conseguem retirar dessas posses sua sobrevivência”. “As residências de programas habitacionais, ou imóveis acima do valor citado, poderão ser impedidos de receber o BPC, posto que todos sabemos que uma casa, por melhor que seja, não gera renda e sim despesas de manutenção. As vulnerabilidades de renda financeira afetam os cidadãos em diferentes momentos da vida, seja por calamidades ambientais e climáticas, seja por desemprego, falecimento, adoecimento ou rompimento de vínculos dos membros da família”.
“INCAPACIDADE PARA A VIDA”
Outra definição é que “a concessão de benefício para pessoas com deficiência limitar-se-á àquelas ‘incapacitadas para a vida’ independente e para o trabalho, com obrigatoriedade da apresentação de Classificação Internacional de Doenças – CID”.
Para a entidade, essa decisão desconsidera “as vulnerabilidades sociais e econômicas enfrentadas por essas pessoas, ferindo o artigo 1º da CDPD [Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência], que reconhece que a deficiência é resultado da interação com barreiras sociais, e não uma condição estritamente médica”.
CADASTRAMENTO BIOMÉTRICO
Se somam a essas medidas “a obrigatoriedade do cadastramento biométrico para concessão, manutenção e renovação do benefício, que poderá causar uma sobrecarga na rede de atendimentos, além de desconsiderar os impedimentos e dificuldades de locomoção das pessoas com deficiência e idosas”.
SOBREVIVÊNCIA E DIGNIDADE
A Apae afirma que “essas mudanças não apenas limitam a proteção social, mas também ameaçam retroceder direitos fundamentais, aumentando a exclusão e a vulnerabilidade de grupos que dependem do BPC para garantir condições mínimas de sobrevivência e dignidade”.
“O PL 4614/2024 impõe barreiras, limita o acesso, aumenta a judicialização, provoca a necessidade de que o sistema de proteção social esteja fortalecido e ampliado nos municípios para anteder as demandas que chegarão as portas dos CRAS, CREAS, CENTROS POP, Serviços de Acolhimento em Longa Permanência, Residências Inclusivas, Centros Dias. Com a defasagem de mais de R$ 10 bilhões do Orçamento Federal para a Assistência Social, a Rede SUAS está fragilizada, não há possibilidade de atender a atual demanda dos municípios. Desta forma, com a limitação de acesso ao BPC, mais uma vez os municípios deverão arcar com o atendimento das demandas da pobreza e extrema pobreza”, conclui a nota.