Queda do governo de Olaf Scholz é manifestação da crise que aflige a União Europeia sob a sabujice a Washington
O parlamento alemão (Bundestag), rejeitou nesta segunda-feira (16) o voto de confiança no governo presidido por Olaf Scholz, abrindo o caminho para a antecipação das eleições, como previamente acordado entre os partidos alemães. Novas eleições estão marcadas para 23 de fevereiro.
Assim, cai o governo alemão, menos de duas semanas após a queda do governo francês, numa manifestação da crise que aflige a União Europeia, após enveredar caninamente pela sujeição total ao governo Biden.
No Bundestag, 394 votaram contra Scholz, 116 se abstiveram e apenas 207 respaldaram o atual primeiro-ministro. Em seu discurso, Scholz admitiu o colapso de seu governo, acrescentando que a decisão, agora, cabe aos próprios eleitores.
Sob vassalagem a Washington, decretação das sanções contra a Rússia, autoexclusão do gás barato russo e aposta na guerra por procuração da Otan na Ucrânia, o governo Scholz – que incluía, ainda, os verdes e os liberal-democratas – abalou os alicerces da máquina industrial alemã e empurrou o país para o buraco, tornando-o no “homem doente” da Europa, ao invés de sua locomotiva.
A recessão já completa dois anos, a indústria automobilística está em crise aberta e a ameaça de desindustrialização entrou na ordem do dia, com os alemães pagando três a quatro vezes mais caro pelo gás de fracking norte-americano.
E quando o gasoduto Nord Stream foi explodido (por ordem de Joe Biden, segundo o premiado jornalista investigativo Seymour Hersh), o governo Scholz ficou mudo. A Volkswagen anunciou o fechamento de três fábricas no país e cortes de salários de 20%.
Além de ser o segundo maior fornecedor de armas e financiamento aos neonazistas de Kiev depois de Washington, o governo Scholz também tem sido avalista do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, que considera ser “direito de defesa”.
INTERINO
Scholz permanecerá no cargo como primeiro-ministro interino até que um novo governo seja empossado. Após a votação, Scholz foi ao Palácio de Bellevue se reunir com Steinmeier no Palácio de Bellevue, que tem 21 dias para dissolver o Bundestag, dando início ao processo eleitoral. Pela lei eleitoral alemã, se não houvesse a antecipação, a eleição teria de ser realizada até setembro do próximo ano.
Scholz é detestado, segundo as pesquisas, por três em cada quatro alemães. Nesse quadro, o colapso do governo “semáforo” – denominação referente às cores dos partidos integrantes – não foi nenhuma surpresa.
O ministro das finanças, o liberal-democrata Christian Lindner, foi demitido em novembro, decretando o fim da coalizão, ao pressionar para manter o fluxo de dinheiro para Kiev através de cortes nas aposentadorias e do repasse para os municípios, bem como do dinheiro imprescindível para a modernização do país – obviamente um “programa para a derrota” nas eleições na percepção de Scholz. Ainda, o adiamento de metas da transição climática e a recusa a fornecer mísseis de longo alcance a Kiev para ataques contra a Rússia – ao contrário de Washington, Londres e Paris.
Também são um elemento de tensão para o próximo governo alemão as promessas de Donald Trump de guerra tarifária, o que atingiria especialmente a Alemanha no contrapé. No carro-chefe da máquina exportadora alemã, Volkswagen, BMW e Porsche anunciaram, no terceiro trimestre de 2024, uma queda de 50% nos lucros, em relação a igual período do ano.
MAIORES PERDAS SALARIAIS DO PÓS-GUERRA
Estudo de dois respeitados economistas alemães, Tom Krebs e Isabelle Weber, expôs as raízes de tamanha rejeição a Scholz e seus cúmplices.
Sob a crise energética de 2022 (o rompimento de Berlim com o gás russo, para aderir à guerra da Otan contra a Rússia na Ucrânia), mostraram Krebs e Weber, os trabalhadores alemães foram submetidos às “maiores perdas salariais reais da história alemã do pós-guerra”, muito piores do que no crash de 2008 e no lockdown da pandemia.
No início de 2024, eles explicitaram, “a produção agregada seguia 7% abaixo e os salários reais 10% abaixo” dos valores de antes da crise.
Krebs foi conselheiro de Scholz e é membro científico da Comissão do Salário Mínimo. Weber integrou o conselho consultivo do atual ministro da Economia, o verde Robert Habeck.
O chamado freio no preço da energia – eles apontaram – chegou tarde demais, fez os cidadãos se sentirem largados à própria sorte. De acordo com o FMI, a Alemanha será o único país do G-20 que terminará 2024 em recessão.
CRISE VIZINHA
Para relembrar, o governo encabeçado pelo ex-negociador do Brexit Michel Barnier, indicado por Macron, foi derrubado em uma votação na Assembleia Nacional francesa, após usar um mecanismo criado no tempo de De Gaulle, ao instalar a V República, permitindo o governo aprovar sem passar pelo parlamento uma lei, desde que a seguir o parlamento vote a continuidade do governo.
Macron se recusara a indicar um nome da Nova Frente Popular, a coalizão de esquerda que ficara em primeiro lugar, como reza a liturgia política francesa, alegando que a NFP ia aumentar o salário mínimo e revogar a reforma previdência que aumentara a idade mínima de aposentadoria para 64 anos.
331 votos derrubaram Barnier, “O Breve”, o primeiro-ministro de mais curto mandato da história da França. Macron já nomeou outro primeiro-ministro, François Bayrou, candidato a repetir a perfomance de Barnier.