A futura presidente do Superior Tribunal Militar (STM), ministra Maria Elizabeth Rocha, afirmou que o papel dos militares da ativa que participaram do governo de Jair Bolsonaro foi “completamente deturpado” e que “não é concebível” a participação desse grupo na tentativa de golpe de estado.
Elizabeth vai assumir a Presidência do STM em março, sendo a primeira mulher a dirigir o órgão.
Segundo ela, “militar só sobe em palanque no 7 de setembro, e não é um palanque político”. “Quando militares da ativa participaram do governo passado, o papel deles foi completamente deturpado”, disse em entrevista para o site UOL.
“O militar não deve ocupar cargos políticos, como aconteceu no governo anterior. E [se] ainda está na ativa, a situação se torna ainda mais complicada. Porque leva a política para dentro dos quartéis. E quando a política adentra aos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem rachaduras”, avalia a ministra.
“Sem dúvida alguma, política e Forças Armadas são azeite e água: não se misturam. Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina saem pela janela”, acrescentou.
A Polícia Federal indiciou 40 pessoas, incluindo militares da ativa e da reserva, por participarem do golpe encabeçado por Jair Bolsonaro. O ex-ministro da Defesa e da Casa Civil de Jair, o general Walter Braga Netto, foi indiciado e preso preventivamente por tentar atrapalhar as investigações.
A investigação revelou um plano, do qual vários militares da ativa participavam, feito no antigo governo para assassinar Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.
A futura presidente do STM disse que “não é concebível” que militares, “inclusive militares da ativa”, trabalhem “para conspirar contra o Estado democrático”.
Para ela, as Forças Armadas “são instituições de Estado que defendem a soberania estatal” e sua imagem não “pode ser comprometida e nem a sua credibilidade manchada pelo desvio de alguns”.
“É a mesma coisa de querer acusar o Poder Judiciário pela corrupção de alguns magistrados. Existem desvios em todas as instituições, e dentro de um Estado Democrático de Direito os desvios são apurados, julgados e punidos”, continuou.
Maria Elizabeth Rocha avalia que os militares que tentaram dar um golpe devem ser julgados na Justiça comum. “Esses crimes são comuns, não são crimes militares. O STM até poderia julgar, pois a qualidade do agente determina o foro, mas existe uma qualidade chamada prevenção”.
“Nesse caso, Alexandre de Moraes se tornou o juiz prevento. Existe correlação entre os processos. Processos que foram agregados ao do 8 de Janeiro. E a depredação do STF — se um órgão é vítima, ele sempre tem o direito de julgar”, sustentou.
Foi comprovado, ao mesmo tempo, casos de “desacato de militares ao alto comando do Exército, ao comandante do Exército. No caso do desacato militar, principalmente quando há uma quebra à cadeia de comando, cabe a nós, que somos a Corte competente para julgar”.
“Um general de quatro estrelas, por mais reconhecida que seja a sua atuação dentro das Forças Armadas, não pode atacar o seu comandante. É importante que haja um respeito irrestrito à cadeia de comando”, disse.
A PF revelou que o general Walter Braga Netto atacou o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, por não ter aderido ao golpe bolsonarista e tramou uma pressão para que ele mudasse de posição.
Em conversa com outro militar, ele dá a ordem: “Oferece a cabeça dele”. E completou chamando Freire Gomes de “cagão”. Para o golpista Braga Netto, Freire Gomes era o culpado pelo golpe fracassar.
“A nós [STM] caberá, sim, julgar os crimes militares conexos aos delitos comuns e, também, as representações de indignidade para perda do posto e da patente do oficialato, se for o caso”, disse Elizabeth Rocha.
Ela apontou ainda que “os militares devem se subordinar ao poder civil. A importância do poder civil submeter o poder militar —e a criação do ministério da defesa é uma consequência disso — é justamente para que os militares, que detêm as armas da nação, que são investidos no monopólio da força pelo estado, sofram uma série de constrições que estão constitucionalmente previstas”.
Essas restrições, próprias da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito, servem “justamente para que a sociedade civil, que é vulnerável e desarmada, não sofra nenhum tipo de lesão”.