“Está sacramentado. O mau contribuinte, o sonegador contumaz, o empresário inadimplente e corrupto podem comemorar mais uma vitória sobre aqueles que se pautam pela honestidade e pela legalidade. Governo e Congresso enlaçaram o pacote de benesses que será entregue aos maus pagadores de impostos como prêmio pelo ato de sonegar. O novo Refis foi apresentado, na forma da Lei 13.496/17, na edição de quarta-feira (25/10) do Diário Oficial da União.
A essência do texto é aquela da MP 783/17 encaminhada em junho ao Congresso Nacional, sob o pretexto de injetar R$ 6 bilhões na economia, até 2020, por meio do pagamento de dívidas fiscais em condições super favoráveis aos devedores. A versão final, porém, tratou de adicionar ao prato o tempero da classe política, notavelmente propensa a saciar os próprios interesses. Numa casa repleta de ilustres representantes do grande empresariado, o que era “bom” ficou ainda melhor.
No Refis mais vantajoso de todos, os congressistas conseguiram aumentar os percentuais sobre o perdão de multas e reduzir os valores de “entrada” para o parcelamento de débitos tributários de pessoas físicas e jurídicas diante da Receita Federal do Brasil, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e da Procuradoria Geral da União. Quem aderir ao novo Refis – denominado PERT (Programa Especial de Regularização Tributária) pela MP – poderá pagar os tributos atrasados, em até 175 parcelas, com abatimento de 100% dos encargos legais (incluindo honorários advocatícios) e de até 90% dos juros e 70% das multas.
Para quem deve menos de R$ 15 milhões, o programa oferece um pagamento inicial irrisório, de 5% da dívida, para adesão ao financiamento de longuíssimo prazo; também permite a utilização ilimitada da base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Sobre Lucro Líquido) e de prejuízo fiscal de exercícios anteriores. O artigo que excluía do Refis as dívidas provenientes de sonegação, fraude e conluio foi jogado no lixo pelos congressistas.
O pacote de bondades também assegura o perdão de dívidas – mesmo as que são objeto de Refis anteriores – e futura isenção tributária para entidades religiosas e instituições de ensino sem fins lucrativos. E, como se não bastasse, a Lei 13.496/17 ainda contempla contribuintes que já aderiam a outros Refis, mas não honraram o compromisso e perderam o benefício. “Sonegou novamente? Pague agora com um bom desconto”, oferece o texto nas entrelinhas, numa deplorável apologia à cultura da sonegação.
Desde a edição da MP, o Sindifisco Nacional tem combatido frontal e veementemente esse novo instrumento de distorção fiscal, a exemplo da postura que adotou diante de outros programas de refinanciamento tributário. A entidade acredita e defende que o caminho para a solução dos problemas econômicos do país deve ser trilhado, impreterivelmente, à luz da legalidade e da integridade. Benefícios são devidos a quem merece ou necessita. O cidadão de bem, o bom contribuinte, é quem deve ser incentivado por sua conduta.
Como pode um governo entoar, aos quatro cantos, um discurso enflorado de austeridade em prol do reequilíbrio fiscal, penalizando a classe trabalhadora e os servidores, enquanto oferta benefícios à classe política e aos donos do capital, gerando sérios prejuízos aos cofres públicos? O modelo de refinanciamento do Refis não injeta recursos na economia. Ao contrário, retira.
A fragilização das leis tributárias – e de suas punições – são a via de escape para inadimplentes e sonegadores. E nada como a sensação de impunidade para favorecer práticas ilícitas. Quando a Classe política, por suas próprias mãos, demonstra que o “crime compensa”, o resultado não pode ser outro se não o aumento da inadimplência e da sonegação.
A edição do novo Refis desrespeita a atividade fiscalizatória da RFB e traz graves prejuízos à Administração Tributária. É medida reprovável, que afronta o Princípio da Isonomia, causa distorção na concorrência econômica – ao conceder vantagem competitiva aos sonegadores – e, indiretamente, favorece a prática de crimes financeiros e da corrupção, tão abominados e rechaçados pela sociedade brasileira.
É tempo de o país abandonar os velhos hábitos que corroem as estruturas éticas e esvaziam recursos destinados ao bem público. Os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil não se calarão diante de mais esse escândalo protagonizado pela classe política. A categoria continuará lutando e denunciando as forças que intentam contra a legalidade fiscal e o equilíbrio tributário”.
*Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil