Nesta página, reproduzimos um trecho do relatório da Procuradoria da República no Distrito Federal, com informações da Superintendência Nacional de Saúde Complementar, sobre alguns negócios do senhor Paulo Guedes, que Bolsonaro contratou como seu farol econômico.
Guedes é um conhecido golpista do setor financeiro (v., por exemplo, “Posto Ipiranga” arrombou fundo dos funcionários do BNDES), sempre em cima do patrimônio público ou controlado pelo Estado. Essa é, aliás, a essência de suas arengas sobre a privatização de tudo: passar o que é de todos, o que é do povo, para as mãos alguns poucos picaretas, de preferência, as suas.
Porém, aqui apenas resumiremos alguns fatos já apurados pelo Ministério Público.
Guedes, através da “Gestora BR Educacional”, organizou, em 2009, dois fundos de investimento em participações (FIPs).
Os cotistas, desses dois fundos de Guedes, eram os fundos de pensão das estatais federais e o BNDES, através da BNDESPAR.
Uma vez recebido o dinheiro dos fundos de pensão dos funcionários das estatais, o sr. Guedes usou um dos seus FIPs para adquirir uma empresa dele mesmo, a HSM Educacional S/A.
Em seguida, essa última empresa adquiriu outra, também do sr. Guedes, a HSM do Brasil S/A.
Esta última somente existia no papel. Ou, na linguagem dos vigaristas da Bolsa, era uma companhia “não-operacional”.
Apesar disso, a HSM do Brasil – que, oficialmente, era uma empresa argentina – foi comprada pela HSM Educacional com um ágio estupendo, embora suas ações fossem desprovidas de qualquer valor na Bolsa de Valores.
Nessa altura, os fundos, e as empresas pertencentes aos fundos, tiveram prejuízo, também estupendo.
Pode o leitor adivinhar qual foi a despesa que determinou esse prejuízo?
Pois foi o gasto com palestrantes (um gasto de R$ 11 milhões e 900 mil entre 2011 e 2012) e o pagamento de pessoal administrativo (R$ 23 milhões e 100 mil entre 2011 e 2012).
É óbvio o que aconteceu: os fundos de pensão dos funcionários das estatais foram roubados pelo sr. Guedes, com a cumplicidade dos dirigentes dos fundos.
Portanto, coube aos funcionários das estatais ficar com o rombo provocado pelo sr. Guedes.
Tudo isso, por sinal, ocorreu entre 2009 e 2012.
Esse é o sujeito que Bolsonaro diz que, se for eleito, pretende colocá-lo em um exumado – da época de Collor – Ministério da Economia.
Porém, leitor, o melhor é ler abaixo o relatório do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) nº 1.16.000.002730/2018-67.
C.L.
A Gestora BR Educacional Gestora de Ativos Ltda. lançou, em 2009, dois FIP [Fundo de Investimento em Participações] de características análogas: o FIP Brasil de Governança Corporativa (FBGC) e o FIP BR Educacional.
As semelhanças, além da gestora e dos mesmos prestadores de serviço, se observavam em relação aos cotistas (exclusivamente fundos de pensão de patrocínio estatal e o BNDESPAR), em relação a prazos, carteira, taxas, estratégias e no pagamento de elevados ágios nas aquisições.
Juntos, os dois FIP obtiveram subscrições de 1 bilhão de reais, em 2009.
Os quatro maiores cotistas são alvos de operações de forças-tarefa, com foco nesta modalidade de investimento (FIP), ocorridos em grande parte durante as gestões em que ocorreram as subscrições no BR Educacional (Srs. Wagner Pinheiro, na Petros, Alexej Predtechensky – vulgo “Russo” – no Postalis, Carlos Alberto Caser, na Funcef, Sérgio Rosa, na Previ/BB).
EDUCACIONAL
Tanto a gestora do FIP quanto a empresa investida possuem em comum a participação de um mesmo sócio, a saber, o Sr. Paulo Roberto Nunes Guedes.
Por conta da gestora tratar-se de empresa de natureza limitada, não conseguimos acesso ás demonstrações financeiras e à estrutura societária social da empresa na época das aquisições. Porém, segundo informações obtidas no sistema Bloomberg, o Sr. Paulo Roberto Nunes Guedes é figura proeminente em ambas:
“Mr. Paulo Roberto Nunes Guedes, Ph.D. is a Founding Partner and Chief Executive Officer at BR Educacional Gestora de Recursos S.A and BR Educacional Fundo de Investimento em Participações (…) Since 2008, he has been the managing partner of managing body of BR Educacional FIP, where he has been a Co-Head of the private equity area since 2009 (…) In 2007, he founded the financial group BR Investimentos, which became a part of Bozano Investimentos, where he has, from that moment forward, served as CEO (…) Since 2009, he has been a member of the Board of Directors of HSM Educação, which provides executive education programs. Mr. Guedes had been a Director of GAEC Educação S.A., since August 2013. Mr. Guedes served as a Director of PDG Realty S.A Empreendimentos e Participacoes since April 9, 2010. He served as a Director of Abril Educação S.A. He served as a Director of Triunfo Participacoes e Investimentos S.A. until 2008. He served as a Director of Localiza Rent a Car SA.” (grifos no original).
O FIP BR Educacional recebeu seus primeiros aportes em janeiro de 2009, com prazo previsto de duração de seis anos.
Segundo seu regulamento, o objetivo era obter ganhos de capital por meio do investimento em títulos de longo prazo emitidos pelas “companhias-alvo”.
Em uma primeira leitura, chama a atenção o fato da gestora receber um percentual (1,75%) sobre o total subscrito, e não o investido.
Isso ocasionou despesas de 6,6 milhões no primeiro ano de funcionamento, correspondente a 19% do PL médio [patrimônio líquido médio] do fundo durante o ano.
Esta forma de cobrança, apesar de trazer pesadas despesas ao fundo na fase de estruturação, ocorreu em diversos FIP que temos observado, geralmente sob a justificativa de que a gestora mantém uma equipe de prospecção de investimentos adequados para o FIP.
COTISTAS
Foram identificados aportes das EFPC [Entidades Fechadas de Previdência Complementar], todas de patrocínio público federal, entre os meses de fevereiro de 2009 e junho de 2013.
O valor subscrito pelos cotistas foi de 400 milhões de reais, que seriam aportados ao longo de 4 anos.
Os primeiros aportes, conforme contabilizados em dezembro de 2009, possuíam a seguinte configuração:
Considerando que na data o PL [patrimônio líquido] do Fundo era de 75 milhões de reais, os fundos de pensão respondiam por 80% dos investimentos.
Em pesquisa sobre os demais cotistas, encontramos informação do BNDESPAR, datada de 02/01/2009. Porém o valor anotado seria de 96.000.000, sem informação se seria o aportado ou o subscrito.
MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS
As demonstrações financeiras do FIP registram que em 31/12/2009 o FIP possuía Patrimônio Líquido (PL) de 75 milhões de reais, sendo 62,5 milhões relativos a aquisição de 99,99% do capital da empresa HSM Educacional S/A. e o restante aplicado em títulos do Tesouro Nacional.
Ou seja, durante seu primeiro ano de existência o FIP investiu o dinheiro de seus cotistas em apenas uma empresa, a HSM Educacional S/A.
Numa primeira abordagem, observamos a evolução patrimonial da empresa investida durante o período em que esteve na carteira do FIP BR Educacional.
Chama a atenção a drástica redução do patrimônio líquido.
No início de 2010, era de 62,5 milhões (ou seja, exatamente o que foi colocado pelo FIP).
Já em 2012, o Patrimônio Líquido havia sido reduzido a 39,5 milhões, após a empresa amargar prejuízos de 23,5 milhões (perda de quase 40% de seus recursos em meros dois anos de existência).
Já em 2011, as Demonstrações Financeiras do FIP apontavam a seguinte situação, referindo-se à investida (já com a nova razão social, BR Educação Executiva S/A):
“As demonstrações financeiras da BR Educação, referente ao exercício findo em 31 de dezembro de 2011, foram concluídas 6 de setembro de 2012, sobre as quais o relatório de auditoria incluíram parágrafo de ênfase quanto à incerteza da continuidade das operações da investida HSM Educação S.A., em razão da companhia investida estar no estágio inicial das suas operações, e sua continuidade e recuperação dos ativos depender do sucesso da administração na implementação do plano estratégico. O investimento na HSM Educação S.A. foi avaliado no pressuposto de que seu desempenho possibilitará a sua continuidade e a recuperação dos seus ativos”.
O trecho abaixo foi retirado das demonstrações financeiras da companhia investida, a BR Educação Executiva S/A, no exercício seguinte:
“Chamamos a atenção para a Nota 1 às demonstrações financeiras, que descreve que as sociedades controladas cm conjunto (HSM do Brasil S.A. e HSM Educação SA.) tem apurado prejuízos repetitivos em suas operações e apresentaram excesso de passivos sobre ativos circulantes no encerramento do exercício que somados totalizam o montante de R$ 16.999 mil, tendo a HSM do Brasil S.A. apresentado patrimônio liquido negativo no montante de R$ 9.732 mil. Essa situação, entre outras descritas na Nota 1, suscita dúvida substancial sobre sua continuidade operacional. As demonstrações financeiras não incluem quaisquer ajustes em virtude dessas incertezas. Nossa opinião não está ressalvada em função desses assuntos.”
Segue abaixo síntese do balanço patrimonial da empresa onde o gestor do FIP BR Educacional investiu os recursos aportados pelos fundos de pensão de patrocinador público, detentores das cotas do FIP.
Os balanços se referem ao ano de investimento e aos dois anos posteriores, evidenciando a destinação desses aportes e a apropriação dos prejuízos de suas investidas.
Os demonstrativos acima demonstram que a maior porção do prejuízo deveu-se a ajustes de equivalência patrimonial, conforme reportado na nota.
Assim que foi capitalizada pelo FIP BR Educacional, a HSM Educacional S/A adquiriu 100% do capital da HSM do Brasil S/A.
Essas ações não possuíam cotação em bolsa, e, segundo informado nas Demonstrações Contábeis da investida, foram precificadas através de laudos:
“Em outubro de 2009, a Companhia adquiriu da HSM Group, com sede em Buenos Aires, 100% do capital da HSM do Brasil S.A. (“HSM do Brasil”), com sede na cidade de Barueri, Estado de São Paulo. A HSM do Brasil é a atual razão social da Editora Savana Ltda., empresa constituída em outubro de 1996, e sucessora dos negócios da empresa original, fundada em 1987, com o objetivo de disponibilizar aos seus clientes o melhor e mais atualizado conteúdo sobre gestão de negócios, tornando-se referência no seu segmento de mercado, através dos produtos e serviços”.
Nos chama a atenção o registro do ágio de R$ 16,555 milhões pago pelas ações da HSM do Brasil, conforme registrado nas demonstrações contábeis da investida.
Pelo que deduzimos de suas demonstrações contábeis, quando de sua aquisição a HSM Brasil S/A não era uma empresa operacional.
Portanto, cabe indagar a razão de pagamento de ágio em montante considerável à empresa vendedora, com sede na Argentina.
As atividades operacionais da HSM do Brasil S/A apresentaram prejuízos recorrentes.
Os principais itens de despesa, ou seja, o que mais causou impacto nos resultados da empresa, foram a remuneração dos palestrantes (11,9 milhões entre 2011 e 2012) e as despesas com pessoal administrativo (23,1 milhões entre 2011 e 2012). Abaixo, a demonstração financeira realizada pelos auditores da KPMG:
As ações na empresa controladora BR Educação foram mantidas no FIP até março de 2013.
Nesta ocasião, o FIP efetuou a troca de 57,8% do capital social da BR Educação por 49.279 ações da empresa GAEC Educação, avaliadas, através de laudo, em 28,09 milhões de reais (resultando no valor de R$ 570 por ação), e o restante (42,2%) do capital social foi vendido para a mesma empresa por 18 milhões de reais, a serem pagos em três parcelas.
O mesmo FIP BR Educacional já havia adquirido, em 12/04/2012, 488.239 ações da GAEC, tendo pago, na ocasião, 106 milhões de reais (R$ 217 por ação).
Já a contabilidade da GAEC registrava, em 23/03/2013, capital social de 89,8 milhões de reais, divididos em 1.759.948 ações, ou seja, R$51 por ação.
Dessa forma, em tese, a negociação de troca das ações da BR Educacional pelas ações da GAEC, resultou em pagamento, pelo FIP, de ágio de 1.118%.
Mesmo se levarmos em conta o laudo de avaliação das ações da GAEC, que fundamentou a troca de ações da BR Educacional, o resultado líquido do investimento do FIP na BR Educacional foi negativo em 16 milhões de reais.