Novos elementos devem ser usados em processo de julgamento que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como o principal indiciado
Jair Bolsonaro (PL) está cada vez mais enredado nessa barafunda das joias sauditas. Rumoroso caso que veio à tona em março de 2023.
E agora a PF (Polícia Federal) enviou ao STF (Supremo Tribunal Federal) um pen drive com imagens e depoimentos colhidos nos Estados Unidos, no âmbito da investigação que apurou a venda no exterior desses “presentes” caríssimos recebidos pelo então governo do ex-presidente.
Em julho do ano passado, o ex-presidente Bolsonaro e mais 11 pessoas foram indiciadas no inquérito. O caso foi enviado ao STF e está com vistas à PGR (Procuradoria-Geral da República) para possível denúncia.
Pelos movimentos da Procuradoria e do próprio procurador, Paulo Gonet, tudo tem indicado que ele vai fazer a denúncia e assim o ex-presidente poderá ser processado pelo Supremo, nesse escandaloso caso de apropriação indébita de patrimônio do Estado.
ACORDO ENTRE BRASIL E EUA
Os documentos e depoimentos foram levantados no contexto do Mlat (Acordo de Assistência Jurídica em Matéria Penal), firmado entre a PF e o DOJ (Departamento de Justiça) dos Estados Unidos, no ano passado.
O tratado bilateral facilita a cooperação entre autoridades de diferentes países e é instrumento para a proteção de dados pessoais e para que autoridades brasileiras possam compartilhar dados com autoridades estrangeiras.
Em abril do ano passado, equipe da PF foi aos Estados Unidos e trabalhou em conjunto com o FBI (Federal Bureau of Investigation) no caso. Os agentes visitaram 4 cidades americanas: Miami, Orlando, Nova Iorque e Wilson Grove.
VISITA ÀS LOJAS NOS EUA
Os policiais foram às lojas onde auxiliares de Bolsonaro venderam os itens valiosos da Presidência da República, com ajuda do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente. Cid, em colaboração com a PF e o FBI, detalhou endereços e nomes dos locais onde ocorreram as negociações.
Imagens de câmeras de segurança foram confiscadas para ajudar no inquérito, à época. O material mostra, por exemplo, Mauro Cid em negociação relativa à venda de relógios.
Anotações, notas fiscais e fotos também foram apreendidos, com autorização das autoridades estadunidenses. E agora repassados ao STF.
Os elementos enviados ao Supremo pela PF devem embasar o processo de possível julgamento do ex-presidente Bolsonaro na Corte, caso a PGR ofereça denúncia e o STF aceite, tornando-o réu na ação.
DEFESA FAJUTA
Após o indiciamento, no ano passado, os advogados de Bolsonaro afirmaram que os presentes ofertados à Presidência da República “obedecem a um rígido protocolo de tratamento e catalogação”, sobre o qual “o chefe do Executivo não tem qualquer ingerência, direta ou indireta”.
O documento chamou o inquérito das joias de “insólito”, por voltar-se “só e somente ao governo Bolsonaro, ignorando situações idênticas havidas em governos anteriores”, escreveu a defesa.
A defesa escreveu, ainda, que Bolsonaro compareceu de forma espontânea, após ser noticiado da necessidade da restituição, e decidiu que os bens fossem devolvidos.
RUMOROSO CASO
Os primeiros indícios que envolveram o caso das joias — que terminou pelo indiciamento do ex-presidente em julho de 2024 — remontam a março de 2023.
Na época, kit de jóias dado pela Arábia Saudita ao governo Bolsonaro ficou retido no Aeroporto de Guarulhos, na Receita Federal, desde o fim de 2021.
Os itens foram encontrados em 26 de outubro daquele ano, na mochila do militar Marcos André dos Santos Soeiro, que assessorava o então ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque.
Quando ele passou pela alfândega, a Receita pediu para o assessor colocar a mochila no raio-x. Em seguida, agentes da Receita decidiram revistar a mochila. Foi quando encontraram as joias. Daí em diante tudo veio à luz do dia e foi mais uma contrafação liderada pelo ex-presidente, em que ele era o principal beneficiário do desmando.
JOIAS MILIONÁRIAS
As joias de luxo — avaliadas, após conclusão de perícias da PF, em R$ 5,1 milhões — foram apreendidas porque o governo não as declarou como presente de Estado e nem pagou os impostos devidos para que os itens pudessem entrar no País como item pessoal.
Outro pacote com presentes, que incluía relógio, escapou da fiscalização da Receita Federal na ocasião.
Em 29 de dezembro de 2022 — às vésperas do fim do mandato e 1 dia antes de o então presidente da República embarcar para os Estados Unidos —, sargento da Marinha foi enviado em voo oficial pelo gabinete de Bolsonaro ao Aeroporto de Guarulhos para tentar pegar as joias, mas não conseguiu.
Em março de 2023, a PF abriu inquérito para investigar o caso e os envolvidos. No caso, Jair Bolsonaro e o entorno dele.
DECISÃO DO TCU
Decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) no mesmo mês entendeu que o presidente não poderia, ao deixar o cargo, levar consigo bens de valor elevado. Portanto, pediu que o presidente entregasse as joias.
Em abril daquele ano, Bolsonaro prestou depoimento à PF sobre o caso. Ele negou irregularidades e disse que soube das joias um ano depois de a apreensão, mas que não se lembrava quem o avisou sobre a existência dos itens.
Após a decisão do TCU, a defesa de Bolsonaro, então, fez entregas de pacotes de joias à Caixa Econômica Federal. Ao todo, foram 3 pacotes entregues.
Além do conjunto que foi retido pela Receita Federal, outros 2 pacotes de joias dados de presentes a Bolsonaro foram entregues pela defesa do ex-presidente.
Mais 1 conjunto, também com relógio, joias e abotoaduras em ouro, que chegou ao Brasil com a mesma comitiva em 2021, mas não foi barrado. Nesse kit havia: caneta; anel; par de abotoaduras; rosário árabe (“masbaha”); e outro relógio.
CASA DE LEILÕES
Esse pacote — que escapou da fiscalização na época e embarcou para os EUA — foi anunciado por casa de leilões sediada em Nova Iorque, com valor inicial de US$ 50 mil (R$ 245 mil) e valor estimado entre US$ 120 mil (R$ 588 mil) e US$ 140 mil (R$ 686 mil). Ele não chegou a ser arrematado.
O anúncio feito pela casa de leilões indicava que o relógio da Chopard foi fabricado em ouro rosé 18 quilates — o mesmo das outras peças — e faz parte de série limitada — apenas 25 do modelo foram produzidos.
Além do ouro rosê, havia diamantes no rosário e na caneta. Nas abotoaduras e no anel, a superfície mais destacada é lisa — “ideal para monograma de prestígio”, sugeriu a empresa de leilões.
BENS “RESGATADOS”
Depois que o TCU mandou Bolsonaro entregar esse kit à Caixa Econômica Federal, em março, os bens foram “resgatados”, na casa de leilão e devolvidos ao governo.
Mas essas não teriam sido as primeiras joias dadas à delegação brasileira durante viagem à Arábia Saudita. Em outubro de 2019, durante outra viagem oficial de Bolsonaro à Arábia Saudita, o governo recebeu kit com: anel; abotoaduras; rosário islâmico (“masbaha”); e relógio da marca Rolex, de ouro branco com diamantes.
O relógio em ouro branco foi negociado com o relógio Patek Philippe. Ao todo, ambos foram vendidos por US$ 68 mil – pouco menos de R$ 347 mil na cotação da época, segundo a PF.
O relógio Rolex negociado ilegalmente nos Estados Unidos é fabricado em ouro branco cravejado em diamantes e com mostrador em madre pérola branca, também cravejado em diamantes.
KIT DESMEMBRADO
Nos Estados Unidos, após ter sido transportado em voo oficial no fim de 2022, o kit foi desmembrado pelos assessores de Bolsonaro. O relógio foi vendido à empresa especializada, e as jóias, entregues para venda em outra firma.
Assim como o kit de ouro rosé, esse kit de ouro branco teve de ser resgatado pelos aliados de Bolsonaro depois que o TCU determinou a devolução dos itens ao governo federal.
A operação de resgate envolveu Frederick Wassef, advogado e amigo de Jair Bolsonaro, e o ex-ajudante de ordens Mauro Barbosa Cid. Cid chegou ao Brasil, em 28 de março com as joias, e Wassef, no dia seguinte, com o relógio.
OPERAÇÃO DA PF
Em agosto de 2023, a PF deflagrou operação para investigar a venda ilegal de presentes de luxo dados ao ex-presidente. Os agentes cumpriram mandados de busca e apreensão em Brasília, São Paulo e Niterói (RJ). A investigação envolvia:
• o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Barbosa Cid;
• pai de Cid, o general da Reserva Mauro César Lourena Cid, que foi colega de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) e teve cargo, com alto salário, no governo;
• o segundo tenente Osmar Crivelatti, também ex-ajudante de ordens, atualmente um dos auxiliares pessoais escolhidos por Bolsonaro na cota a que ele tem direito como ex-presidente; e
• o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef.
Naquele mesmo mês, o advogado Cezar Bittencourt, que, na época, defendia o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, disse que o cliente iria revelar que vendeu as joias da Presidência nos Estados Unidos a mando de Jair Bolsonaro e que entregou o dinheiro para o ex-presidente.
Na ocasião, Cid foi preso — por envolvimento em esquema de falsificação de cartão de vacinas.
No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
E, também autorizou pedido de cooperação internacional feito pela PF para solicitar aos Estados Unidos a quebra de sigilo bancário das contas dos investigados no caso das joias presenteadas pela Arábia Saudita na Flórida.
INDICIAMENTO DE BOLSONARO
A PF indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro, dia 4 de julho de 2024, no inquérito das joias — investigação que apura se ele e ex-assessores se apropriaram indevidamente de joias milionárias dadas de presente quando era presidente do Brasil.
O encerramento do inquérito é o momento em que a PF conclui quem praticou crimes — e quais foram os crimes.
O relatório final com as conclusões e os detalhes sobre os possíveis indiciamentos foi enviado ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do caso.
M. V.