Foi votado por 84 dos 128 deputados libaneses. Em fevereiro do ano passado, ele presidiu a audiência da Corte da ONU que acolheu a denúncia da África do Sul, contra Israel, por genocídio em Gaza
O novo primeiro-ministro do Líbano, o juiz Nawaf Salam, que até então presidia a Corte Internacional de Justiça da ONU em Haia, condenou em seu primeiro discurso na terça-feira (14) “a mais recente agressão bárbara de Israel contra o Líbano”, se comprometeu a “resgatar, reformar e reconstruir o país”, apresentando como prioridades “a retirada completa do inimigo da última polegada ocupada de nossa terra” – que deve se completar até o final de janeiro -, e a reconstrução de casas, empresas e escolas em áreas que foram bombardeadas por Israel.
Sua nomeação foi feita pelo novo presidente do Líbano recém eleito pelo parlamento, e ex-comandante do Exército, general Joseph Aoun, que lhe pediu que forme o novo governo. O Líbano estava há dois anos sem presidente, por impasse na escolha do nome entre as diferentes forças libanesas. O país passou por uma guerra civil entre 1975 e 1990 e o sul do país esteve sob ocupação de Israel de 1982 a 2000, cujas forças foram expulsas por uma luta árdua encabeçada pelo Hezbollah.
Salam foi eleito com os votos de 84 dos 128 deputados e substitui o primeiro-ministro interino Najib Mikati, que só obteve nove votos. 35 deputados se abstiveram. Mikati felicitou Salam pouco depois da divulgação dos resultados, desejando-lhe boa sorte para o novo cargo.
De acordo com o sistema político libanês, baseado na divisão de poder entre as comunidades religiosas do país, o presidente deve ser um cristão maronita; o presidente do parlamento, um xiita; e o primeiro-ministro, um representante sunita. Nabih Berri, líder do Movimento Amal, e aliado histórico do Hezbollah, é o presidente do parlamento.
“A reconstrução não é apenas uma promessa, mas um compromisso”, asseverou o veterano jurista, que também prometeu ao Líbano “um novo capítulo enraizado na justiça, segurança, progresso e igualdade de oportunidades” e um “plano abrangente” para desenvolver uma economia “moderna e produtiva” e gerar empregos.
Está em vigor desde novembro um acordo de cessar-fogo com Israel, que bombardeou o Líbano causando destruição generalizada, principalmente no sul, mas também na capital Beirute e no vale do Bekaa. Dos 6 milhões de libaneses, 1 milhão foram deslocados de suas casas pelos bombardeios israelenses, com prejuízos estimados em centenas de milhões de euros.
Após ser expulso do sul do Líbano em 1999, em 2006 o regime de apartheid havia realizado nova investida, mas quebrara a cara, e fora forçado a parar. Desde outubro de 2023, o Hezbollah realizava ações contra Israel em solidariedade aos palestinos e para exigir o fim do genocídio perpetrado em Gaza, o que levara dezenas de milhares de colonos da fronteira norte a fugirem para Tel Aviv e adjacências.
Sobre os rumores de descontentamento no Hezbollah e aliados por seu nome, Salam estendeu a mão para a participação de todas as forças políticas, dizendo que não ser daqueles “que excluem, mas daqueles que unem”. “Minhas mãos estão estendidas a todos para partirem juntos nesta missão”, ele acrescentou.Segundo a mídia, deputados sunitas independentes votaram no nome do juiz.
Salam disse ainda que “estenderia a autoridade do Estado libanês por todo o seu território” e “trabalharia seriamente para implementar completamente a Resolução 1701 da ONU”.
Quanto a isso, como observou o analista libanês Assad Frangieh, ninguém vai desarmar o Hezbollah. O acordo 1701 é claro pedindo ao Hezbollah não mostrar postos militares ou movimentação armada ao sul do Litani e cabe ao Exército do Líbano e a Unifil fiscalizar isso. Do outro lado, Israel deve se retirar para fora das fronteiras e os pontos em conflito serem pautas de negociações. As bases militares do Hezbollah estarão em sua maioria no Bekaa e bem guardadas. A guerra de Gaza e do sul do Líbano mostraram – ele acrescentou – que o elemento básico da resistência são “as pessoas e não apenas as armas”.
Salam, em 6 de fevereiro de 2024, havia sido eleito para um mandato de três anos na presidência da Corte Internacional de Justiça, cargo que assumiu quanto o tribunal convocou sua primeira audiência do caso movido pela África do Sul contra Israel, acusando-o de genocídio na Faixa de Gaza.
Segundo o chefe do bloco “Lealdade à Resistência”, Hajj Mohammad Raad, será responsabilidade de Salam e sua equipe “a libertação dos territórios ocupados e dos prisioneiros” e a implementação da “reconstrução”. O Líbano vinha em grave crise econômica desde 2019, após a explosão no porto de Beirute.
A eleição do general Aoun a presidente do Líbano pelo parlamento contou com a presença de embaixadores da Arábia Saudita, Egito, Irã e Qatar, bem como da China, França, Estados Unidos e Rússia. No primeiro turno, Aoun obteve 71 votos e, no segundo turno, com o apoio do Hezbollah e aliados, foi para 99.
Salam, 71, atuou como embaixador do Líbano nas Nações Unidas de 2007 a 2017, quando chegou a ser vice-presidente da Assembleia Geral da ONU, e ingressou na CIJ em 2018. Ele é, ainda, doutorado em ciências políticas pela prestigiada universidade francesa Sciences Po e em história pela Universidade da Sorbonne. Tem também um mestrado em Direito pela Faculdade de Direito de Harvard.
Ele já havia sido anteriormente candidato a primeiro-ministro, mas não obtivera os votos necessários. Membro de uma tradicional oligarquia sunita de Beirute, seu tio Saeb Salam foi premiê durante vários mandatos. E seu primo, Tammam Salam, foi primeiro-ministro por dois anos, em 2014.