O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (AssIBGE) divulgou, nesta terça-feira (14), uma carta direcionada à comunidade científica e ao povo brasileiro alertando sobre perigos que a criação da fundação de direito privado “IBGE+”, o chamado “IBGE Paralelo”, representará para a soberania nacional e geoestatística brasileira. O AssIBGE cobrou da atual gestão a abertura ao diálogo e a interrupção do projeto.
A entidade alerta que “a criação de uma fundação de direito privado para gerir a ‘inovação tecnológica’ dentro do órgão, feita sem consulta aos quadros técnicos, à comunidade científica e à sociedade, abre um flanco perigoso e sem precedentes para a interferência de interesses privados no sistema geoestatístico nacional”.
“Defendemos a previsão constitucional da produção de informações geocientíficas e estatísticas oficiais como atividades típicas de Estado e o fortalecimento do IBGE como órgão estratégico na defesa da democracia e da soberania nacional brasileira”, disse a entidade em carta, destacando que a produção de estatísticas e informações geocientíficas oficiais é um elemento indispensável ao funcionamento do sistema democrático.
FALTA DE RECURSOS
O IBGE+ é uma instituição de caráter público-privado, criada com a justificativa de captar recursos do setor privado para a manutenção das atividades do órgão, incluindo a realização de pesquisas. Essa seria a forma encontrada pela presidência do IBGE, comandada por Márcio Pochmann, para suprir a falta de dinheiro público para manter a estrutura do órgão.
Para o sindicato, há outras formas de garantir financiamento sem que se abra precedentes para a intervenção de interesses privados na produção dos dados feitos pelo órgão.
“Quem paga a festa é que comanda a música, então, se houver financiamentos privados, pode ser que haja um tipo de que tentativa de interferência (…) a gente entende que, se o IBGE não tem um orçamento que possa suprir as necessidades, o presidente que deveria buscar junto ao presidente da República e ao Ministério do Planejamento do presidente da República, melhorar o orçamento”, afirma Paulo Lindesay, diretor do AssIBGE em entrevista ao Jornal da Cultura.
A entidade destaca que “historicamente, na maioria dos países, as estatísticas oficiais constituem atividade típica de Estado, ou seja, não podem e não devem ser delegadas à iniciativa privada, sob o risco de comprometer o direito dos cidadãos à informação pública, gratuita e de qualidade, além de limitar a autonomia e a capacidade do interesse público em desenvolver as estatísticas nacionais”.
“Estatísticas públicas construídas com qualidade técnica, isenção política, métodos consolidados e processos transparentes são fundamentais para orientar a ação dos governos, empresas, pesquisadores e população em geral, bem como para possibilitar a avaliação do desempenho dos governantes pelos cidadãos”, diz a carta.
SETOR ESTRATÉGICO
A carta aponta, ainda, que na etapa atual do desenvolvimento histórico da humanidade, vivemos uma transição para uma economia com grande relevância da produção digital, em que dados e informações se tornam estratégicos para o desenvolvimento nacional e para disputas no cenário geopolítico e alerta para o risco da perda de controle sobre os dados produzidos, em especial diante da monopolização deste mercado.
“Apesar de abrirem importantes possibilidades para o aprimoramento da vida humana em diversas áreas, os fenômenos da digitalização e dataficação, entretanto, têm envolvido um perigoso avanço de grandes corporações privadas transnacionais de tecnologia (Big Techs) sobre dados de interesse público”, diz o documento.
“Transformados em mercadorias, dados que poderiam contribuir para a prosperidade de todos, tendem a ampliar processos de exclusão econômica e social. Além disso, amplia-se a assimetria entre os países do Norte e Sul Global à medida que dados estratégicos são extraídos e controlados pelas Big Techs sediadas em países estrangeiros”, continua.
SOBERANIA NACIONAL
Neste cenário, a principal instituição estatística do país é fundamental para a garantia de soberania nacional e de salvaguarda de dados públicos de interesse da coletividade e da nação.
Entre os principais riscos elencados pelos trabalhadores do IBGE no documento estão: risco de captura da produção de informações estatísticas e geocientíficas por interesses privados, na medida em que a Fundação poderá atuar vendendo pesquisas e levantamentos ao setor privado; risco jurídico, já que a criação contrariou o entendimento jurídico predominante, segundo o qual a criação de uma fundação pública de direito privado demanda autorização em lei específica; risco à autonomia do IBGE, na medida em que a Fundação permite a contratação ilimitada de pessoas externas em cargos de livre nomeação e risco à credibilidade do IBGE, já que o IBGE+, composto por pessoas externas ao verdadeiro IBGE, poderá produzir pesquisas e levantamentos sem os padrões de qualidade e independência do IBGE.
Por fim, a entidade destaca que a criação do IBGE Paralelo foi feita sem diálogo com os trabalhadores técnicos, com a comunidade científica e com a população em geral. “A criação da fundação de direito privado intitulada de IBGE+ pela gestão Pochmann pegou todo o corpo técnico do IBGE de surpresa”, diz o documento.
“Assim, em virtude das consequências da Fundação IBGE+ para o IBGE de verdade e para o país, ASSIBGE-SN convoca toda a sociedade, em especial a Comunidade Científica, para debater os impactos da privatização das estatísticas nacionais e lutar por um IBGE que produza informações públicas, gratuitas e de qualidade”, conclui a carta.