“O retorno do ciclo de alta da Selic, a partir de setembro do ano passado, dificultou o acesso ao crédito e as condições de pagamento das dívidas”, diz a Confederação Nacional do Comércio
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) alerta que a inadimplência das famílias brasileiras voltou a aumentar em 2024, com a retomada da elevação dos juros no país pelo Banco Central (BC).
“A inadimplência é um reflexo do impacto desproporcional desses fatores sobre as famílias de baixa renda, que enfrentam juros elevados e renda limitada para absorver o aumento dos preços. É fundamental promover um ambiente econômico estável e políticas que ampliem a capacidade de consumo”, defende o presidente da CNC, José Roberto Tadros.
Em 2024, 76,7% das famílias brasileiras estavam endividadas, representando a segunda queda anual consecutiva da pesquisa Peic. No entanto, “a desaceleração das famílias endividadas não foi o suficiente para conter o impacto dos juros na inadimplência”, ressalta a entidade no relatório da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).
Segundo a entidade, a proporção média de famílias com dívidas em atraso chegou em 29,3% do total de lares no país em dezembro de 2024, superando o nível de 2023 e quase alcançando o resultado de 2022 – época que chegou a 30%, maior resultado da série histórica da Peic, iniciada em 2014.
“A inadimplência deve ser observada com cautela em 2025, dado que o Brasil possui uma renda per capita baixa, e os juros cobrados ao consumidor são elevados”, alerta a entidade.
SEM CONDIÇÕES DE PAGAR DÍVIDAS EM ATRASO BATE RECORDE
Já o percentual de famílias sem condições de pagar as dívidas em atraso atingiu o patamar de 13%, sendo o maior da série histórica. Essa é a terceira alta anual consecutiva deste indicador, que segue a tendência estabelecida entre 2021 e 2022.
“Pode-se perceber que o avanço desses indicadores ocorreu principalmente a partir do segundo semestre do ano, coerente com o momento em que o Banco Central iniciou o ciclo de alta da Selic”, ressalta a CNC.
De acordo com a entidade, a proporção de famílias com dívidas atrasadas foi mais expressiva entre as famílias de menor renda, que sofreram mais com o alto nível de juros e preços, especialmente no grupo de despesas de maior peso nos orçamentos desses consumidores, com alimentação, saúde e habitação, por exemplo.
As famílias de menor renda, que correspondem a até três salários mínimos, apresentaram o maior índice de endividamento, 80,5% do total.
No ano passado, o comprometimento médio da renda familiar com dívidas ficou em 29,8%. A pesquisa também mostra que 20,6% das famílias destinam mais de 50% da renda ao pagamento de dívidas.
Outro destaque da pesquisa é que todas as parcelas de renda analisadas não estão conseguindo pagar as suas dívidas em 2024 e, portanto, continuarão inadimplentes.
“Houve aumento para todas as parcelas analisadas. Novamente, as famílias com menor renda se destacaram, com um indicador 2,2 p.p. maior. Nesse caso, aquelas com maior renda também se sobressaíram, com 2,2 p.p. a mais de famílias tendo problemas para arcar com seus compromissos”, observa a CNC.
Dentre as modalidades de crédito, o cartão de crédito segue sendo os principais vilões dos consumidores, ao corresponder por 83,8% das dívidas. Em seguida vem os carnês (16,5%), crédito pessoal (11,4%) e os financiamentos da casa (8,8%) e do carro (8,6%), entre as dívidas mais citadas pelos consumidores.
Para a CNC, “o retorno do ciclo de alta da Selic, a partir de setembro do ano passado, dificultou o acesso ao crédito e as condições de pagamento das dívidas”.
No final do ano passado, a Selic (taxa básica de juros) chegou a 12,25% ao ano, após três aumentos no nível da taxa pelo Copom (Comitê de Política Monetária), em reuniões ocorridas entre setembro e dezembro de 2024.
O Copom já sinalizou ao mercado financeiro que o aperto monetário será intensificado em 2025, e promete mais dois aumentos de 1 ponto na Selic, nas próximas duas reuniões do colegiado, que ocorrerão entre janeiro e março deste ano.
O economista-chefe da CNC, Felipe Tavares, observa que, “quando comparado à economia dos Estados Unidos, o endividamento brasileiro é baixo em termos absolutos e relativos. No entanto, as famílias apresentam problemas em lidar com o seu endividamento devido à volatilidade excessiva do Brasil, com juros elevados e insegurança no mercado de trabalho”.
No Brasil, as dívidas das famílias em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) estão em torno de 30%. Já as dívidas das famílias estadunidenses representam 72% do PIB dos EUA.