Pela Cláusula de Cidadania da 14ª Emenda da Constituição dos EUA, de 1868, qualquer pessoa nascida nos EUA é considerada cidadã. “Trump não tem autoridade para retirar direitos constitucionais”, disse a jurista Andrea Joy Campbell
Estados norte-americanos e grupos de direitos civis entraram com ações judiciais contra a ordem executiva do presidente Trump, no primeiro dia de seu segundo mandado, que pretende ignorar a cidadania inata de qualquer criança nascida no país, estabelecida pela 14ª Emenda da Constituição, caso seja filha de “imigrante ilegal”.
A coalizão de 18 Estados governados pelos democratas, juntamente com o Distrito de Colúmbia e a cidade de San Francisco, entrou com a ação no tribunal federal de Boston nesta terça-feira (21), argumentando que a medida de Trump para acabar com a cidadania inata é uma violação flagrante da Constituição dos EUA.
A ação se somou a dois processos movidos pela União Americana das Liberdades Civis, organizações de imigrantes e uma gestante nas horas seguintes à assinatura do decreto por Trump.
O decreto de Trump orienta as agências federais a não reconhecerem a cidadania norte-americana de crianças nascidas nos Estados Unidos de mães que estejam no país ilegalmente ou que estejam presentes temporariamente, como portadoras de visto, e cujos pais não sejam cidadãos ou residentes permanentes legais.
Pela Cláusula de Cidadania da 14ª Emenda da Constituição dos EUA, de 1868, qualquer pessoa nascida nos Estados Unidos é considerada cidadã.
Os queixosos citam a decisão da Suprema Corte dos EUA de 1898 no caso Estados Unidos v. Wong Kim Ark, uma decisão que determina que as crianças nascidas nos Estados Unidos de pais não cidadãos têm direito à cidadania norte-americana.
A 14ª Emenda foi aprovada em resposta a questões relacionadas aos ex-escravos, no período da Reconstrução, pós Guerra Civil, com os Estados ex-integrantes da derrotada Confederação sendo obrigados a ratificá-la para recuperar a representação no Congresso, e inclui as cláusulas de Cidadania, Privilégios ou Imunidades, Devido Processo e Proteção Igualitária.
A “Cláusula de Cidadania” fornece uma definição ampla de cidadania, anulando a decisão da Suprema Corte em Dred Scott v. Sandford (1857), que sustentava que norte-americanos descendentes de escravos africanos não podiam ser cidadãos dos Estados Unidos.
DIREITOS CONSTITUCIONAIS BÁSICOS
“Os procuradores-gerais dos Estados têm se preparado para ações ilegais como essa, e o processo imediato de hoje envia uma mensagem clara ao governo Trump de que defenderemos nossos residentes e seus direitos constitucionais básicos”, disse o procurador-geral de Nova Jersey, Matthew Platkin, em um comunicado.
Se for mantido, o decreto de Trump significaria que mais de 150.000 crianças nascidas anualmente nos Estados Unidos poderiam ter o direito à cidadania negado pela primeira vez, de acordo com o escritório da procuradora-geral de Massachusetts, Andrea Joy Campbell. “O presidente Trump não tem autoridade para retirar direitos constitucionais”, disse ela em um comunicado.
Entre os autores das ações está uma mulher identificada apenas como “O. Doe”, residente em Massachusetts, que está no país com status de proteção temporária e deve dar à luz em março. O status de proteção temporária está disponível para pessoas cujos países de origem sofreram desastres naturais, conflitos armados ou outros eventos extraordinários e atualmente abrange mais de 1 milhão de pessoas de 17 nações.
BODES EXPIATÓRIOS
Escolhidos por Trump e sua gente como bodes expiatórios do declínio dos EUA – há até quem ache que existe uma “conspiração” para substituir a população branca por negros e latinos -, os imigrantes estão sendo atingidos por uma dezena de medidas repressivas.
Como a reativação da construção do muro na fronteira com o México, a Revogação do programa de liberação condicional humanitária para imigrantes, fim do programa de proteção a imigrantes menores de idade (DACA), retomada da separação de famílias na fronteira, a implementação da política de “permanecer no México” para solicitantes de asilo e ampliação de deportações aceleradas para imigrantes irregulares.
Ainda: restrição de vistos de trabalho temporário, redução da cota de refugiados admitidos anualmente, restrição de concessão de asilo para vítimas de violência doméstica e de gangues e reversão da proibição de deportação para países considerados perigosos.
CAÇADA AOS IMIGRANTES
Líderes estaduais e locais no país inteiro estão se preparando para a caçada aos imigrantes anunciada por Trump em sua campanha presidencial. Em seu discurso de posse, ele declarou “emergência nacional na nossa fronteira sul”, prometendo deportar milhões de imigrantes.
Para a CNN, tais ações podem criar medo e confusão em cidades com grandes populações imigrantes, já que todos, desde motoristas de ônibus escolares a gerentes de restaurantes e pastores de igrejas, ficarão se perguntando o que fazer se a Imigração e Alfândega baterem à porta.
Segundo a Reuters, são esperadas mais ações judiciais por parte de Estados liderados pelos democratas e grupos de defesa de direitos civis que contestem outros aspectos da agenda de Trump, com casos já iniciados que visam o Departamento de Eficiência Governamental liderado por Elon Musk e um decreto assinado pelo republicano que enfraquece as proteções trabalhistas para funcionários públicos, permitindo sua demissão para que sejam substituídos por cumpinchas dos republicanos.