A massa humana se estendia por cinco quilômetros, da Alexanderplatz ao Portão de Brandenburg. Brasileiros presentes aproveitaram para ecoar ‘Ele Não’ e ‘Er Nicht’
Na maior manifestação na Alemanha este ano, 240 mil pessoas foram às ruas em Berlim contra o fascismo, o racismo e a xenofobia e exigiram “solidariedade ao invés de exclusão” em uma sociedade “livre e aberta”, numa resposta coletiva à ascensão de forças tenebrosas e até reaparição de saudações nazistas em incidentes no país.
O protesto, no sábado (13), encabeçado por dezenas de entidades, sindicatos, partidos políticos, organizações de defesa dos refugiados, igrejas e personalidades, sob o lema #Unteilbar (Indivisíveis, ou ‘Todos Juntos’), advertiu que o racismo e a discriminação “começam a se tornar socialmente aceitáveis” e que aquilo que “até ontem era considerado impensável e impronunciável, está se tornando realidade hoje”.
A massa humana se estendia por cinco quilômetros, da Alexanderplatz até o Portão de Brandenburg, num dia ensolarado de outono e muito quente para os padrões alemães, com 40 caminhões de som difundindo as mensagens de repúdio aos extremistas e músicas. Dois shows de música foram realizados durante o ato. Os participantes também exibiam placas e faixas, como “unidos contra o racismo”, “amor, ódio não” e – numa quase síntese de tudo – “nenhum espaço para o nazismo”.
Brasileiros que moram ou estavam de passagem pela Alemanha aproveitaram para ecoar o “EleNão” em vários formatos – no teto de um barco no rio que corta a capital – e ainda em um cartaz em que o “Er Nicht” completa uma caricatura em que um bigodinho de Hitler se coaduna com as feições de Bolsonaro e um topete que cairia bem aos dois.
A convocatória – que recebeu 10 mil adesões nas redes sociais – alertava que “a humanidade e os direitos humanos, o estado de direito e a liberdade religiosa estão sendo abertamente atacados. Isso é um ataque a todos nós”. Acrescentava – sobre o que está levando gente de bem a ser arrastada pelos racistas – que “milhões sofrem o impacto de um subinvestimento em cuidados básicos, saúde, creches e educação”. O partido de Ângela Merkel ficou de fora, mas os sociais-democratas, os socialistas do Partido de Esquerda e os Verdes engrossaram o protesto.
Há dez dias, matéria de opinião, assinada pelo chefe do partido xenófobo Alternativa para a Alemanha (AfD), publicada no jornal alemão Frankfurt Allgemeine Zeitung, um dos principais do país, foi acusada de parafrasear trechos de um discurso de Hitler de 1933. O chefe da inteligência interna alemã (‘Bureau Federal de Proteção da Constituição’), Hans-Georg Maassen, teve de renunciar depois de negar a autenticidade de um vídeo que mostrava neonazis perseguindo imigrantes em Chemnitz, no leste do país. Atos extremistas também foram realizados em Köthen e Schönberg e o movimento denominado Pegida (sigla em alemão para Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente”) promove abertamente a xenofobia contra muçulmanos. Seis integrantes de um grupo de ultradireita foram presos no início do mês, sob acusação de planejarem atentados.
Desde que a onda de 1 milhão de refugiados sírios e líbios foi empurrada em direção à Europa, pelas guerras que os governos europeus apoiaram em submissão a Washington, a questão serviu de chamariz para que os milhões de europeus, que sofreram duramente com a “austeridade de Merkel” e a salvação dos bancos nas costas dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens e dos aposentados, fossem manipulados para os ver como bodes expiatórios.
A política de deter a sangria, apostando na repressão aos imigrantes e nos campos de concentração, ou seja, adotando o discurso da AfD, encabeçada pelo ministro do Interior, HorstSeehofer, teve o efeito inesperado de minguar os votos do CSU [o braço local do partido de Merkel] nas eleições da Baviera de domingo, em que perdeu a maioria absoluta que detinha há seis décadas e com os eleitores preferindo descarregar votos nos Verdes. A votação dos sociais democratas caiu quase pela metade. Como disse a líder do Bloco de Esquerda português, Catarina Martins, foi a “Europa de Merkel” que preparou a “Europa de Salvini” – o primeiro-ministro italiano que anda proibindo navios com náufragos do Mediterrâneo de atracarem nos portos italianos e cortando a merenda nas escolas para os filhos de imigrantes.
ANTONIO PIMENTA