Pelo segundo ano consecutivo, o número de mortes de adolescentes em decorrência de intervenções policiais no estado de São Paulo aumentou, conforme dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). Entre janeiro e novembro de 2024, foram registradas 43 vítimas, um aumento de 13% em comparação ao total de 38 óbitos registrados em 2023.
Em janeiro de 2024, um balanço feito pela Agência Pública destacou um avanço de 58% nas mortes de crianças e adolescentes causadas pelas polícias Militar e Civil desde que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu o cargo em janeiro de 2023.
Entre 2015 e 2022, os óbitos nessa faixa etária apresentaram uma tendência de queda, mas, com a ascensão do governo Tarcísio, houve um aumento nos índices, coincidindo com a gestão do secretário Guilherme Derrite. As vítimas, em sua maioria – 69% em 2024 – eram pessoas pretas ou pardas.
A escalada do número de mortes nas ações policiais sob o comando do atual governador levou a ONG Conectas e a Comissão Arns a denunciar o aumento da letalidade policial à Organização das Nações Unidas (ONU), em março de 2024. Na ocasião, o governador respondeu que “pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”.
Em 12 anos, de janeiro de 2013 e novembro de 2024, as polícias paulistas já mataram mil crianças e adolescentes em suas ações, segundo os números da SSP. 2014, o ano com mais mortes foi quando a pasta era comandada pelo secretário Fernando Grella. Nesse período, foram computadas 153 mortes, e as vítimas tinham entre 14 e 17 anos.
Dessas mil mortes, 959 ocorreram em ações de policiais militares e 41 por policiais civis. A maior parte dos óbitos aconteceu durante o horário de serviço, totalizando 661, enquanto 339 mortes se deram com os agentes em folga.
Outro dado preocupante envolvendo a segurança no segundo ano da Gestão Tarcísio é a alta nos casos de estupros. Foram 14.504 ocorrências, superando em 9,5% os números de 2022. O resultado é o maior desde 2001 – primeiro ano da série histórica disponibilizada pela Secretaria de Segurança. A maioria dos casos de estupro ocorre em uma dinâmica em que o autor é conhecido da vítima, muitas vezes dentro do ambiente familiar, destaca a secretaria.
De acordo com a SSP, do total de 14.504 estupros, 11.133 foram praticados contra vulneráveis. Os dados divulgados nesta sexta-feira (26), consideram as ocorrências somadas de todos os meses de 2023. Segundo o órgão, o aumento dos registros desse tipo de crime está ligado ao aumento no número de notificações e mostra que as mulheres estão “mais conscientes sobre a efetividade de denunciar os agressores”.
FALTA POLÍTICA PÚBLICA
A versão é contestada pelo professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani. Para ele, há falta de políticas públicas para combater esse tipo de crime. “Qual a política pública que foi implementada em São Paulo para enfrentamento de violência contra mulher e violência contra vulneráveis?”. Segundo o professor, “a gente não vê nada nesse sentido, não vê nada que seja objetivo, que tente lidar com essa situação”.
“Dizer que é porque é uma questão entre pessoas, e que é de difícil acesso, é apenas uma mera desculpa que não responde, não resolve o problema que, como a gente tem visto, tem batido recordes”, completa Alcadipani.
Já o número de roubos no Estado de São Paulo teve uma queda em 2024 e atingiu o menor patamar desde o início da série histórica, em 2001. Por outro lado, no segundo ano do Governo Tarcísio de Freitas as mortes provocadas pela polícia chegaram ao maior patamar desde 2020, acompanhando a tendência da letalidade policial contra crianças e adolescentes. As ocorrências de latrocínio (roubo seguido de morte) ficaram praticamente estáveis no Estado, mas cresceram na capital.
Policiais civis e militares mataram 813 pessoas ao longo do ano passado, uma disparada de 63% em relação a 2023, que já havia registrado aumento da letalidade policial em relação ao último ano do governo anterior. O número é quase igual ao de 2020, quando 814 pessoas foram mortas por policiais. As ocorrências envolvem agentes em serviço e de folga.
Ao longo de 2024, 23 policiais militares e 4 policiais civis foram mortos, tanto em serviço quanto durante folgas. Foram contabilizados 193.658 registros de roubo em todo o estado, queda de 15% em comparação a 2023 e menor número desde o início da série histórica. Na capital, foram 115.172 roubos registrados, uma queda de 13%. É o melhor resultado na cidade de São Paulo desde 2012.
Houve um total de 193.658 registros de roubo em todo o estado, queda de 15% em relação ao ano retrasado e menor número desde o início da série histórica. Na capital, foram 115.172 roubos registrados, uma queda de 13%. É o melhor resultado na cidade de São Paulo desde 2012.
No caso das mortes de adolescentes, entre os dados que foram contabilizados oficialmente como de responsabilidade dos policiais no período de 12 anos, uma das vítimas tinha apenas 10 anos. Segundo a polícia, a criança morreu em um suposto confronto com a PM, após uma perseguição em que ela e um amigo, outra criança de 11 anos, teriam roubado um carro dentro de um condomínio no bairro do Morumbi, zona sul da capital paulista, em junho de 2016.
A defesa da família de Ítalo Ferreira, o menino de 10 anos, contestou essa versão, e o juiz Ricardo Augusto Ramos, da 1ª Vara do Júri do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, determinou que apenas o soldado Otávio de Marqui, que estava envolvido na ação, seria levado a júri popular. Os outros quatro foram absolvidos.
As abordagens e ações da polícia de São Paulo, evidenciam um uso excessivo da força, falta de transparência, e uma abordagem que frequentemente resulta em mortes desnecessárias, especialmente entre jovens negros e pardos. A impunidade e a ausência de responsabilização agravam ainda mais a situação.Por meio de nota à Pública, Derrite disse que “todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial, inclusive envolvendo adolescentes, são investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, Ministério Público e Judiciário”. Segundo o secretário, “as forças de segurança não compactuam com desvios de conduta” e “pune com rigor aqueles que infringem a lei ou violam as normas e procedimentos de suas corporações”.