LUIZ CARLOS AZEDO
A eleição de Davi Alcolumbre (União-AP) e de Hugo Motta (PR-PB) ao comando do Senado e da Câmara, ontem, respectivamente, no contexto de uma ampla coalizão de partidos, que vai do PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao PL, representa também uma mudança de geração na elite política do país, que consolida a hegemonia dos políticos do Norte e Nordeste na Casa, com uma orientação fortemente vinculada aos partidos do Centrão.
Alcolumbre, que volta ao comando do Senado, tem 47 anos e foi eleito com uma votação consagradora, obtendo 73 votos, apenas três a menos do que o mais longevo e mais importante político que presidiou a Casa depois da redemocratização, o ex-presidente José Sarney (MDB). Fez uma carreira meteórica, pois chegou à Casa em 2015 e quatro anos depois se elegeu presidente do Senado pela primeira vez, o mais jovem da história. Judeu de origem marroquina, sua família é dona de postos de gasolina, emissoras de tevê (Band e SBT) e negócios agropecuários (terras, pecuária, papel e celulose).
Aos 35 anos, Motta ascende ao comando da Câmara, como o mais jovem presidente da Casa. Entretanto, tem 21 anos de mandato de deputado federal eleito pela Paraíba. Sua cultura política é a das velhas oligarquias nordestinas, adquirida na convivência com o avô, Nabor Wanderley da Nóbrega, que foi prefeito de Patos, e seu pai, Nabor Filho, que é o atual prefeito, pela quarta vez. A avó materna, Francisca Mota, foi deputada estadual por seis mandatos e, também, foi prefeita da cidade.
Entretanto, ambos são hábeis articuladores, com forte atuação nos bastidores das duas casas. São considerados políticos de diálogo fácil e confiáveis pelos pares, com alianças robustas com os velhos caciques de suas respectivas legendas. Alcolumbre tem uma aliança estratégica com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que o sucedeu no comando da Casa por quatro anos. Reassume o comando da Casa tendo como vice o senador Eduardo Gomes (PL-TO), grande artífice da sua aliança com a ala bolsonarista liderada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN).
Eleito com 444 votos, por um plenário de 513 deputados, Motta é muito ligado ao presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e ao ex-deputado Eduardo Cunha (PR), que foi presidente da Câmara e teve o mandato cassado pelo Supremo Tribunal federal (STF). Não era o preferido de Arthur Lira, que fracassou no projeto inicial de fazer o deputado Elmar Nascimento (União-BA), que não conseguiu se viabilizar, assim como Marcos Pereira (SP), presidente de seu partido, que indicou seu nome. O futuro do ex-presidente da Câmara é muito incerto, tanto pode voltar à planície, como Aécio Neves (PSDB-MG) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), que também já comandaram a Casa, ou fazer parte do governo Lula após a reforma ministerial.
No comando da Câmara por quatro anos, Lira protagonizou uma mudança radical no relacionamento entre Câmara dos Deputados com o Executivo, sobretudo quanto ao Orçamento da União. A ampliação das emendas parlamentares, com aumento substancial na destinação de recursos por parte dos deputados, reduziu a dependência das bancadas federais em relação ao Executivo e aos seus próprios partidos, e gerou um contencioso com o Supremo Tribunal federal (STF) por causa do chamado “orçamento secreto”.
IMPASSE EXISTENCIAL
Esse contencioso institucional é existencial. Em minoria no Congresso, o governo perdeu o monopólio do Orçamento; o Congresso ampliou seu controle sobre a agenda legislativa e a execução de investimentos federais, pulverizados por interesses fisiológicos, práticas clientelistas e recrudescimento do patrimonialismo; e o Judiciário, por sua vez, exerce um “poder moderador” de legitimidade constitucional cada vez mais contestada pelo Legislativo.
A tensão entre a Câmara e o Judiciário desloca o eixo de relacionamento do Executivo com o Congresso para o Senado, onde Alcolumbre deve manter a corda esticada com o governo, ocupando um espaço que era de Lira. O perfil do novo presidente da Câmara é mais próximo do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco, porém, sem a sua sólida formação jurídica. Motta é médico.
Desde a redemocratização, O Brasil passou por dois processos de impeachment, três grandes escândalos de corrupção (Anões do Orçamento, Mensalão e Petrolão) e a recessão de 2014 a 2016. Para alguns caciques do Congresso, chegou a hora de resolver a contradição entre um sistema de governo presidencialista e uma constituição parlamentarista. Motta e Alcolumbre estão alinhados politicamente, a ponto de terem decidido derrubar a cerca viva que separa as áreas verdes de suas residenciais oficiais, na Península dos Ministros.
Ontem, no Congresso, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT-SP), como diria o velho Jamelão, estava como pinto no lixo. Sobreviveu à gestão de Lira, de quem se tornara um desafeto, o que por si só é uma proeza política. Mas isso não significa que terá vida fácil. Lula terminou seu segundo ano com o número de 32 vetos derrubados no Congresso; das suas 133 medidas provisórias, só 20 foram aprovadas. Ninguém sabe ao certo quais foram os acordos de Alcolumbre e Motta com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que os apoiou, mas a votação em plenário da proposta de anistia dos envolvidos no 8 de janeiro está no pacote.
Publicado originalmente no Correio Braziliense. Reproduzido com autorização do autor.