Uma política externa baseada no excepcionalismo corre o risco de atentar contra a ordem global, disse o ministro das Relações Exteriores da Rússia
A política “América Primeiro” dos Estados Unidos tem semelhanças perturbadoras com o slogan “Alemanha acima de tudo” (Deutschland Ubber Alles) usado pelos nazistas para designar a suposta superioridade racial sobre os outros, alertou o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.
Em um artigo de opinião para a revista “Russia in Global Affairs” publicado na terça-feira, Lavrov argumentou que a abordagem de Washington mina a Carta da ONU e a ordem global do pós-guerra construída sobre a igualdade soberana resultante da vitória sobre a praga nazista.
Ele observou que esse princípio foi consagrado nos acordos de Yalta-Potsdam assinados em 1945 pela URSS, EUA e Reino Unido, moldando o sistema internacional moderno.
Com Trump de volta ao poder, a interpretação de Washington dos processos internacionais desde a Segunda Guerra Mundial assumiu uma nova dimensão, afirmou Lavrov.
“‘America First’ é alarmantemente semelhante ao lema hitlerista ‘Alemanha acima de tudo’.” Lavrov disse, acrescentando que uma abordagem baseada na “paz através da força” poderia ser o golpe final na diplomacia promotora dos relacionamentos entre as nações.
PROMOÇÃO DO CAOS E DESRESPEITO À ONU
Esses tipos de declarações e construções ideológicas não mostram “o menor respeito” pelas obrigações legais internacionais de Washington sob a Carta da ONU, sublinhou Lavrov.
Imediatamente após sua posse em 20 de janeiro, o presidente Trump emitiu um memorando descrevendo sua “Política Comercial America First” como um “componente crítico para a segurança nacional”. O documento sinalizou que ele continuaria as políticas comerciais introduzidas durante seu primeiro mandato, priorizando a economia dos EUA.
“No entanto, hoje não é 1991 ou mesmo 2017, quando o atual presidente dos EUA assumiu o comando pela primeira vez”, registrou Lavrov.
Citando analistas russos, o chanceler argumentou que um retorno à ordem global anterior, que ainda é perseguida pelos EUA e seus aliados, é impossível, pois se tornaram irreversíveis as mudanças demográficas, econômicas, sociais e geopolíticas.
Ele manifestou esperança de que os EUA acabem aceitando um novo papel como uma das várias potências globais, e não como hegemonia.
A multipolaridade está ganhando força, continuou Lavrov, sugerindo que, em vez de se opor a ela, os EUA poderiam, em um futuro previsível, se tornar um centro de poder “responsável” junto com a Rússia, China e outros países do Sul, Leste, Norte e Oeste Global.
ERA MULTIPOLAR E CARTA DA ONU
O ministro das Relações Exteriores russo ressaltou que a Carta da ONU fornece a melhor estrutura para a gestão dos assuntos globais na era multipolar, “quando todos devem observar – não apenas em palavras, mas em ações – os princípios da igualdade soberana dos Estados, a não interferência em seus assuntos internos e outros princípios fundamentais”.
Lavrov alertou contra “tentativas descaradas de reordenar o mundo no próprio interesse”, que violam os princípios da ONU e podem trazer instabilidade, confronto e até catástrofe.
“Dado o atual nível de tensões internacionais, uma rejeição imprudente do sistema Yalta-Potsdam, com a ONU e sua Carta em seu núcleo, inevitavelmente levará ao caos”, apontou o chefe da diplomacia russa, acrescentando que seu país está prontao para um trabalho honesto e conjunto para equilibrar interesses e fortalecer os princípios legais das relações internacionais.