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LETICIA SARTORI VALOTA
VICTOR NERY
Núcleo de Pesquisa e Disseminação em Evolução Humana
Instituto de Estudos Avançados – USP
A evolução humana é uma área de pesquisa interdisciplinar que busca entender as origens e o desenvolvimento da nossa linhagem evolutiva, a linhagem hominínia, além de suas similaridades e diferenças com outros primatas, sobretudo os monos (chimpanzés, gorilas e orangotangos), nossos parentes mais próximos viventes. Ao longo de milhões de anos, diversas espécies de hominínios surgiram, evoluíram e se extinguiram, deixando para trás evidências fósseis. Essas descobertas revelam traços anatômicos, comportamentais e ecológicos que ajudam a traçar a história da nossa linhagem.
Algumas das características mais analisadas na Paleoantropologia, a ciência que estuda a evolução humana, são o tamanho corporal, definido pela estatura e o peso, e o tamanho do cérebro, pois esses dados fornecem informações sobre os padrões de locomoção e as estratégias de sobrevivência das espécies. No entanto, inferir essas características a partir de fósseis nem sempre é uma tarefa simples, dada a escassez do registro fóssil. Normalmente, os cientistas definem o tamanho corporal a partir da proporção dos ossos longos, como o fêmur (coxa) e o úmero (braço), com o restante do corpo. Quando esses ossos estão fragmentados ou ausentes, os pesquisadores utilizam estimativas baseadas no tamanho dos dentes e do crânio, que, por sua vez, também definem o tamanho cerebral.
A nossa espécie (Homo sapiens) é caracterizada pela postura ereta e locomoção bípede do tipo obrigatória, que significa andar estritamente sobre os dois membros posteriores (pernas). Nesse sentido, possuímos pernas mais longas, e uma coluna vertebral que se encaixa perpendicularmente à base do nosso crânio. Além disso, possuímos um cérebro grande em comparação com o tamanho do nosso corpo, com cerca de 1.300 cm³. Nossos antepassados, que viveram no Paleolítico Superior Europeu (40-15 mil anos atrás), sobrevivendo basicamente da caça e da coleta, possuíam uma estatura entre 1,60 – 1,80 m, e um peso corporal médio de 70kg, medidas estas que atualmente podem variar de acordo com a população.
Diferente de nós, os monos são arborícolas e se locomovem sobre os quatro membros, utilizando os nós dos dedos dos membros anteriores (braços) para apoiar o peso do corpo, locomoção conhecida como quadrúpede nodopedálica. Para que isso seja possível, eles apresentam braços mais longos, dedos curvos, e uma coluna vertebral que se encaixa na parte posterior do crânio. Além disso, os monos apresentam volumes cerebrais, estaturas e pesos menores, que variam entre 300 e 600 cm³, 1,5 m de altura e 50 kg. Essas diferenças reiteram as adaptações de cada grupo ao seu ambiente e estilo de vida, além de permitir a definição da nossa espécie em comparação com nossos parentes mais próximos.
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A separação entre a nossa linhagem evolutiva e a dos chimpanzés ocorreu há 7,5 milhões de anos. Nesse sentido, o primeiro representante da nossa linhagem viveu há 7 milhões de anos e é denominado Sahelanthropus tchadensis. Encontrado na região do Chade (África) em 2001, esse hominínio apresentava um cérebro pequeno, com cerca de 350 cm³. Embora o tamanho corporal exato seja difícil de determinar, devido à fragmentação do registro fóssil, estimamos que o Sahelanthropus tchadensis tinha uma estatura semelhante a de chimpanzés modernos. O tamanho do cérebro e do corpo reforça as características e ancestralidade comum dos humanos com os outros primatas. Apesar disso, existem evidências de que o Sahelanthropus tchadensis já utilizava algum tipo de locomoção bípede, característica exclusiva da linhagem hominínia, embora ainda não haja consenso na comunidade científica.
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O outro tipo de bipedia existente na nossa linhagem é a bipedia facultativa, ou seja, opcional. A espécie que melhor representa esse tipo de locomoção corresponde a Australopithecus afarensis, a espécie da Lucy, habitante do continente africano há 3,5 milhões de anos. Sabemos que, embora ela apresentasse um cérebro de tamanho reduzido, assim como o Sahelanthropus tchadensis, ela possuía grandes diferenças corporais com relação a esse hominínio. Através do estudo dos fósseis de sua espécie, podemos dizer que o Australopithecus afarensis apresentava adaptações anatômicas que permitiam que essa espécies tivesse uma locomoção terrestre, sobre os dois membros posteriores, e arborícola, utilizando os quatro membros, anteriores e posteriores. Além disso, sabemos também que Lucy tinha um tamanho corporal de 1 a 1,3 m e pesava 40 kg.
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Dentre as características que permitiram a locomoção bípede da Lucy, estão: a ausência de polegares opositores nos pés, uma vez que seu dedão (hálux) já se alocava paralelamente aos outros quatro dedos e um encaixe entre sua coluna vertebral e seu crânio localizado na base deste último. Além disso, Lucy apresentava os braços mais longos que as pernas, e dedos curvos, características associadas aos primatas arborícolas.
A bipedia obrigatória, como utilizada pela nossa espécie, cuja anatomia corporal é totalmente adaptada à vida terrestre, surgiu pela primeira vez há 2 milhões de anos, com a espécie Homo erectus, que habitou os continentes africano e euroasiático. O Homo erectus já apresentava uma anatomia muito semelhante à nossa, e seu corpo totalmente adaptado à vida terrestre lhe garantiu o nome de “ereto” (erectus). Além disso, a espécie possuía um cérebro de 1000 cm3, e podia atingir 1,80 m de altura e 70 kg.
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Quando olhamos para espécies mais próximas evolutivamente de nós, a principal delas corresponde aos neandertais (Homo neanderthalensis), nossa espécie irmã. Embora os neandertais, assim como nós, tivessem uma anatomia totalmente adaptada à bipedia obrigatória e um cérebro grande (podia chegar a 1500cm3), seu corpo apresentava algumas diferenças quanto a nós. Sua estatura média era menor que a nossa, raramente ultrapassando 1,60 m, e seu peso corporal médio era maior que o nosso (80kg). Isso pode estar relacionado ao local em que habitaram durante toda a sua existência: o continente euroasiático. No período em que viveram (de 300 a 30 mil anos atrás), o mundo passou por mais de uma glaciação, cujos efeitos são mais intensos nas regiões mais afastadas da linha do Equador, como o continente em questão. Nesse contexto, a baixa estatura combinada a maior massa corporal podem ser consideradas adaptações da espécie ao ambiente, para que pudessem perder menos calor, dado o frio intenso.
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Embora o acesso ao passado seja muitas vezes dificultado pelo estado fragmentário de muitos esqueletos, atualmente dispomos de centenas de fósseis que narram a história da humanidade. Esses vestígios revelam que a evolução humana não ocorreu de forma direta a partir dos monos, como frequentemente se imagina ou é disseminado por materiais de baixo rigor científico. Na realidade, nossa evolução não segue uma linha reta, mas sim um padrão em mosaico, no qual as características que nos definem como humanos, como a estatura e o tamanho do corpo e do cérebro, surgem e se modificam de maneiras diversas, em diferentes momentos da nossa trajetória evolutiva. Muitas espécies hominínias já extintas, inclusive, coexistiram em certos períodos da evolução, tornando a presença exclusiva do Homo sapiens no globo um fenômeno recente na nossa história evolutiva. O estudo desses fósseis é essencial não apenas para compreendermos nossa origem, mas também para refletirmos sobre quem somos e os caminhos que escolhemos para o futuro da nossa espécie.
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