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Agricultores sul-africanos, os africâneres – brancos e ricos – mesmo dizendo-os “racialmente perseguidos” e a quem o presidente Trump 2.0 ofereceu “refúgio nos EUA”, declinaram da gentileza, com várias organizações que os representam anunciando que preferem continuar na África do Sul.
A oferta de Trump aos brancos da África do Sul ocorre exatamente ao tempo em que vem promovendo a mais implacável caçada aos imigrantes indocumentados, principalmente os latinos, mas também africanos e asiáticos.
Os africâneres, cujo regime de apartheid foi superado na África do Sul, fizeram questão de desprezar oferta dos EUA: ‘Não queremos ser refugiados na América’”, registrou o jornal sul-africano, The Sowetan.
Com agricultores brancos controlando dois terços de toda a terra cultivável na África do Sul trinta anos após o fim do apartheid – ainda que menos de 10% da população -, para Trump eles estariam sendo “tratados injustamente” pela reforma agrária, aliás muito lenta, já que em 2005, conforme a BBC, os brancos detinham 80%.
Ao fazer o anúncio, Trump também mandou cortar toda a “ajuda externa” dos EUA à África do Sul.
Chrispin Phiri, porta-voz da diplomacia sul-africana disse ser “preocupante que a premissa fundamental desta ordem não tenha precisão factual e não reconheça a história profunda e dolorosa de colonialismo e apartheid sofrido pelo maioria do povo na África do Sul”.
“Estamos preocupados com o que parece ser uma campanha de desinformação e propaganda com o objetivo de deturpar nossa grande nação. É decepcionante observar que tais narrativas parecem ter encontrado favor entre os tomadores de decisão nos Estados Unidos da América”, disse Phiri.
“É irônico que a ordem executiva faça provisão para status de refugiado nos EUA para um grupo na África do Sul que continua entre os mais privilegiados economicamente, enquanto pessoas vulneráveis nos EUA de outras partes do mundo estão sendo deportadas e têm asilo negado, apesar das dificuldades reais”.
Aparentemente, esse estrato do setor mais abastado da sociedade sul-africana não ficou muito animado pela oferta de Trump, já que não se sentiriam tão à vontade tendo de pegar no pesado na colheita nas fazendas norte-americanas, ou ralando nos serviços em Los Angeles ou Chicago, em funções que cidadãos brancos americanos, sempre que podem, deixam de lado.
Esta Lei [da reforma agrária] segue “inúmeras políticas governamentais projetadas para desmantelar a igualdade de oportunidades em emprego, educação e negócios, e retórica odiosa e ações governamentais que alimentam violência desproporcional contra proprietários de terras racialmente desfavorecidos”, disse o autoanunciado candidato a empreendedor imobiliário em Gaza.
A ordem de Trump disse que os EUA promoveriam o reassentamento do que chamou de “refugiados africâneres escapando da discriminação racial patrocinada pelo governo, incluindo confisco de propriedade racialmente discriminatório”.
Aparentemente, a diatribe de Trump foi inspirada por seu primeiro-bilionário, Elon Musk, ele próprio de ascendência africâner, inclusive tendo recentemente, na festa de comemoração da volta à Casa Branca, agraciado a exultante multidão presente com duas saudações nazistas, mostrando o que aprendeu desde o berço.
Ainda uma sociedade extremamente desigual, herdada do colonialismo e do apartheid, a questão da reforma agrária continua sendo fulcral, com a pilhagem da terra e expulsão da população nativa sendo o principal traço do apartheid a ser superado.
Como disse o arcebispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz de 1984 e líder da luta de libertação sul-africana, “Quando os missionários chegaram à África, eles tinham a Bíblia e nós, a terra. Disseram-nos: “Vamos rezar”. Fechamos os olhos. Quando os abrimos, nós é que tínhamos a Bíblia e eles, a terra.”
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A declaração de Trump entra em choque com relatório do Banco Mundial de 2022, que considerou a África do Sul o país mais desigual do mundo, admitindo que o fator racial é “um dos fatores determinantes”, em uma sociedade onde 10% da população detém mais de 80% da riqueza.
Trump aproveitou para arremessar sua bílis contra a África do Sul por “assumir posições agressivas em relação aos Estados Unidos e seus aliados, incluindo acusar Israel, não o Hamas, de genocídio na Corte Internacional de Justiça, e revigorar suas relações com o Irã para desenvolver acordos comerciais, militares e nucleares”.
Em suma, além de fornecer as bombas de 1 tonelada que arrasaram ao chão 80% da infraestrutura de Gaza e de matar e ferir mais de 200 mil, Trump quer chantagear o país que derrotou o apartheid por levar à Corte Internacional de Justiça de Haia os genocidas israelenses.
Ainda segundo o comentário de Trump, clamar que a lei internacional puna o genocídio, como a África do Sul fez, seria supostamente “ameaça à segurança nacional para nossa Nação, nossos aliados, nossos parceiros africanos e nossos interesses”.
Em suma, na estúpida inversão do chefe da Casa Branca, os racistas não eram os integrantes, colaboradores e patrocinadores do apartheid, mas quem resistiu a eles.
Na quinta-feira passada, o presidente Cyril Ramaphosa, em seu discurso do Estado da Nação, respondeu à ingerência de Washington, afirmando que “somos um povo resiliente. Não seremos intimidados. Ficaremos juntos como uma nação unida.”
Ramaphosa disse que ao abrir um caso contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça, a África do Sul havia apenas cumprido suas obrigações sob a Convenção do Genocídio e continuava a se solidarizar com os palestinos “que, tendo suportado décadas de ocupação ilegal, agora estão passando por um sofrimento indescritível”.
Grupos africâneres como o Afriforum e Orania buscaram se distanciar das agressivas declarações de Trump, dizendo que não tinham a intenção de deixar o país, apesar da oferta de refúgio. “A posição é clara… não buscamos nos tornar refugiados em outro país, mas sim permanecer africâneres na África”, resumiu o chefe do Movimento Orania, Joost Strydom, no sábado.