Pesquisa registra que só 6% acreditam que sua situação pode melhorar com Macron. Há meses sucedem-se grandes protestos contra o “presidente dos ricos” que só corta direitos
Depois de duas semanas sem uma penca de ministros, num sintoma do definhamento de seu governo, o presidente francês Emmanuel Macron afinal conseguiu recauchutar seu ministério, na tentativa de frear a impopularidade, que não recua, desde que ele cortou impostos dos ricos e direitos dos trabalhadores, elitizou o acesso às universidades com o Parcoursup, assaltou conquistas de décadas dos trabalhadores das ferrovias para facilitar a privatização da SCNF e acaba de abrir nova rodada de pilhagem dos aposentados e do seguro-desemprego.
Antes de sair batendo a porta, seu ex-ministro do Interior, Gérard Collomb, advertiu o banqueiro Macron sobre sua desmedida arrogância, o que levou o apelido de “Júpiter” – o deus romano – a colar nele como uma tatuagem, e mais ainda o de “presidente dos ricos”. Chegou até mesmo a exasperar quase o país inteiro ao afrontar um desempregado, lhe dizendo que “se atravessasse a rua” conseguiria trabalho. A truculência de seu chefe de guarda pessoal também arranhou sua imagem. Há meses, sucedem-se as grandes manifestações de repúdio a Macron e suas políticas, a última delas, na semana passada, com 300 mil nas ruas no país inteiro e 50 mil em Paris.
Como assinalou um analista francês, a demora na nomeação do ‘novo’ ministério se deve a que já não há filas de puxa-sacos deslumbrados enaltecendo Macron e sua “modernidade”, e ficou difícil arranjar gente disposta a afundar junto com ele. Menos de dois anos após a apoteótica posse, Macron já sofre de rejeição maior do que a de Hollande, o breve, em igual período de mandato e seu partido prêt-à-porter, o Les Républicains En Marche, vai junto. Pesquisa registrou que só 6% acreditam que sua situação econômica vai melhorar com Macron.
O desdém com que Macron trata a gente comum só é ultrapassado por seu deslumbre ao lado de Trump, quase de mãos dadas, na Casa Branca. Ou seu enlevo diante de Merkel, a madrasta da austeridade na Europa. Ou seu saudosismo da França de Luiz XVI, aquela que a Revolução Francesa varreu aos brados de “liberdade, igualdade, fraternidade” e com a ajuda da guilhotina.
MAQUIAGEM
No discurso de anúncio da maquiagem do gabinete, Macron chegou a ensaiar um pedido de desculpas pelos “erros inevitáveis”, para em seguida asseverar que não vai “mudar de rumo” e que os franceses vão ter que engolir suas “reformas”. Ele manteve – o que chegou a ser posto em questão – o primeiro-ministro Edouard Philippe e nomeou como substituto de Collomb a Christopher Castaner, ex-socialista que aderiu ao macronismo e ex-porta-voz do governo.
Castaner contará ainda com Laurent Nuñez, ex-chefe da inteligência interna, que recebeu a incumbência de atenuar a indignação dos policiais com a falta de reajuste de salários e de investimentos – uma complicação quando cabe à instituição tentar conter, com gás lacrimogêneo e bordoadas, a cólera que as infames políticas do banqueiro Macron causa a milhões de franceses.
Para tentar segurar os protestos dos agricultores franceses contra as pressões de Washington sobre a política agrícola comum da União Europeia, foi convocado o senador Didier Guillaume, que continua ‘socialista’. A pasta de Relações com o Parlamento será de Marc Fesneau, presidente do partido aliado, MoDem, do centrão de lá.
Para aguentar o repuxo das manifestações dos estudantes contra a reforma elitista, o ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, ganhou um secretário para questões da juventude, o deputado Gabriel Attal. Franck Riester assume a Cultura e, no ministério da Coesão dos Territórios, entra Jacqueline Gouralt. A secretaria da Igualdade entre Mulheres e Homens, cuja titular é Marlene Schiappa, vai acumular a Luta Contra as Discriminações.
Mas apesar de todo o alarido sobre a reforma ministerial, os postos chaves, com exceção do do Interior, não mudaram. Bruno Le Maire, que chegou a se ausentar da reunião do FMI em Bali, foi mantido na Economia e Finanças. Jean-Yves Le Drian permanece à frente das Relações Exteriores, Florence Parly, na Defesa, e Nicole Belloubet, na Justiça.
“Não estamos reclamando, estamos nos revoltando”, anunciou na semana passada a multidão que percorreu o centro de Paris contra os ataques de Macron aos direitos sociais e democráticos. Como denunciou a convocatória, assinada por sindicatos, entidades de defesa dos direitos civis, organizações de aposentados e partidos progressistas, o desmonte de direitos tem de cessar, bem como a concentração desmedida da riqueza e o favorecimento aos agiotas.
SALÁRIOS E PENSÕES
A única maneira de fazer a economia deslanchar, apontaram os manifestantes, é aumentando os salários, as aposentadorias e os gastos sociais e investimentos. As entidades também denunciaram que, em uma década, “as seis maiores fortunas francesas viram sua riqueza quadruplicar, enquanto são necessárias seis gerações para que uma família pobre alcance a renda média”. Os atos se estenderam a uma centena de cidades, na véspera da apresentação do novo plano para garfar os aposentados.
Partidos progressistas consideraram a maquiagem de ministério cometida por Macron como mais um indício de que a coisa está indo para o brejo e o França Insubmissa, partido do ex-candidato a presidente, Jean-Luc Mélenchon, que teve 20% dos votos no primeiro turno, está propondo a antecipação das eleições legislativas para o ano que vem. Já para a gentalha desprezada pelo aristocrático presidente, a certeza é de que as moscas mudaram, mas Macron continua o mesmo.
ANTONIO PIMENTA