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Cinco são acusados pela morte do ex-deputado federal, em 1971. Decisão unânime, com repercussão geral, permite que futura decisão poderá ser aplicada em processos semelhantes em tribunais de todo o País
Por unanimidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu julgar se a Lei de Anistia pode ser aplicada ao caso de 5 militares acusados pela morte do ex-deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura militar — 1964 a 1985.
Eles são acusados de homicídio e de ocultação do cadáver do ex-parlamentar, em janeiro de 1971, no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), no Rio de Janeiro.
O DOI-Codi foi órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão política do governo brasileiro, durante a ditadura, que se seguiu ao golpe militar de 1º de abril de 1964.
PROCESSO CRIMINAL SUSPENSO
O processo criminal dos militares foi suspenso pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2019, com base na Lei de Anistia. A lei perdoou crimes políticos ocorridos durante a ditadura e foi validada pelo STF, em 2010.
No julgamento, ainda sem data definida, os ministros do STF vão analisar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) para manter o processo.
A PGR, por sua vez, defende que a legislação brasileira de anistia não pode ser aplicada em casos de graves violações de direitos humanos.
LEI DE ANISTIA
Segundo a procuradoria, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu, por exemplo, que a Lei de Anistia não pode ser aplicada ao caso da Guerrilha do Araguaia — movimento armado de resistência à ditadura —, que ocorreu entre 1967 e 1974.
No entanto, os militares entendem que não podem ser punidos por causa da Lei de Anistia e, por isso, pedem o arquivamento da ação.
Na última sexta-feira (21), os ministros do STF reconheceram, por unanimidade, a chamada repercussão geral do caso. Assim, futura decisão poderá ser aplicada em processos semelhantes em tribunais de todo o País.
QUEM FOI RUBENS PAIVA
O caso Rubens Paiva ganhou repercussão nacional, a partir do lançamento do filme — longa metragem “Ainda estou aqui” —, lançado em 2024.
Rubens Beyrodt Paiva nasceu em 26 de dezembro de 1929, em Santos, São Paulo. Ele cresceu em família de classe média e, desde cedo, vivenciou as complexidades de ambiente familiar marcado pela política e pelos desafios sociais.
O pai, Jaime de Almeida Paiva, advogado e figura política local, exerceu influência significativa na infância dele, embora os 2 mantivessem relação conflituosa em temas relacionados à política.
Ainda jovem, Rubens demonstrou forte interesse por questões sociais e políticas, participando ativamente de movimentos estudantis e campanhas de grande relevância, como a histórica “O petróleo é nosso”. Essa trajetória inicial refletia senso de responsabilidade e engajamento que o acompanhariam ao longo da vida.
Formado em Engenharia Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rubens iniciou a carreira como engenheiro, mas foi na política que ele encontrou a principal motivação.
Em 1962, foi eleito deputado federal pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). No Congresso, destacou-se pela defesa de temas que buscavam transformar o País, como a reforma agrária e a regulamentação do trabalho urbano e rural. As propostas dele focavam na redução das desigualdades e na criação de oportunidades para quem mais precisava.
Segundo o Memorial da Resistência de São Paulo, o deputado federal foi cassado logo após o golpe militar, através do primeiro Ato Institucional (AI), de 9 de abril de 1964. Exilou-se na Embaixada da Iugoslávia, no Rio de Janeiro, e, em junho de 1964, deixou o Brasil partindo para a França e depois para a Inglaterra. Retornou ao Brasil no início de 1965, instalando-se com a família inicialmente em São Paulo, e, em seguida, no Rio de Janeiro.
PRISÃO, TORTURA E MORTE
Em 20 de janeiro de 1971, Rubens Paiva foi preso por agentes do Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica).
A prisão dele ocorreu na residência da família, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, e foi realizada sem qualquer mandado ou justificativa legal.
Ele foi levado diretamente ao DOI-Codi, um dos principais centros de tortura do regime militar.
O DOI-Codi era mais do que um local de detenção de presos políticos, que se opunham ao regime militar. Era o espaço que simbolizava o terror imposto pelo regime. Rubens Paiva foi mantido preso nesse local, onde práticas violentas e desumanas eram parte da rotina.
Ele foi submetido a sessões intensas de interrogatórios, nas quais métodos de tortura física e psicológica eram empregados para extrair informações ou simplesmente para impor medo e controle.
Relatos posteriores mostram que Rubens enfrentou choques elétricos, espancamentos e ameaças constantes.
SILÊNCIO IMPOSTO PELA DITADURA
Poucos dias após a prisão, Rubens Paiva morreu em decorrência da violência que sofreu. A morte do ex-deputado foi cercada por mentiras e tentativas de ocultação.
A versão oficial divulgada pelo regime dizia que ele havia sido sequestrado por militantes enquanto estava sob custódia, mas essa história se revelou absurda farsa ao longo do tempo graças a testemunhos e investigações como as da CNV (Comissão Nacional da Verdade), realizada anos depois.
A família de Rubens Paiva passou décadas convivendo com a ausência de respostas concretas e com o peso da perda violenta e injusta. A forma como o caso foi conduzido ilustra o nível de autoritarismo e opressão que marcou aquele período no Brasil.
M. V.