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Dividendos em excesso aos acionistas, na maioria estrangeiros, limitam investimentos da estatal e o país paga com menos crescimento e alta nos preços dos combustíveis e alimentos
A Petrobrás encerrou o ano de 2024 com lucro líquido de R$ 36,6 bilhões (US$ 7,5 bilhões). O lucro foi menor do que os R$ 124,6 bilhões (US$ 24,9 bilhões) de 2023. O resultado foi influenciado, segundo a diretoria da empresa, por eventos exclusivos como variações cambiais e a adesão pela empresa ao edital de contencioso tributário. A direção da estatal avalia que não fossem esses “eventos exclusivos”, o lucro seria R$ 103 bilhões (US$ 19,4 bilhões).
FARRA DOS DIVIDENDOS
No entanto, o problema grave que segue acometendo a produtora estatal de petróleo do Brasil é a farta distribuição de dividendos. Senão, vejamos. A companhia informou que pagou R$ 102,6 bilhões em dividendos no ano passado. Ou seja, com um lucro de R$ 36 bilhões, a empresa pagou R$ 102,6 bilhões em dividendos. Quase três vezes o que se obteve de lucro foram distribuídos para os acionistas, em sua maioria estrangeiros. É mais do que a empresa investiu, R$ 91 bilhões (US$ 16,6 bilhões), em projetos durante o ano de 2024.
Para a retomada do crescimento e a recuperação da indústria brasileira, que vem sofrendo um processo cruel de desmonte nas últimas décadas, fruto das políticas neoliberais, o papel das estatais é de fundamental importância. São elas que podem puxar o conjunto dos investimentos e ativar a economia. Os investimentos estão em um nível muito baixo no país. Foram as estatais as principais responsáveis pelo grosso dos investimentos que garantiram o sucesso do segundo mandato de Lula, de 2006 a 2010.
A “ponte para o abismo”, de Michel Temer, e o fascismo bolsonarista que o sucedeu tentaram minar o papel das estatais. Tentaram vendê-las todas, até mesmo a Petrobrás. Salvamos a petroleira, mas perdemos a BR Distribuidora, refinarias e gasodutos. A Eletrobrás, maior empresa pública de energia da América Latina foi vendida, numa operação criminosa contra o patrimônio público.
ELETROBRÁS PRIVATIZADA
Com a perda de Eletrobrás e a desistência de sua reestatização pelo governo atual, a petroleira passou a ser mais decisiva do que nunca para a retomada do crescimento. Pagar dividendos muito altos só interessa aos acionistas e especuladores e limita a expansão das atividades da estatal.
Com a forte restrição fiscal imposta ao país pelo arcabouço fiscal e a meta, estipulada pelo Ministério da Fazenda, de zerar a qualquer custo o déficit nas contas públicas, o papel das estatais nos investimentos públicos cresce ainda mais em importância. Isso ocorre pelo fato delas gerarem riquezas próprias – ou seja, da nação brasileira – que podem ser usadas para investimentos e para puxar o conjunto da economia.
Limitar os investimentos da Petrobrás, pagando mais dividendos do que o montante para garantir o crescimento da empresa, é um caminho desastroso para o país.
Até porque, o Brasil usufrui muito pouco desses dividendos. Boa parte deles vão para fora do país ou servem para alimentar a especulação financeira com títulos públicos, que pagam os maiores juros do mundo. Sem falar que os R$ 37, 9 bilhões a que o governo federal tem direito nos dividendos da estatal estão sendo usados quase que exclusivamente para o pagamento de juros da dívida pública.
TAXA DE INVESTIMENTO
A taxa de investimento do país está na faixa de 18% e já foi de 30%. Para garantir a retomada do crescimento, o país precisa, segundo os especialistas, de taxas superiores a 25%.
Apesar de tudo isso, a direção da empresa comemora o resultado. “O resultado da Petrobrás em 2024 foi impactado principalmente por um item de natureza contábil: a variação cambial em dívidas entre a Petrobrás e suas subsidiárias no exterior. São operações financeiras entre empresas do mesmo grupo, que geram efeitos opostos que ao final se equilibram economicamente. Isso porque a variação cambial nestas transações entra no resultado líquido da holding no Brasil e impactou negativamente o lucro de 2024. Ao mesmo tempo, houve impacto positivo direto no patrimônio”, explica o diretor Financeiro e de Relacionamento com Investidores, Fernando Melgarejo.
A adesão da Petrobras, em junho de 2024, ao edital de contencioso tributário, evento exclusivo do 2º trimestre de 2024, também afetou o resultado, diz a diretoria. A decisão, segundo a direção da Petrobrás, foi positiva e possibilitou o encerramento de relevantes disputas judiciais envolvendo afretamentos de embarcações ou plataformas e seus respectivos contratos de prestação de serviços, sem impacto relevante no caixa da companhia.
GERAÇÃO DE CAIXA
A companhia argumenta ainda que o pagamento de dividendos em volume maior do que o lucro e do que os investimentos da empresa foi possível graças à “forte e consistente geração de caixa”. Segundo a empresa, foi registrado um Fluxo de Caixa Operacional (FCO) de R$ 204 bilhões (US$ 38 bilhões).
Com um fluxo de caixa neste nível, o país certamente poderia acelerar os investimentos e elevar, por exemplo, a capacidade de refino, para se livrar efetivamente da política de paridade de importação. É certo que, apesar de ser mais flexível do que a loucura de reajustes quase diários de Temer, a política atual de reajustes segue baseada em preços internacionais e no dólar. Infelizmente essa política não foi totalmente abandonada. Com isso o país deixa de investir e ainda colabora com a alta da inflação.
O Brasil sofre duas vezes com essa decisão tresloucada de pagar o triplo do lucro da empresa em dividendos aos acionistas. Em primeiro lugar, a empresa deixa de fazer os investimentos no nível que o país necessita e de ativar a economia no ritmo que é necessário. E em segundo lugar, o país sofre também com a alta da inflação, já que os preços dolarizados dos combustíveis praticados internamente jogam a inflação para cima. Já não se controlam mais os preços da energia elétrica, que contribuem muito para a alta da inflação, e também agora não conseguem segurar o preço do diesel. O resultado é a elevação dos preços dos alimentos.
SÉRGIO CRUZ