O WikiLeaks – o principal site independente de denúncias do mundo – anunciou que seu fundador Julian Assange abriu um processo contra o regime do presidente Moreno por “violação dos seus direitos e liberdades fundamentais” e que o ex-juiz espanhol, Baltazar Garzón, que assumiu a coordenadoria de sua equipe jurídica, chegou na sexta-feira (19) ao Equador para as devidas providências.
Desde março, Assange, cujo asilo foi concedido pelo governo anterior, do qual Moreno era vice, está sem comunicação com o exterior e sem receber qualquer visita, exceto advogados, com toda a semelhança com uma detenção em solitária. Como definiu o chefe da equipe jurídica, “uma situação desumana”, com Assange “entrando no sétimo ano” de confinamento.
“A ação ocorre quase sete meses depois que o Equador ameaçou retirar sua proteção e cortar seu acesso ao mundo exterior, recusando-se a permitir que jornalistas e organizações de direitos humanos o vissem”, afirma o comunicado. Acrescenta, ainda, que foram instalados “três inibidores de sinal na embaixada para impedir seus telefonemas e seu acesso à internet”.
Na semana passada, chegou a ser noticiado que o governo Moreno havia se disposto a certo recuo nas pressões contra Assange, após ida de dois altos representantes de Direitos Humanos da ONU a Quito. Mas logo ficou patente que o ‘protocolo especial’ apresentado era apenas um estratagema para fabricar pretextos para facilitar sua expulsão compulsória da Embaixada em Londres, onde está desde 2012. Painel da ONU sobre Prisões Arbitrárias pronunciou-se em 2016 pelo fim da ilegal perseguição a Assange.
A contestação judicial do ‘protocolo’ foi decidida após Assange e seus advogados concluírem que suas arbitrárias disposições condicionam o asilo à censura da “liberdade de opinião, expressão e associação”. Como registrou o WikiLeks, “a pressão para que o Equador entregue Assange ao Reino Unidos aumentou especialmente desde a visita ao país de Mike Pence [vice de Trump] em junho”.
Garzón pediu que a justiça do Equador torne sem efeito as trinta e duas (32!) disposições – isto é, imposições – do ‘protocolo’, que considerou um “documento atentatório que vulnera os direitos” de Assange. A ação está dirigida contra o chanceler do Equador, José Valencia, e o procurador, Salvador Iñigo. Para Garzón, trata-se de uma “situação arbitrária, que contém termos que são impróprios para uma situação de boa harmonia e asilo”.
O descumprimento dessas imposições, conforme o protocolo, implicaria no “término do asilo”. É exigido “que os jornalistas, seus advogados e quem quiser ver Julian Assange forneça detalhes privados e políticos, como seus nomes de usuário nas redes sociais, números de série e códigos IMEI de seus celulares e tablets”, assinala o WikiLeaks. Ainda, a embaixada pode “confiscar a propriedade do senhor Assange e de seus visitantes e, sem ordem judicial, entregar às autoridades da Grã Bretanha”. Acesso à internet, só através da rede wifi da embaixada.
Quem quisesse visitar Assange teria, ainda, que avisar com três dias de antecedência e esperar a autorização por escrito, que poderia ser rechaçada ou cancelada. O editor teria que se submeter a avaliações médicas trimestrais obrigatórias que poderiam fornecer o pretexto para uma “evacuação forçada por ordem médica”. Pela armadilha preparada, nem o gato de Assange escaparia de servir para pressioná-lo para sair.
As declarações de Moreno, por si só, são esclarecedoras. Recomendou que Assange após deixar a embaixada “se submeta ao julgamento que lhe corresponde” – como se fosse possível que a falta a uma audiência, com o caso que motivou a audiência, encerrado pela justiça sueca, fosse motivo para o governo inglês gastar milhões de libras esterlinas para vigiar Assange e se negar a deixá-lo ir. “Nunca estive de acordo com as atividades que realiza o senhor Assange, nunca estive de acordo com intervenções em mensagens privadas de pessoas para obter informações”, desnudou-se Moreno, condenando a exposição dos crimes do Pentágono e da CIA.
No mundo inteiro, a concessão pelo governo do presidente Correa do asilo político a Assange foi considerada um ato de coragem, dignidade e soberania. Desde que, após eleito, se bandeou para o lado da reação, Moreno concedeu de volta a Washington a utilização da base de Manta, fechou a sede da Unasul e tentou calar Assange e forçá-lo a se entregar aos algozes.
O governo inglês se nega terminantemente a dar qualquer garantia que não irá extraditar Assange para os EUA. Segundo muitas fontes de mídia, desde Obama corre um processo secreto, em que Assange é acusado por ter divulgado em 2010 o famoso vídeo do ‘assassinato colateral’ de civis no Iraque e outros documentos que atestam os crimes de guerra dos EUA ali e no Afeganistão, a ingerência e corrupção contra outros países e outras barbaridades.
O secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, já chamou o WikiLeaks de “serviço de inteligência hostil não-estatal” asseverando “que não está coberto” pela 1ª Emenda da constituição, a da liberdade de expressão. Se Assange for extraditado, os criminosos de guerra poderiam julgá-lo por ‘espionagem’ por ter provado que eles são criminosos de guerra, e até condená-lo à prisão perpétua e, pior, pena de morte. A ira do establishment aprofundou-se, já sob Trump, após a exposição da guerra cibernética da CIA (“Vault 7”) e o estrago feito pelo WikiLeaks ao documentar a sabotagem da direção nacional democrata à candidatura de Bernie Sanders, em favorecimento de Hillary Clinton.
A.P.